Já há muito se sabia; os últimos dados dos Censos 2021 sobre população e emprego, hoje divulgados, vieram confirmá-lo: em matéria de envelhecimento, a profissão docente destaca-se num país, ele também, envelhecido.
Uma realidade que, contudo, poderá já ter começado a mudar. O ritmo das aposentações entre os professores deverá intensificar-se ao longo da próxima década: é o render da guarda de uma numerosa geração de docentes, chegados à profissão nos anos 80, época de massificação do ensino e alargamento da escolaridade obrigatória.
No quadro mais geral, uma tendência persiste, e irá provavelmente aprofundar-se: são as profissões com maior componente intelectual, científica e tecnológica, a par dos trabalhadores não qualificados, as que mais crescem em número de trabalhadores empregados. O que, bem vistas as coisas, não é surpreendente: são, afinal de contas, as profissões mais difíceis de substituir por computadores, robôs ou sistemas de inteligência artificial.
O Instituto Nacional de Estatística (INE) destacou hoje o subgrupo “professor dos ensinos básico (2.º e 3.º ciclos) e secundário”, com uma média etária de 50,2 anos”, ao divulgar um conjunto de dados sobre as profissões e a escolaridade da população, com base nos resultados definitivos do XVI Recenseamento Geral da População e VI Recenseamento Geral da Habitação – Censos 2021.
“Na última década, paralelamente ao reforço da escolaridade da população assistiu-se ao crescimento do grupo profissional com maior qualificação — “especialistas das atividades intelectuais e científicas” — e, simultaneamente, aquele que requer menos estudos — “trabalhadores não qualificados”, lê-se no Destaque do INE publicado hoje.
As profissões relacionadas com as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) “viram o seu peso reforçado”, com destaque para “diretores dos serviços das Tecnologias da Informação e Comunicação” (132,3%), “analistas e programadores, de software, web e de aplicações” (112,1%) e “especialistas em base de dados e redes” (134,7%), em que a população empregada mais do que duplicou.
Em 2021, este exercício transitou para o formato digital, mantendo, contudo, uma amostra em formato papel (bridge). Neste sentido, Portugal atinge uma pontuação de 531 nas provas em formato papel – ou seja mais 3 pontos que os registados em 2016 nesse formato (528). Nas provas em formato digital, realizadas pela primeira vez, Portugal obtém 520 pontos.
Assim, inverte-se em 2021 a quebra (menos 13 pontos) registada entre 2011 e 2016, nas provas em formato papel.
A diferença observada, em 2021, entre as provas em formato papel e as provas em formato digital (11 pontos), deve ser analisada no seu contexto. De facto, as provas digitais do PIRLS de 2021 correspondem mais propriamente à transposição de uma prova concebida em papel para o formato digital» do que a provas concebidas, de início, em formato digital» e para ambiente digital.
Não havia necessidade, num comunicado do Governo, de explicação tão enviesada para tentar explicar a descida dos resultados dos alunos portugueses no teste PIRLS. Mas o espírito retorcido e manipulatório é forte nesta gente, e continuam convictos de que a verdade incómoda pode sempre ser substituída pela mentira conveniente, desde que a narrativa consiga convencer.
A verdade é que o relatório oficial PIRLS 2021 não distingue entre resultados de provas digitais e provas em papel, consideradas equivalentes. Cada país participante decidiu se pretendia aplicar ou não as provas em formato digital, e se o governo português fez essa opção e não acautelou as condições técnicas para a sua realização, então só tem de assumir a sua (ir)responsabilidade – algo que, sabemos bem, não lhes está propriamente na massa do sangue. De resto, é falsa a alegação de que as provas digitais do PIRLS sejam uma versão atamancada das provas em papel, como aqui se explica muito bem. Ou como o demonstram os alunos de Singapura, que melhoraram os resultados apesar da transição digital.
É que, como diria o outro, nem havia necessidade. O desempenho dos alunos na literacia da leitura caiu na maioria dos países relativamente aos resultados de 2016 e a razão principal foi, obviamente, a pandemia, com os confinamentos, o encerramento de escolas e os constrangimentos que isso trouxe ao desenvolvimento das competências de leitura e de outras aprendizagens. Note-se no entanto que a tendência descendente vinha de trás: já tinha havido uma descida de 2011 para 2016, o que compromete o ministério de Nuno Crato. Pelo que a tentação de inflacionar, fosse de que maneira fosse, os resultados de 2021, ter-se-á tornado irresistível para a máquina de spin e propaganda em que este governo, à falta de melhores realizações, continua a investir. Veja-se o ridículo de tudo isto comparando o gráfico extraído da publicação oficial com o gráfico apresentado pelo governo português.
