O estado da Educação

Cumpriu-se hoje, a destempo, um dos rituais do ciclo político da Educação portuguesa: a publicação, com a devida pompa e circunstância, do relatório do CNE sobre o que consideram ser o “Estado da Educação”. A destempo, porque costuma surgir no final do ano seguinte àquele a que se reporta. Mas este, em vez de aparecer em Novembro ou Dezembro de 2023, surge agora, no final de Fevereiro de 2024. Que se terá passado? Serão efeitos à la longue de uma pandemia com as costas largas? Algum dos colaboradores-opinadores que se atrasou com a prosa encomendada? As estatísticas demoraram a sair do forno? Não sabemos, e os doutores também não sentiram a necessidade de explicar o atraso.

Quanto aos pontos em destaque, o que mais se evidencia é a sanha com que o relatório do CNE se atira ao 2.º ciclo do ensino básico, cuja integração num primeiro ciclo longo, de seis anos, propõe insistentemente. A ideia não é nova – já em 2018 Brederode Santos viera com a mesma conversa – mas não deixa de ser curioso que já não se ande a bramar contra a “cultura de retenção” ou o abstencionismo docente nem a erguer bandeiras pela “inclusão” ou a “avaliação pedagógica”. Agora, o “enclave” formado por um ciclo alegadamente sem identidade própria, ao arrepio do que é a organização escolar na generalidade dos países, tornou-se o grande problema do sistema educativo português, a precisar de debate e resolução urgentes…

No relatório, o Conselho Nacional de Educação identifica o segundo ciclo como um enclave que é preciso eliminar, transformando o primeiro ciclo do ensino básico num ciclo de seis anos, à semelhança do que já acontece noutros países europeus.

À Renascença, Domingos Fernandes defende que esta é uma transição que não se justifica e admite avançar com uma recomendação neste sentido ao governo que sair das eleições legislativas de 10 de março.

“Temos todos os dados que nos indicam que o segundo ciclo não faz sentido. Não há qualquer justificação para que os meninos e as meninas tenham uma transição desta dimensão do 4.º ano para o 5.º ano. Quer dizer, as crianças têm um professor e depois passam a ter 13 ou 12 professores. É uma transição que não se vê em nenhum país da Europa”, defende.

O relatório caracteriza ainda uma realidade dramática: a classe docente está a envelhecer a um ritmo vertiginoso e já mais de metade dos professores apresenta 50 ou mais anos de idade. Destes, quase 30% tem mais de 60 anos, ou seja, mais de 35 mil professores estão próximos da idade de aposentação.

Este execrável hábito dos decisores políticos, bastante notória na área do PS, de falsear e exagerar a realidade para abrir terreno à implantação das suas políticas descredibiliza-os sempre perante os professores no terreno. Na verdade, nem o 1.º ciclo é monodocência pura – a partir do 3.º ano há o Inglês obrigatório, existem docentes ou técnicos especializados a trabalhar nas AEC, há docentes de apoio educativo e, opcionalmente, de EMRC – nem o 2.º ciclo tem tantas disciplinas como o número de docentes que o presidente do CNE alega. E é até muito frequente, quando é possível e se vislumbram vantagens pedagógicas, o mesmo professor leccionar mais do que uma disciplina, pois está habilitado para tal: o professor de HGP ou Inglês dar as aulas de Português, ou disciplinas como Matemática e Ciências ou Educação Visual e Tecnológica, serem leccionadas pelo mesmo docente.

Quanto ao imenso choque que esta transição de ciclo alegadamente causará aos alunos, isso cai mais no domínio da análise subjectiva de estados de alma do que na realidade demonstrável: se formos analisar dados de insucesso escolar verificamos que este tende a ser mais elevado na transição do 2.º para o 3.º ano ou do 7.º para o 8.º do que aquele que se regista no 5.º ano.

Ainda assim, não custa admitir a existência de vantagens pedagógicas numa maior articulação entre os dois primeiros ciclos do básico, com ou sem fusão num único ciclo, eventualmente possibilitando uma evolução mais gradual da monodocência para a pluridocência. O que incomoda é sentir que estes apelos têm mais motivações políticas ou administrativas do que pedagógicas. Ou que estará mais em causa resolver problemas muito específicos, como o sobredimensionamento dos centros escolares que andaram a ser construídos ao desbarato nas últimas décadas, mantendo por lá os alunos mais dois anos.

