João Costa, ordem para reprovar…

Artur Mesquita Guimarães, colocou dois processos em Tribunal contra o Ministério de Educação porque os seus filhos, alunos de média de 5 e do Quadro de Honra, foram retidos dois anos devido a um Despacho assinado pelo Secretário de Estado da Educação, João Costa. O despacho, considerado pelos advogados como “ilegal e inconstitucional”, obriga os filhos de Artur a voltarem dois anos lectivos atrás, do 9º para o 7º ano, e do 7º para o 5º ano, argumentado-se no facto dos alunos não terem participado na nova disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, da qual os pais, por objecção de Consciência, não autorizaram os filhos a participar. 

O caso foi divulgado pela página Notícias Viriato, um site pretensamente informativo, mas na realidade dedicado à difusão de informação falsa e tendenciosa, ao serviço da agenda política da extrema-direita. Perante os factos truncados, a óbvia parcialidade do escriba e a ausência de contraditório, resisti até agora a escrever sobre o assunto. Mas como parece não estar a despertar o interesse da imprensa, exploro a informação disponível e deixo também a minha posição.

Aparentemente, tudo começou há dois anos atrás, com a introdução da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento no ensino básico. O pai dos dois alunos em causa, invocando “objecção de consciência”, proibiu os filhos de frequentar as aulas de CD. Seguiu-se, aparentemente, uma troca de missivas e argumentos com a escola e as autoridades educativas, até que, passados dois anos, o SE João Costa entendeu que os alunos em causa, embora com boas notas a todas as disciplinas, não poderiam transitar de ano por não terem nem frequentado a disciplina nem cumprido o plano de recuperação das aprendizagens elaborado pela escola.

O Notícias Viriato publica o despacho de que foi dado conhecimento ao encarregado de educação, que também aqui republico, para que o leitor interessado consiga eventualmente ir mais longe do que eu na sua interpretação…

despacho.jpg

Com a informação parcial e tendenciosa neste momento disponível, há ainda assim alguns pontos que interessa salientar:

  1. A legislação é clara relativamente aos procedimentos em caso de falta de assiduidade por motivos não justificados – no caso de uma disciplina com um tempo semanal, bastará uma falta injustificada para desencadear o processo – pelo que se estranho, tal como o Luís Braga, que um caso destes não tenha chegado à CPCJ e daí, face à reiterada recusa de colaboração da família, ao Tribunal de Família e Menores;
  2. A objecção de consciência invocada pelo pai não é, à luz da Constituição, um direito universal, mas sim uma prerrogativa que pode ser invocada apenas em casos e nos termos claramente explicados na Constituição e na lei, o que não se aplica, obviamente, à recusa desta ou daquela disciplina do currículo obrigatório – levado à letra, seria como um terraplanista recusar as aulas de Geografia ou um criacionista rejeitar a disciplina de Ciências;
  3. Se é ilegítima a posição do pai, também não me parece defensável a decisão ministerial, tomada ao arrepio de todas as filosofias da inclusão e da escola centrada no superior interesse do aluno que têm sido propagandeadas – todos os anos passam de ano dezenas, talvez centenas de milhares de alunos com classificações negativas e/ou excesso de faltas numa ou mais disciplinas, pelo que não faz sentido que estes alunos em concreto, com bom aproveitamento, estejam a ser “mandados para trás”.
  4. Acima de tudo, não é aceitável um caso destes estar a ser (mal) resolvido passados dois anos, com óbvios prejuízos para o interesse dos alunos em causa e que aparentemente nem a escola, nem o ME, nem o próprio encarregado de educação souberam salvaguardar.

No âmago da questão, que agora continuará a ser dirimida em tribunal, temos um pai de seis filhos católico e conservador, que defende a educação tradicionalista e o papel da família na transmissão de valores, contestando “modernices” como a sexualidade, interculturalidade ou as questões de género. E um secretário de Estado que, para dar o exemplo e assinalar uma questão de princípio, cai na armadilha e toma a decisão absurda de mandar alunos com bom aproveitamento repetir dois anos de escolaridade.