O relatório global do PIRLS 2021 não apresenta grandes novidades. Reflecte um período atípico, com a pandemia a condicionar o calendário de realização das provas e o tratamento de resultados. A transição digital traz a dificuldade acrescida de passar do papel para o novo modelo de provas digitais sem comprometer a fiabilidade das séries estatísticas.
O topo do ranking continua a ser dominado por Singapura e outros países asiáticos, incluindo a Federação Russa.
Portugal mantém-se no meio da tabela, emparceirando com países próximos, geográfica e culturalmente: Espanha, França, Alemanha, Países Baixos.
Em todos os países, o desempenho médio das raparigas é superior ao dos rapazes. Portugal até está entre os países onde essa diferença é menos significativa, ao contrário do que sucede na África do Sul e nalguns países muçulmanos.
No resto, o PIRLS confirma o que há muito sabemos: as crianças de famílias mais escolarizadas, com maior poder económico e livros em casa têm em média maior literacia do que as menos favorecidas económica e socialmente. A frequência da educação pré-escolar e de uma escola com os recursos necessários também favorece o desenvolvimento precoce das competências associadas à leitura.
Ainda assim, há resultados aparentemente paradoxais. No caso português, os alunos que afirmam não gostar de ler têm melhores resultados médios do que os que gostam e dos assim-assim. O que comprova que as competências ao nível da leitura não se adquirem apenas lendo: é preciso que as leituras sejam significativas e que os leitores retenham e apliquem algo do que lêem para que aquelas se desenvolvam. Ou seja, embora gostar de ler facilite as coisas, pode ser-se um bom leitor mesmo não gostando de ler; tal como se pode ser um mau leitor, passando horas a ler idiotices das quais não extraímos qualquer conhecimento.
Para aprofundar estas e outras questões, recomenda-se a consulta do relatório PIRLS 2021 (em inglês).
Em todo o mundo, os anos dos confinamentos impostos pela pandemia da covid-19 traduziram-se em aprendizagens perdidas pelos alunos, agravamento das assimetrias no acesso á Educação e na obtenção de sucesso escolar e défices não apenas ao nível dos saberes académicos mas também ao nível psicossocial.
Em todo o mundo? Não é bem assim. Num pequeno país do sudoeste europeu, com governo que investe mais em boa comunicação do que em boa governança e um ministério da Educação onde sobra em lábia o que falta em vergonha, conseguiu-se a proeza de demonstrar, através de um relatório das provas de aferição, que os resultados dos alunos são em 2022, ao fim de dois anos de pandemia, melhores do que os que se obtinham antes dos confinamentos forçados e do remedeio do ensino à distância.
Leia-se o relatório do IAVE, que contado nem todos acreditam…
No ano letivo 2020/2021, nas escolas públicas da rede do Ministério da Educação, existiam 78.268 crianças inscritas na educação pré-escolar e alunos matriculados nos ensinos básico ou secundário para os quais foram mobilizadas medidas seletivas e/ou adicionais de apoio à aprendizagem e à inclusão, no âmbito dos respetivos Relatórios Técnico-Pedagógicos (RTP). Dessas 78.268 crianças/alunos, 3.474 (4,4%) estavam inscritas na educação pré-escolar; 22.522 (28,8%), 16.169 (20,7%) e 24.941 (31,9%) estavam, respetivamente, matriculados nos 1.º, 2.º e 3.º ciclos do ensino básico; e 11.162 (14,3%) estavam matriculados no ensino secundário (figura 1).
O relatório publicado pela DGEEC monitoriza a aplicação do regime de educação inclusiva previsto no decreto-lei 54/2018. Dos dados estatísticos apresentados, alguns dados significativos:
De um total de 78.268 Relatórios Técnico-Pedagógicos (RTP) elaborados nas escolas públicas durante o ano letivo 2020/2021, 95% integram medidas seletivas e 21% contêm medidas adicionais de suporte à aprendizagem e à inclusão;
9,4% dos alunos do 2.º CEB têm RTP, o valor mais elevado entre os ciclos de ensino, embora a abrangência esteja a aumentar no 1.º CEB (7,4%) e até na educação pré-escolar (2,7%);
À medida que progridem na escolaridade, a tendência é que um número crescente de alunos com RTP passe com a turma a que pertence menos de 60% do tempo curricular.