Relativamente aos outros níveis de ensino, é de notar o contorcionismo que é feito para lamentar que menos de 40% dos jovens optem pelos cursos profissionais no secundário, preferindo os gerais, orientados para o prosseguimento de estudos, quando logo a seguir se defende o aumento da escolarização superior, sendo que presentemente a maioria dos estudantes que terminam o 12.º ano já segue para a frequência de cursos superiores.

Noutra linha, não deixa de ter a sua piada o dramatismo que é feito em torno do envelhecimento da classe docente, apresentado como se fosse uma realidade súbita e imprevisível. Quando bastaria – e foi feito inúmeras vezes, até pelos serviços ministeriais – olhar a estrutura etária da classe docente para perceber o que aconteceria inevitavelmente se não fossem tomadas, em devido tempo, medidas para rejuvenescer a profissão.

No resto, o documento, extenso e palavroso, ergue-se como uma muralha em torno das políticas educativas dos últimos oito anos, enaltecendo-as e justificando-as com escasso pudor e quase total ausência de sentido crítico. Numa primeira leitura, são as constantes referências ao PASEO e às aprendizagens essenciais, autonomias, flexibilidades e inclusões que se destacam, escamoteando a realidade insofismável: os alunos aprendem menos, o sistema educativo resvala num clima de facilitismo e condescendência que só não é evidente ao nível dos resultados porque também aí as “medidas de suporte” fazem o seu trabalho. Perante o descalabro, questionar as políticas que conduziram ao desastre e equacionar alternativas era o que deveria estar no centro das preocupações de um órgão supostamente crítico e reflexivo das políticas educativas. Mas que, povoado de boys and girls socialistas, continua a comportar-se como a câmara corporativa do situacionismo educativo.

Abandono escolar a aumentar

Ministério da Educação refuta o agravamento do abandono escolar precoce em Portugal para 8% em 2023, calculado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), alegando que “2021 e 2022 foram anos atípicos tanto no abandono escolar como nas taxas de sucesso” devido à pandemia, e assim os dados desses anos não devem ser usados para comparar com os mais recentes, avança esta quarta-feira o Público (acesso condicionado).

No entanto, em resposta ao Público, o órgão de estatística contradisse o Ministério, referindo que “a série de dados disponibilizada sobre o indicador em apreço é comparável no período de 2011 a 2023”, incluindo “a recente revisão efetuada pelo INE, na sequência dos resultados da análise do impacto da suspensão do modo de recolha durante o período pandémico Covid-19”. Importa salientar que o indicador apresentava uma tendência de gradual diminuição de abandono escolar precoce em Portugal desde 2017, tendência quebrada pelos últimos dados divulgados.

A pequena polémica em torno dos números do abandono escolar seria, em si mesma, pouco relevante, não fosse erguer-se em torno de uma bandeira política – conseguir que, tendencialmente, nenhum jovem termine a escolaridade sem ter, no mínimo, um diploma de estudos secundários – pelo que o ministério de João Costa sentiu a necessidade, ainda para mais em período eleitoral, de corrigir a estatística do INE. Ou de, como se dirá em bom português, de ensinar a missa ao vigário.

Evolução da taxa de abandono escolar em Portugal, 2011-2023 (Fonte: Pordata)

Numa polémica com pouco interesse há dois pontos, apesar de tudo, relevantes. Primeiro, a demonstração de que até os números mais rigorosos podem ser relativizados: conforme se considerem ou não os anos da pandemia (e 2022 dificilmente se pode entender como tal), assim teremos uma tendência crescente ou decrescente do abandono escolar em 2023. Devidamente torturados, já dizia o outro, os números confessam tudo o que quisermos…

Segundo, a partir das escolas, que andam há décadas a ser pressionadas para melhorar as estatísticas do sucesso educativo, não deixa de ser curioso ver o ministério a provar a sua própria receita. É um absurdo, e nunca será demais dizê-lo, definir indicadores de sucesso em termos percentuais e apostar na sua melhoria permanente. Pela simples razão de que quando se chega aos 100%, ou lá muito perto, deixa de haver margem para melhorar. E qualquer descida pontual, ainda que inteiramente justificável, tende a ser vista como incontornável “derrota”.