Evito fazer um juízo definitivo enquanto não obtiver informação mais completa ou novos desenvolvimentos do caso. Ainda assim, não posso deixar de notar, a concluir, que uma disciplina de “Cidadania” se prestará sempre a ser uma porta por onde os governos e outras organizações tentarão introduzir, nas escolas, a sua agenda política, enquanto alguns pais mais aguerridos contestarão a “doutrinação”.

As matérias propostas para as aulas de CD integram-se e articulam-se perfeitamente com os programas e aprendizagens de diversas disciplinas. E é aí que devem ser adequadamente tratadas, com o devido enquadramento nos conteúdos curriculares, abordadas de forma integrada e estruturada. Uma questão fundamental que, com a imposição da actual reforma curricular, nunca foi devidamente ponderada.

15 thoughts on “João Costa, ordem para reprovar…

  1. Tentei fazer o mesmo com os meus filhos a terem de frequentar uma área qualquer para encher horário e cujo nome já nem me lembro. A resposta veio com uma recusa.

    Complicado pelas questões que pode levantar. Mas a resposta dada é essencialmente parva- recuar 2 anos?

    “As matérias propostas para as aulas de CD integram-se e articulam-se perfeitamente com os programas e aprendizagens de diversas disciplinas. E é aí que devem ser adequadamente tratadas, com o devido enquadramento nos conteúdos curriculares, abordadas de forma integrada e estruturada.”

    A questão é esta mesmo. E, se bem me lembro, foi por aí que andei ao tentar mostrar, na altura, que me responsabilizava pelo facto de os meus filhos não serem obrigados a estar presentes.

    Gostar

  2. Este artigo está contaminado por ideologia e propaganda de estado. 1. Estes alunos não tinham de ser denunciados à cpcj porque não faltavam à escola. 2. Passaram de ano, sucessivamente em dois anos letivos, sem o Sr João Costa ter tomado qualquer atitude. 3. Pelos vistos, a direção da escola aceitou o pedido de não frequência da disciplina, por objeção de consciência, tendo os alunos sido passados pelos Conselhos de Turma, que são soberanos. 4. O Sr João Costa está a passar uma mensagem de poder, repressiva a todos os EE que questionem os conteúdos questionáveis de CD e lavra um despacho que visa apenas esta situação particular, castigando, penalizando dois alunos de mérito, pondo em causa a autonomia das escolas e soberania dos CT.

    Gostar

    • Vamos por partes.
      O que escrevi baseia-se na informação parcelar que foi veiculada, interpretado à luz do conhecimento que tenho, enquanto professor, do funcionamento das escolas e da legislação que o enquadra.

      Neste blogue não se veiculam ideologias nem propaganda e estou disponível para reavaliar tudo o que escrevi face a nova e mais isenta e objectiva informação sobre o caso.

      Contudo, e perante o que se sabe, não tenho grandes dúvidas de que:

      1. O incumprimento reiterado de deveres escolares com a conivência e neste caso até por decisão do EE é obviamente matéria de comunicação às entidades competentes;

      2. A escola não tem competência para dispensar um aluno de uma disciplina obrigatória, que faz parte dos planos curriculares em vigor;

      3. O que a escola pode fazer – e neste caso, correctamente, tê-lo-á feito, é decidir não prejudicar os alunos por causa de uma decisão da responsabilidade dos pais. Uma vez que, apesar das faltas injustificadas e da recusa em cumprir o plano de recuperação, reuniam as condições para transitar de ano, o CT, soberano como muito bem disse, decidiu pela transição;

      4. Que temos aqui um acto prepotente e, julgo, ilegal, da parte do SE Costa, também não duvido nem me surpreende;

      5. Mas também não me parece que seja esta a forma correta, instrumentalizando os próprios filhos, de contestar política ou ideologicamente o governo. Os conteúdos da disciplina, de um modo geral já faziam e fazem parte do currículo – a sexualidade nas aulas de Ciências e não só, as questões da interculturalidade, da igualdade de género ou dos direitos humanos da História, Geografia, Filosofia, Português, entre outras. Não faz sentido defender um currículo à la carte na escola pública, onde os pais retiram as disciplinas ou as matérias que não forem do seu agrado.

      Gostar

  3. É isto que muito aprecio nas análises do António Duarte: clareza, rigor, justiça e humildade.
    É um prazer e uma sorte termo-lo a intervir aqui publicamente.
    Ficamos todos mais ricos… e informados.