Em suma: pelo menos no papel, a inclusão funciona. A grande maioria dos alunos abrangidos pelas medidas de apoio continua a ter a maioria das aulas com a sua turma – o que, diga-se de passagem, já antes acontecia – e, aparentemente, têm sucesso: as taxas de retenção são praticamente idênticas às do conjunto da população escolar. Se este sucesso é real ou obtido à custa de “adequações” facilitistas, esse é um tema-tabu que os serviços ministeriais não se atreverão a enfrentar. Ficamos também a saber que existem bastantes apoios especializados, sobretudo de psicólogos e terapeutas; resta esclarecer se os 50 minutos semanais chegam para o trabalho em profundidade que seria necessário desenvolver nalguns casos mais complicados.
O Governo congratula-se com o aumento do sucesso escolar medido da forma mais simples: pela diminuição significativa, no passado recente, das taxas de retenção.
Mas o sucesso obtido desta forma pode ser ilusório. Basta pensar que nos anos da pandemia desapareceram as provas finais, feitas a todos os alunos, no básico e no secundário. Ou seja, não temos qualquer indicador, minimamente fiável, que nos garanta que o aumento do sucesso se traduziu efectivamente, como se quer fazer crer, em mais e melhores aprendizagens. É certo que o estudo agora divulgado não vem até ao presente: termina no ano 2019/20. Mas é o suficiente para justificar o desaparecimento de um indicador relativamente fiável que vinha sendo calculado nos últimos anos, o dos percursos directos de sucesso, agora convenientemente substituído pelo das conclusões no tempo esperado. A diferença é que no primeiro indicador o “sucesso” era validado pela avaliação externa, enquanto no segundo apenas pesa a conclusão do ciclo de ensino no tempo previsto.
Na verdade, sabemos que os períodos de confinamento condicionaram as aprendizagens e aumentaram as desigualdades no acesso à educação: ou seja, tiveram um efeito completamente oposto ao aumento do sucesso e da equidade que a DGEEC e o ministro vêm agora proclamar aos quatro ventos. E qualquer professor, dos que trabalham nas salas de aula em vez de se dedicarem à pedagogia de gabinete, reconhece empiricamente as dificuldades acrescidas dos seus alunos em coisas tão elementares como a falta de vocabulário ou em competências básicas e estruturantes como a comunicação oral e escrita, a interpretação de textos ou a capacidade de concentração.
São problemas sérios, que deveriam merecer preocupação e acção de um ministro da Educação digno do cargo, que recuse ser mais um que, como o seu antecessor, por cá anda apenas para ir ver a bola. Problemas que não se resolvem com facilitismo avaliativo nem com paliativos, na forma de sessões improvisadas de psicoterapia de grupo ou de filosofias da treta.
Para recuperar aprendizagens perdidas, dando à geração que está agora nos bancos das escolas as mesmas oportunidades que tiveram as anteriores, precisamos em primeiro lugar de rejeitar a pedagogia do coitadinho que anda de novo a tomar posições no sistema educativo. Retomar a ideia de um ensino exigente, mas motivador. Não tratar crianças e adolescentes como débeis mentais, mas desafiá-los e incentivá-los a alcançar o máximo do seu potencial. Desenvolver competências fundamentais, coisa que nunca deixou de se fazer, mas sempre alicerçadas em conhecimento sólido e estruturado, não em vacuidades, achismos ou guiões de educação dita para a cidadania.
Em suma, menos mitos educativos e mais respeito pelos nossos alunos. E pelos professores que com eles trabalham diariamente.
Numa nota de imprensa em que o habital auto-elogio dos governantes adquire uma tonalidade própria de período pré-eleitoral, salienta-se uma falsa vitória: reduzimos o abandono escolar precoce numa percentagem muito superior à média europeia. Na realidade, pudemos fazê-lo porque partimos de valores historicamente elevados, tendo por isso margem para maiores progressos nesta área.
Ainda assim, é verdade que o défice de qualificações académicas que marcou sucessivas gerações ao longo do século passado já não existe entre os jovens que actualmente terminam o secundário. Com uma oferta apesar de tudo mais diversificada ao nível do ensino profissional, uma elevada procura do ensino superior, ao qual já acede, actualmente, a maioria dos estudantes que concluem o secundário e um mercado laboral pouco atractivo, a tendência é mesmo para prosseguir e concluir estudos, na perspectiva de uma carreira profissional mais compensadora.