Nas escolas, já se vai percebendo que, mais do que batalhar contra números que cada vez significam menos, há que prestar atenção à qualidade das aprendizagens e aos ganhos efectivos da escolarização universal. A quem interessam números que nos dizem que os alunos passam cada vez mais anos na escola se, em contrapartida, aprendem cada vez menos? Infelizmente, no ministério parecem continuar obcecados com vitórias estatísticas, em vez de se preocuparem com as necessidades das pessoas.

Copo meio cheio, ou meio vazio?

Os salários dos professores portugueses do ensino secundário encolheram 1% em termos reais entre 2015 e 2022, o que contrasta com um aumento de 4% nos vencimentos dos docentes dos países da OCDE. Ainda assim, os professores ganham mais 42% do que a média dos restantes trabalhadores com ensino superior em Portugal.

Os estudos anuais da OCDE sobre os sistemas educativos dão sempre pano para mangas: a quantidade de dados permite uma diversidade de leituras.

Os professores portugueses têm vindo a perder poder de compra com a estagnação das carreiras e os aumentos salariais inferiores à inflação. No entanto, o envelhecimento da classe faz com que cada vez mais professores se concentrem nos escalões superiores da carreira, onde os salários são comparativamente mais elevados.

Os professores ganham mal, mas a generalidade dos trabalhadores com formação superior é mal paga em Portugal, sendo que a maioria ganha ainda comparativamente menos do que os professores. Resultado de se ter investido mais, apesar de tudo, no aumento das qualificações académicas, do que no desenvolvimento económico que permitiria tirar partido dessa geração dita a mais qualificada de sempre.

Nada disto é novo, e os estudos estatísticos mais não fazem do que, ano após ano, confirmar a persistência de uma realidade que bem conhecemos. E políticas para mudar isto?…

MPD: saíram as colocações

Como habitualmente, a DGAE acompanhou a divulgação dos resultados às escolas e aos interessados de uma nota informativa dirigida ao público em geral.

Novidades, nenhumas. Segue-se a tendência iniciada no ano anterior com as mudanças no regime legal da MPD que transformaram esta mobilidade especial num concurso dependente de vagas, com tudo o que isso implica: menos docentes a concorrer, porque entretanto as condições de elegibilidade também se alteraram, e menos colocações, pois além das vagas serem limitadas, nem sempre surgem nas escolas ou localidades que interessariam aos candidatos.

O resto, é a evidência de que se continua a trabalhar com base em remedeios, sem respostas estruturais ao problemas de fundo que subsistem no recrutamento, colocação e mobilidade docente. Como se comprova pelos dados divulgados pelo ME, o grosso dos candidatos continua a situar-se no norte e no centro do país, enquanto a maioria das vagas por preencher surgem na Grande Lisboa e na vasta região sul.

Falta ainda saber se, a exemplo de anos anteriores, ainda virá o ministro ameaçar, um dia destes, com juntas médicas para averiguar quantos falsos doentes haverá entre os agora colocados. Ou se preferirá, tendo em conta a agitação dos últimos tempos, resguardar-se um pouco da revolta dos professores…

População escolar a aumentar (pouco)

Do ensino pré-escolar ao secundário, a educação ganhou mais de 15 mil alunos num ano em Portugal. É a primeira vez que se regista uma subida de alunos em mais de uma década. No ano lectivo de 2021/ 2022, estavam inscritos 1.586.230 estudantes no país. Devido sobretudo à quebra da natalidade, a tendência era de queda no número de alunos já desde 2008/2009 (quando mais de dois milhões de alunos estavam inscritos). De acordo com os dados preliminares publicados no site da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) consultados pelo PÚBLICO, o aumento aconteceu sobretudo no pré-escolar, que somou quase oito mil crianças a mais.

Um aumento muito modesto, este que o Público e os dados estatísticos preliminares da DGEEC referenciam: representa um acréscimo de apenas 1% de novos alunos num universo ligeiramente superior ao milhão e meio de crianças e adolescentes.

