Já pouco do que se vai dizendo e escrevendo sobre Educação desperta interesse: é um facto que todos constatamos, e não é por falta de assuntos pertinentes ou problemas prementes a resolver. A realidade é que o sector está em crise há muito tempo, os diagnósticos estão feitos, mas nada de essencial muda ou se resolve. Pelo contrário: insiste-se no erro e sucedem-se as asneiras.
Os professores, frustrados nas suas expectativas profissionais, estão cansados de denunciar o excesso de trabalho inútil, a burocracia galopante, as turmas numerosas, os programas e currículos insensatos, a indisciplina, o centralismo ministerial temperado por uma “autonomia das escolas” que apenas serve, na prática, para reforçar o poder discricionário dos directores. Resultados? Nenhuns. Foi preciso faltarem professores e ficarem as turmas sem aulas durante meses a fio para que os governantes, a imprensa, os pais e o país percebessem que talvez não sejam só “interesses corporativos” que têm levado os professores a alertar para os problemas e a denunciar o que está mal.
Por todas estas razões, achei interessante e merecedor de alcançar um público mais vasto do que os leitores habituais dos temas educativos o artigo de André Castro Soares no Público. Antropólogo de formação, uma pausa no seu doutoramento levou-o a experimentar a docência numa escola da Grande Lisboa. E a escrever sobre a sua experiência. Ora este olhar da escola por dentro, por parte de alguém vindo de fora, confirma o que há muito é evidente para quem cá anda há mais tempo: a uma profissão já por natureza exigente, não haveria necessidade de juntar tanta burocracia inútil e desgastante. Muito menos menorizar e desprezar os professores que mantêm as escolas a funcionar.
A escola pública está sob ataque, está dividida, desmotivada e sem energia. Os anos de neoliberalismo dos sucessivos governos colocaram a educação num atordoamento tal que só as analogias da guerra e dos bombardeamentos de uma cidade descrevem, infelizmente, o que se está a passar. Os alunos e alunas estão sem professores durante meses e os professores e professoras que concorrem desistem, pois não conseguem lidar com tamanhas requisições. Uma energia que é sugada, não apenas pela aula e sala onde a ligação entre aprendizes e pedagogos acontece, mas pela teia burocrática a que estão votados.
Quando cheguei à Gama Barros e me apresentei, fui dar aulas de língua portuguesa a turmas de 5.º ano (quatro turmas) e uma direcção de turma de 6.º ano, onde tive de leccionar História e Geografia de Portugal e as essenciais aulas de Cidadania e Desenvolvimento. Não basta preparar as aulas e transmitir e discutir os conhecimentos, processo necessariamente colectivo e de diálogo. Tive de aprender a mexer nas plataformas digitais onde se reproduzem tarefas que são replicadas em papel. Muito papel, os papéis, que fazem lembrar a rábula dos Gato Fedorento.
Para além disso, os encarregados de educação, 28 pessoas responsáveis pelo acompanhamento dos alunos e alunas da direcção de turma, também eles 28 seres especiais e únicos, com desejos, angústias, questões, emoções. O pós-pandemia colocou os alunos mais novos em momentos de ansiedade e questionamento que a escola pública não tem possibilidade de acomodar. Precisamos de dar matéria, precisamos de entender as dificuldades de cada um e de cada uma. Em menos de uma semana, vi-me na vida de mais de uma centena de crianças, o futuro do nosso país. Em paralelo, lidar com uma máquina tenebrosa de leis e decretos, de relatórios, credenciais e passwords, emails, reuniões e mais reuniões, a avaliação e os PIMUS (Planos de Implementação de Medidas Universais), mais as adaptações curriculares aos alunos com necessidades específicas… Para tudo a escola pública é convocada sem que o Ministério da Educação entenda que os valores salariais e as carreiras não compensam de todo o esforço e performance a que estão votados os professores e professoras neste país.
A sala de professores da escola onde fui professor por uns meses tem uma média de idades acima dos 50 anos. As jovens e os jovens professores são tão poucos que acabamos por ter uma ligação imediata. Para partilhar a estupefacção, mas também para escutarmos os relatos dos professores mais velhos a braços com uma impotência de uma máquina construída para colocar docentes e discentes como meras roldanas numa máquina de números capaz de dar os resultados que mantenham Bruxelas de que tudo vai bem na educação em Portugal.
Lamento o desabafo, mas não vai tudo bem. Se nada for feito, se não voltarem a escutar aqueles e aquelas que estão há anos a construir gerações e gerações de cidadãos e cidadãs sérias, empresários inovadores, cientistas sagazes, matemáticos e operários e trabalhadores competitivos, o nosso país não tem futuro. E o futuro da nossa economia e sociedade joga-se na escola pública, da qual sou filho, com muito orgulho.
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