    Gostar

  4. Ruas

    Assim é, como também já o afirmei várias vezes.

    E tenho a certeza que assim vai continuar. Mesmo que não comente, não se “livrará” da minha assídua presença.

    Gostar

  5. Agradeço o incentivo.

    E também os vossos contributos para a discussão, sempre que acharem oportuno.

    O interesse e a utilidade dos blogues também se faz da participação dos leitores… 🙂

    Gostar

  6. A partir do momento em que o Conselho de Turma determina a passagem de um aluno, lavrando para esse efeito uma ata, essa determinação é soberana, já que é a mesma responsável pela avaliação dos alunos e passagem dos mesmos. Pelo que, consequentemente, o despacho tb revoga uma ata, comprometendo a ação e resolução dos docentes que integravam o CT. Visa de forma prepotente, dois alunos, que integram o ensino artístico, nem frequentam todas as disciplinas e abre uma “guerra “ de contornos ideológicos infrutífera e estúpida que, muito provavelmente vai acabar no tribunal europeu dos d. h., dada a teimosia do J. Costa que se esquece que a disciplina de CD se insere no âmbito da flexibilidade curricular.

    Gostar

  7. Peço desculpa pela insistência, mas este despacho é uma completa irracionalidade. Vamos ser objetivos. A disciplina é obrigatória e os alunos faltam. Também não fazem as provas de recuperação, logo têm negativa/reprovam na disciplina. Conclusão: Passam/transitam com uma negativa. Consequentemente não podem ser reprovados. Muito menos excluídos por E.F.

    Gostar

    • A questão é que, segundo o Estatuto do Aluno, alunos nesta situação podem e devem ser retidos.
      Legalmente, trata-se de uma questão de absentismo escolar e de incumprimento das medidas de recuperação.

      E não se trata de nenhuma legislação “socialista”. Foi aprovado no tempo de Passos Coelho, com maioria de direita no Parlamento e Nuno Crato no ME.

      1 – O incumprimento das medidas [de recuperação] previstas no número anterior e a sua ineficácia ou impossibilidade de atuação determinam, tratando-se de aluno menor, a comunicação obrigatória do facto à respetiva comissão de proteção de crianças e jovens ou, na falta desta, ao Ministério Público junto do tribunal de família e menores territorialmente competente, de forma a procurar encontrar, com a colaboração da escola e, sempre que possível, com a autorização e corresponsabilização dos pais ou encarregados de educação, uma solução adequada ao processo formativo do aluno e à sua inserção social e socioprofissional, considerando, de imediato, a possibilidade de encaminhamento do aluno para diferente percurso formativo.

      2 – A opção a que se refere o número anterior tem por base as medidas definidas na lei sobre o cumprimento da escolaridade obrigatória, podendo, na iminência de abandono escolar, ser aplicada a todo o tempo, sem necessidade de aguardar pelo final do ano escolar.

      3 – Tratando-se de aluno com idade superior a 12 anos que já frequentou, no ano letivo anterior, o mesmo ano de escolaridade, poderá haver lugar, até final do ano letivo em causa e por decisão do diretor da escola, à prorrogação da medida corretiva aplicada nos termos do artigo anterior.

      4 – Quando a medida a que se referem os n.os 1 e 2 não for possível ou o aluno for encaminhado para oferta formativa diferente da que frequenta e o encaminhamento ocorra após 31 de janeiro, o não cumprimento das atividades e ou medidas previstas no artigo anterior ou a sua ineficácia por causa não imputável à escola determinam ainda, logo que definido pelo professor titular ou pelo conselho de turma:

      a) Para os alunos a frequentar o 1.º ciclo do ensino básico, a retenção no ano de escolaridade respetivo, com a obrigação de frequência das atividades escolares até final do ano letivo, ou até ao encaminhamento para o novo percurso formativo, se ocorrer antes;

      b) Para os restantes alunos, a retenção no ano de escolaridade em curso, no caso de frequentarem o ensino básico, ou a exclusão na disciplina ou disciplinas em que se verifique o excesso de faltas, tratando-se de alunos do ensino secundário, sem prejuízo da obrigação de frequência da escola até final do ano letivo e até perfazerem os 18 anos de idade, ou até ao encaminhamento para o novo percurso formativo, se ocorrer antes.