A principal explicação para este aumento é o alargamento da frequência da educação pré-escolar, fenómeno que deve ser visto em conjugação com a inversão do declínio demográfico vivido nos tempos da troika. Entre 2015 e 2019 houve uma modesta inversão da tendência de redução do número de nascimentos, interrompida em 2020 com a chegada da pandemia. E são estas crianças que estão agora a chegar ao sistema educativo, os mais novos aos infantários e os restantes às escolas do primeiro ciclo.

Embora os dados divulgados não sejam esclarecedores, outro factor que estará certamente a contribuir para o aumento das matrículas é a imigração: de norte a sul, continua a crescer o número de alunos estrangeiros nas escolas portuguesas. Uma realidade que não é nova, mas para a qual a maioria das escolas se continua a debater com a falta de recursos para dar uma resposta educativa adequada, sobretudo tratando-se de crianças ou jovens que não dominam a língua portuguesa.

Este desafio, a que nas escolas se tenta responder da melhor forma, deveria envolver mais empenhadamente o ministério, nomeadamente fornecendo, ou facilitando a obtenção, dos meios humanos, materiais e financeiros necessários para apoiar os novos alunos que chegam. Não basta ter uma direcção-geral só para fazer estudos, estatísticas e instrumentos de planeamento: é preciso mobilizar o conhecimento adquirido, antecipar os problemas e as necessidades futuras, construir soluções a tempo e horas, em vez de continuar a correr atrás do prejuízo com medidas casuísticas e decisões tomadas em cima do joelho. A burocracia não deve ser um fim em si mesma, mas estar ao serviço das pessoas e do bom funcionamento das organizações.

Professor, uma profissão envelhecida

Já há muito se sabia; os últimos dados dos Censos 2021 sobre população e emprego, hoje divulgados, vieram confirmá-lo: em matéria de envelhecimento, a profissão docente destaca-se num país, ele também, envelhecido.

Uma realidade que, contudo, poderá já ter começado a mudar. O ritmo das aposentações entre os professores deverá intensificar-se ao longo da próxima década: é o render da guarda de uma numerosa geração de docentes, chegados à profissão nos anos 80, época de massificação do ensino e alargamento da escolaridade obrigatória.

No quadro mais geral, uma tendência persiste, e irá provavelmente aprofundar-se: são as profissões com maior componente intelectual, científica e tecnológica, a par dos trabalhadores não qualificados, as que mais crescem em número de trabalhadores empregados. O que, bem vistas as coisas, não é surpreendente: são, afinal de contas, as profissões mais difíceis de substituir por computadores, robôs ou sistemas de inteligência artificial.

A idade média da população empregada situava-se nos 44,2 anos, nos Censos 2021, o que representou um acréscimo de 2,8 anos face a 2011, encontrando-se os professores nos grupos profissionais mais envelhecidos, com uma idade média de 48,7 anos

O Instituto Nacional de Estatística (INE) destacou hoje o subgrupo “professor dos ensinos básico (2.º e 3.º ciclos) e secundário”, com uma média etária de 50,2 anos”, ao divulgar um conjunto de dados sobre as profissões e a escolaridade da população, com base nos resultados definitivos do XVI Recenseamento Geral da População e VI Recenseamento Geral da Habitação – Censos 2021.

“Na última década, paralelamente ao reforço da escolaridade da população assistiu-se ao crescimento do grupo profissional com maior qualificação — “especialistas das atividades intelectuais e científicas” — e, simultaneamente, aquele que requer menos estudos — “trabalhadores não qualificados”, lê-se no Destaque do INE publicado hoje.

As profissões relacionadas com as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) “viram o seu peso reforçado”, com destaque para “diretores dos serviços das Tecnologias da Informação e Comunicação” (132,3%), “analistas e programadores, de software, web e de aplicações” (112,1%) e “especialistas em base de dados e redes” (134,7%), em que a população empregada mais do que duplicou.

Continuar a ler…

PIRLS 2021 – os resultados

O PIRLS constitui um exercício de avaliação da Literacia de Leitura realizado no final do 4º ano de escolaridade, sendo aplicado internacionalmente em dezenas de países, de 5 em 5 anos. Foi criado em 2001, tendo Portugal participado nas edições de 2011, 2016 e 2021.