Contudo, acabados os cursos, muitos jovens acabam por se defrontar com a dura realidade dos empregos que ainda não existem. Não por ainda não terem sido inventados, como dizem os pedabobos do regime, mas porque a nossa economia continua persistentemente assente no modelo do emprego pouco qualificado, da precariedade e dos baixos salários. E este é o verdadeiro problema que compromete o futuro do país e que pode mesmo levar a uma regressão no sucesso que tem sido a aposta na escolarização: para quê estudar, se o destino de muitos licenciados e mestres será o serviço à mesa ou a caixa do hipermercado?…
Muitos dados e números se têm esgrimido desde o início da pandemia, mas raras vezes a realidade foi exposta com tanta clareza como neste gráfico que tem estado a ser amplamente partilhado e comentado no Twitter.
Pegando nos números oficiais recolhidos da plataforma Our World In Data apresentam-se em duas colunas as percentagens de vacinação e o número de mortes por milhão da habitantes nos diversos países europeus.
A correlação é evidente: no terço superior do gráfico, países renitentes à vacinação que continuam a registar elevadas mortalidades associadas à covid-19. No terço inferior, países com altas taxas de vacinação e número residual de mortos por covid. Estatisticamente, demonstra-se que a vacinação em massa não extingue a doença, mas reduz drasticamente os casos de doença grave ou fatal.
Naturalmente que em processos desta complexidade outros factores influem, como a manutenção ou não de medidas de prevenção e distanciamento, a eficácia da resposta dos serviços de saúde, a maior ou menor fiabilidade do processo de recolha e registo dos dados estatísticos. Os raros países que parecem desafiar a tendência geral serão, neste contexto, as excepções que confirmam a regra.
O estudo, que pode ser consultado no site do POCH, é até bastante extenso e complexo. Mas quando o objectivo destas análises, por mais aprofundadas e quantificadas que sejam, é mais o de justificar o dinheiro gasto e os novos investimentos a fazer no ensino profissional do que o de compreender a realidade, há sempre uma ou outra pergunta que fica por responder.
E surgem, é claro, as verdades de La Palisse: pois se o objectivo dos cursos profissionais é qualificar para o exercício de profissões com algum nível de especialização, é natural que estes estudantes, que ainda por cima são à partida os menos motivados para continuar a estudar, consigam emprego mais rapidamente do que os colegas que enveredaram pelos cursos científico-humanísticos. Interessaria saber, e isso o estudo não esclarece, a percentagem de jovens oriundos dos cursos profissionais que vai trabalhar na área em que se formou. Estes dados seriam cruciais para se perceber, por exemplo, se a formação que está a ser dada responde às necessidades dos jovens e das empresas ou se, pelo contrário, aqueles acabam por ser absorvidos pelo mercado de trabalho indiferenciado em sectores como o turismo, os serviços não especializados ou a grande distribuição. Os dados disponíveis parecem apontar nesta última direcção: quando se compara a inserção no mercado de trabalho, ao longo da última década, nota-se que há cada vez menos “técnicos” e cada vez mais “indiferenciados” a ingressar no mercado de trabalho com um diploma do ensino profissional.
Esta realidade também justifica, por sua vez, que haja cada vez mais estudantes dos cursos profissionais a ingressar no ensino superior, quase sempre em politécnicos. Continua a existir a noção de que os melhores empregos, mais bem remunerados ou desafiantes profissionalmente, estão destinados a quem tem estudos superiores. Mas esta é, em tempos de massificação do ensino superior, uma ideia enganadora. O acesso à profissão, o ordenado ou o vínculo profissional que se consegue dependem cada vez mais das leis da oferta e da procura: o técnico especializado numa área carente de profissionais consegue facilmente melhores condições laborais do que o licenciado ou o mestre numa área onde os candidatos são muitos e as ofertas de emprego escassas ou inexistentes.
Outro ponto que tende a ficar por teorizações abstractas e “percepções” é determinar se há efectiva exigência ao nível formativo nos cursos profissionais, demasiadas vezes acusados de facilitistas. O sucesso educativo que, pelo menos a nível estatístico, é evidente, traduz-se em qualidade das aprendizagens, sobretudo no âmbito das competências que hoje tanto se valorizam? Ou mede-se, sobretudo, pela capacidade de captar de fundos europeus e de manter os jovens mais tempo na escola, ajudando o país a fazer boa figura em matéria de abandono escolar precoce? Creio que não haverá uma resposta única nem definitiva a estas questões. Analisando caso a caso encontraremos por certo realidades muito distintas, consoante as escolas e os públicos escolares, os recursos disponíveis ou as parcerias possíveis de estabelecer localmente. Um levantamento de tudo isto está em grande medida está por fazer. Mas só ele nos daria a radiografia completa do estado deste importante subsector do sistema educativo.