      Gostar

      • Não é uma questão de absenteísmo escolar, isso é uma generalização. Quanto muito é um “absentismo particular, já que diz respeito a uma disciplina concreta que realmente tem uma carga ideológica forte e polémica, podendo ser objeto do preceito da objeção de consciência.

        Gostar

        • Aí discordamos.

          A lei não distingue entre disciplinas a que se pode faltar ou a que não se pode. Legalmente tem o mesmo efeito faltar às aulas de Português, de Matemática, de Educação Física ou de Cidadania.

          A consequência legal de faltar ao 1º tempo porque apeteceu ficar a dormir mais um pouco ou faltar ao 3º ou 4º porque o papá decide que a disciplina não presta é exactamente a mesma: falta injustificada. Cuja acumulação tem os efeitos previstos no Estatuto do Aluno.

          A figura da objecção de consciência não tem aqui qualquer cabimento legal.

          E mais: como professor que já leccionou a maior parte dos temas que integram os programas de Cidadania, seja ou não numa disciplina com este nome, acho até ofensivo que se ponha em causa a capacidade dos professores em abordarem estes assuntos com isenção, sensatez e equilíbrio. De uma forma adequada ao nível etário e à maturidade dos alunos em causa.

          Nas minhas aulas não manda o SE Costa, mando eu.

          Gostar

  8. A lei que referiu pode ser do tempo de Passos Coelho, mas a disciplina, currículo e reforma, na qual se integra toda esta polémica, são da responsabilidade da atual governação.

    Gostar

  9. Boa tarde a todos… confesso que de leis não compreendo nada por isso a minha opinião vale o que vale… sou mãe de duas crianças uma com 12 e outra com 2 e a minha opinião é dada enquanto mãe.
    Recordo-me claramente do momento em que senti vontade de rasgar umas quantas páginas do livro do estudo do meio de 3ºano ao verificar que a actividade proposta era para ir internet e verificar métodos de reprodução assistida. Em si só, a actividade não teria problema nenhum, mas eu tive a clara noção que essa pesquisa poderia ter resultados a que uma criança tão jovem não deveria ser exposta, pura e simplesmente porque não tem capacidade de perceber o verdadeiro contexto e finalidade do acto sexual. No 4 ano fiquei furiosa quando descobri que na biblioteca de uma escola de primeiro ciclo estava disponível um livro de educação sexual que não se destinava a faixa etária dos alunos que deveriam frequentar a escola e que, a minha filha depois de um colega lhe ter mostrado o livro ficou verdadeiramente perturbada e baralhada com o tema!
    Não me estou a ver a seguir o mesmo caminho deste senhor de Famalicão no entanto, mal ou bem, ele está a defender a sua posição enquanto pai e educador dos seus filhos. Num tempo em que tanto se houve falar de liberdades acho que para muitas pessoas o direito à liberdade tem de ser sinónimo a ser adepto de novas ideologias e formas de aceitação. Perdoem-me o desabafo que já entra numa outra esfera mas parece quase um pouco… tem de haver liberdade e aceitação para com a homossexualidade, os transgeneros ou o que seja, mas, se a pessoa se intitula católico, perde todos os direitos e é vista como fanática e antiquada…
    Não, não ensino à minha filha que os bebés vêm em cegonhas, mas tento dar contexto ao acto sexual, para tentar evitar que também ela ache que o acto sexual deve ser feito apenas em prol de um prazer imediato e sem qualquer ligação. Porque isso, quer seja numa disciplina de estudo do meio, ciências ou cidadania ninguém lhe vai transmitir!
    Posto este meu desabafo, creio que realmente o estado interfere num campo da educação que não deveria… creio que aquelas crianças não devem ser penalizadas porque dois adultos (um pai e um SE) estão a fazer um finca pé… este pai poderia não ter esse direito, mas a escola deu-lhe esse direito quando aceitou a objeção de consciência… logo o SE não deveria ter ido contra a escola e contra o pai… quer fazer valer o seu estatuto, crie um despacho que previna situações futuras mas não prejudique estas crianças!

    Gostar

Comentar

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.