Em 2021, este exercício transitou para o formato digital, mantendo, contudo, uma amostra em formato papel (bridge). Neste sentido, Portugal atinge uma pontuação de 531 nas provas em formato papel – ou seja mais 3 pontos que os registados em 2016 nesse formato (528). Nas provas em formato digital, realizadas pela primeira vez, Portugal obtém 520 pontos.

Assim, inverte-se em 2021 a quebra (menos 13 pontos) registada entre 2011 e 2016, nas provas em formato papel.

A diferença observada, em 2021, entre as provas em formato papel e as provas em formato digital (11 pontos), deve ser analisada no seu contexto. De facto, as provas digitais do PIRLS de 2021 correspondem mais propriamente à transposição de uma prova concebida em papel para o formato digital» do que a provas concebidas, de início, em formato digital» e para ambiente digital.

Não havia necessidade, num comunicado do Governo, de explicação tão enviesada para tentar explicar a descida dos resultados dos alunos portugueses no teste PIRLS. Mas o espírito retorcido e manipulatório é forte nesta gente, e continuam convictos de que a verdade incómoda pode sempre ser substituída pela mentira conveniente, desde que a narrativa consiga convencer.

A verdade é que o relatório oficial PIRLS 2021 não distingue entre resultados de provas digitais e provas em papel, consideradas equivalentes. Cada país participante decidiu se pretendia aplicar ou não as provas em formato digital, e se o governo português fez essa opção e não acautelou as condições técnicas para a sua realização, então só tem de assumir a sua (ir)responsabilidade – algo que, sabemos bem, não lhes está propriamente na massa do sangue. De resto, é falsa a alegação de que as provas digitais do PIRLS sejam uma versão atamancada das provas em papel, como aqui se explica muito bem. Ou como o demonstram os alunos de Singapura, que melhoraram os resultados apesar da transição digital.

É que, como diria o outro, nem havia necessidade. O desempenho dos alunos na literacia da leitura caiu na maioria dos países relativamente aos resultados de 2016 e a razão principal foi, obviamente, a pandemia, com os confinamentos, o encerramento de escolas e os constrangimentos que isso trouxe ao desenvolvimento das competências de leitura e de outras aprendizagens. Note-se no entanto que a tendência descendente vinha de trás: já tinha havido uma descida de 2011 para 2016, o que compromete o ministério de Nuno Crato. Pelo que a tentação de inflacionar, fosse de que maneira fosse, os resultados de 2021, ter-se-á tornado irresistível para a máquina de spin e propaganda em que este governo, à falta de melhores realizações, continua a investir. Veja-se o ridículo de tudo isto comparando o gráfico extraído da publicação oficial com o gráfico apresentado pelo governo português.

O relatório global do PIRLS 2021 não apresenta grandes novidades. Reflecte um período atípico, com a pandemia a condicionar o calendário de realização das provas e o tratamento de resultados. A transição digital traz a dificuldade acrescida de passar do papel para o novo modelo de provas digitais sem comprometer a fiabilidade das séries estatísticas.

O topo do ranking continua a ser dominado por Singapura e outros países asiáticos, incluindo a Federação Russa.

Portugal mantém-se no meio da tabela, emparceirando com países próximos, geográfica e culturalmente: Espanha, França, Alemanha, Países Baixos.

Em todos os países, o desempenho médio das raparigas é superior ao dos rapazes. Portugal até está entre os países onde essa diferença é menos significativa, ao contrário do que sucede na África do Sul e nalguns países muçulmanos.

No resto, o PIRLS confirma o que há muito sabemos: as crianças de famílias mais escolarizadas, com maior poder económico e livros em casa têm em média maior literacia do que as menos favorecidas económica e socialmente. A frequência da educação pré-escolar e de uma escola com os recursos necessários também favorece o desenvolvimento precoce das competências associadas à leitura.

Ainda assim, há resultados aparentemente paradoxais. No caso português, os alunos que afirmam não gostar de ler têm melhores resultados médios do que os que gostam e dos assim-assim. O que comprova que as competências ao nível da leitura não se adquirem apenas lendo: é preciso que as leituras sejam significativas e que os leitores retenham e apliquem algo do que lêem para que aquelas se desenvolvam. Ou seja, embora gostar de ler facilite as coisas, pode ser-se um bom leitor mesmo não gostando de ler; tal como se pode ser um mau leitor, passando horas a ler idiotices das quais não extraímos qualquer conhecimento.

Para aprofundar estas e outras questões, recomenda-se a consulta do relatório PIRLS 2021 (em inglês).

Pensamento do dia

Com escolaridade obrigatória até aos 18 anos, o abandono escolar precoce diminui drasticamente.

Se proibirmos as retenções, as estatísticas do insucesso desaparecem.

Se lhes justificarmos as faltas, o absentismo escolar deixa de existir.

Sigam-me para mais dicas sobre inovação educativa.

Inspiração daqui.

A construção do sucesso

Em todo o mundo, os anos dos confinamentos impostos pela pandemia da covid-19 traduziram-se em aprendizagens perdidas pelos alunos, agravamento das assimetrias no acesso á Educação e na obtenção de sucesso escolar e défices não apenas ao nível dos saberes académicos mas também ao nível psicossocial.

Em todo o mundo? Não é bem assim. Num pequeno país do sudoeste europeu, com governo que investe mais em boa comunicação do que em boa governança e um ministério da Educação onde sobra em lábia o que falta em vergonha, conseguiu-se a proeza de demonstrar, através de um relatório das provas de aferição, que os resultados dos alunos são em 2022, ao fim de dois anos de pandemia, melhores do que os que se obtinham antes dos confinamentos forçados e do remedeio do ensino à distância.

Leia-se o relatório do IAVE, que contado nem todos acreditam…

De uma forma geral, as informações recolhidas indiciam, de um ponto de vista global, um desempenho dos alunos nas provas de aferição de 2022 ligeiramente superior em comparação com os resultados obtidos nas provas de aferição de 2019.

Educação Inclusiva 2020/21 – o relatório

No ano letivo 2020/2021, nas escolas públicas da rede do Ministério da Educação, existiam 78.268 crianças inscritas na educação pré-escolar e alunos matriculados nos ensinos básico ou secundário para os quais foram mobilizadas medidas seletivas e/ou adicionais de apoio à aprendizagem e à inclusão, no âmbito dos respetivos Relatórios Técnico-Pedagógicos (RTP).
Dessas 78.268 crianças/alunos, 3.474 (4,4%) estavam inscritas na educação pré-escolar; 22.522 (28,8%), 16.169 (20,7%) e 24.941 (31,9%) estavam, respetivamente, matriculados nos 1.º, 2.º e 3.º ciclos do ensino básico; e 11.162 (14,3%) estavam matriculados no ensino secundário (figura 1).

O relatório publicado pela DGEEC monitoriza a aplicação do regime de educação inclusiva previsto no decreto-lei 54/2018. Dos dados estatísticos apresentados, alguns dados significativos:

  • De um total de 78.268 Relatórios Técnico-Pedagógicos (RTP) elaborados nas escolas públicas durante o ano letivo 2020/2021, 95% integram medidas seletivas e 21% contêm medidas adicionais de suporte à aprendizagem e à inclusão;
  • 9,4% dos alunos do 2.º CEB têm RTP, o valor mais elevado entre os ciclos de ensino, embora a abrangência esteja a aumentar no 1.º CEB (7,4%) e até na educação pré-escolar (2,7%);
  • À medida que progridem na escolaridade, a tendência é que um número crescente de alunos com RTP passe com a turma a que pertence menos de 60% do tempo curricular.

Em suma: pelo menos no papel, a inclusão funciona. A grande maioria dos alunos abrangidos pelas medidas de apoio continua a ter a maioria das aulas com a sua turma – o que, diga-se de passagem, já antes acontecia – e, aparentemente, têm sucesso: as taxas de retenção são praticamente idênticas às do conjunto da população escolar. Se este sucesso é real ou obtido à custa de “adequações” facilitistas, esse é um tema-tabu que os serviços ministeriais não se atreverão a enfrentar. Ficamos também a saber que existem bastantes apoios especializados, sobretudo de psicólogos e terapeutas; resta esclarecer se os 50 minutos semanais chegam para o trabalho em profundidade que seria necessário desenvolver nalguns casos mais complicados.

Para mais informações, consultar o relatório-síntese no site da DGEEC.