Importa-se de repetir?…

Dizem-me que isto se ensina no secundário, na disciplina de Português, que é comum a todos os cursos, e não apenas para futuros linguistas ou estudantes de Letras. E eu, que sempre me senti capaz de ler, falar, escrever, ouvir e interpretar razoavelmente a língua portuguesa sem necessidade de dar atenções exageradas à gramática, interrogo-me para o que é que isto serve. Mais: quantos reais ou potenciais leitores é que estas práticas (pouco) pedagógicas estarão a afastar do prazer da leitura?

Será que o condutor de um automóvel também precisa de saber os nomes e as posições de todas as peças e parafusos que estão debaixo do capot para conseguir levar o veículo do ponto A ao ponto B? O utilizador comum do computador ou telemóvel distingue os diferentes circuitos, memórias e processadores que existem no interior do aparelho?…

É inevitável a comparação com outra disciplina “estruturante” do currículo, a Matemática, na qual têm imperado ultimamente as teorias em torno do carácter utilitário da “Matemática para a vida”, menosprezando-se a importância do cálculo – para isso temos as calculadoras! – em favor do raciocínio. Nas línguas o percurso parece estar a ser feito ao contrário, com a gramática a ter um peso específico e a constituir até um domínio específico da avaliação.

Numa perspectiva inspirada pelas neurociências, parece estar-se perante um contra-senso. Sabemos que o uso correcto de uma língua se pode aprender naturalmente: os nossos cérebros estão preparados para o fazer; é assim aliás que os bebés aprendem a falar a língua materna. Já o pensamento matemático é algo que não vem “instalado de fábrica”: implica uma aprendizagem específica e o desenvolvimento dos mecanismos mentais específicos para o seu uso.

Da História, sabemos que povos antigos desenvolveram línguas gramaticalmente mais complexas do que a maioria das que usamos hoje, usando-as eficazmente sem sequer possuírem a escrita, muito menos disporem de professores linguistas, escolas ou universidades. E é aqui que a linguística se revela útil, deslindando as origens, a evolução e o funcionamento das línguas.

É possível fazer contas sem saber a tabuada, mas o processo torna-se mais lento pela falta de automatismo. Já o conhecimento explícito da língua, como decorar a lista das preposições ou dos advérbios ou identificar os elementos duma frase em vez de simplesmente usufruir da leitura, parece-me, salvo melhor opinião, perfeitamente dispensável quando o objectivo é ser capaz de falar e escrever correctamente, percebendo da mesma forma aquilo que outros dizem ou escrevem.

E os professores de Português, e das línguas em geral, o que têm a dizer de tudo isto?…

Tempo de serviço: a nova proposta do MECI

A proposta que foi hoje apresentada aos sindicatos regista alguns avanços em relação ao documento inicial, mas ainda não satisfaz os sindicatos nem será suficiente, por certo, para permitir o acordo dos sindicatos mais representativos da classe.

O Governo mantêm o prazo de 5 anos para a recuperação integral do tempo de serviço, mas admite que as primeiras tranches a devolver, em 2024 e 2025, possam corresponder cada uma a 25% do tempo total, e não 20% como proposto inicialmente.

Outro ponto positivo será o compromisso de não descontar, no total de dias a recuperar, o tempo devolvido no âmbito do acelerador de carreiras a quem esteve parado nas listas de progressão. Registe-se também a promessa de flexibilizar a obtenção dos requisitos para a progressão, permitindo que sejam apresentados posteriormente a Setembro, quando ocorrerá a primeira devolução. Mas tudo o resto mantêm-se, condicionando as futuras progressões, nomeadamente as quotas e as vagas no acesso ao 5.º e ao 7.º escalão. Sobre outro tipo de compensações para quem está perto da aposentação e pouco ou nada irá beneficiar da recuperação, também não há novidades.

O Governo aceitou devolver aos professores mais tempo de serviço na primeira fase do processo de recuperação, mas manteve o prazo de cinco anos da proposta inicial, segundo os primeiros sindicatos que se reuniram hoje com a tutela.

O Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) voltou hoje a receber hoje os sindicatos para continuar as negociações sobre a recuperação dos seis anos, seis meses e 23 dias de tempo de serviço dos professores com diferentes contrapropostas em cima da mesa.

À saída da reunião, os primeiros sindicatos ouvidos pela tutela relataram que o Governo apresentou uma nova proposta, que se aproxima de algumas reivindicações dos professores.

Em relação à proposta inicial, em que o Governo propunha devolver o tempo de serviço a uma média anual de 20%, o ministro Fernando Alexandre propôs hoje a devolução de 25% nos primeiros dois anos, de 20% em 2026 e de 15% em 2027 e 2028.

“É evidente que não concordamos ainda e vamos apresentar nova contraproposta para o próximo dia”, disse aos jornalistas o presidente do Sindicato Nacional dos Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades (Spliu).

A falar também em nome da Federação Portuguesa dos Profissionais de Educação, Ensino, Cultura e Investigação (Fepeci), do Sindicato Independente de Professores e Educadores (SIPE) e do Sindicato Nacional dos Professores Licenciados (SNPL), Manuel Monteiro acrescentou que os sindicatos mantêm algumas linhas vermelhas, relacionadas com a intenção de manter as vagas de acesso aos 5.º e 7.º escalões e de revogar o “acelerador” da progressão na carreira.

Sobre o decreto-lei aprovado pelo anterior executivo, que permite aos docentes afetados pelos dois períodos de congelamento da carreira recuperar o tempo em que ficaram a aguardar vaga para os 5.º e 7.º escalões, a presidente do SIPE acrescentou que o Ministério deixou algumas garantias.

“Todos aqueles colegas que foram recuperar tempo de serviço na paragem dos 4.º e 6.º escalões, esse tempo não vai ser subtraído ao descongelamento e isto é uma grande, grande vitória”, afirmou Júlia Azevedo.

Por outro lado, apesar de a devolução do tempo de serviço produzir efeitos em 01 de setembro, o ministro garantiu também, segundo a presidente do SIPE, que os professores que só reúnam formalmente os requisitos alguns meses mais tarde não serão prejudicados.

Proposta e contrapropostas

Quando são retomadas as negociações com o MECI tendo em vista a recuperação do tempo de serviço dos professores, recordem-se as linhas gerais da proposta ministerial:

  • Recuperação da totalidade do tempo à razão de 20% ao ano, entre 2024 e 2028;
  • Manutenção do regime de vagas e quotas nas progressões, bem como (subentende-se) das demais condições necessárias para progredir – créditos, ADD – o que pode redundar, na prática, em atrasos nas progressões, “roubando” parte do tempo de serviço recuperado;
  • Revogação do decreto-lei n.º 74/2023, sendo o tempo já devolvido ao abrigo do chamado “acelerador de carreiras” descontado no tempo de serviço a recuperar.

Sendo este um cenário inaceitável pela generalidade dos professores, os principais sindicatos e federações de professores têm vindo a apresentar, nos últimos dias, as suas contrapropostas negociais, pautadas, o que é de saudar, por uma notória convergência nos pontos de vista e nas reivindicações. Há consenso em pontos-chave como a recuperação faseada do tempo, sim, mas em 3 anos, não em 5. Exige-se que a devolução do tempo seja acompanhada de medidas excepcionais – mobilização de avaliações anteriores, dispensa de créditos de formação, não sujeição ao regime de quotas e vagas – que permitam que os professores recuperem efectivamente, nos prazos previstos, o tempo que lhes começou a ser roubado em 2005, já lá vão quase 20 anos! E, por último, não se confundam as coisas: o acelerador de carreiras e a devolução do tempo perdido nos congelamentos da carreira são realidades distintas que não se anulam nem se esgotam mutuamente!

Já aqui tinha sido publicada a contraproposta da Fenprof; ficam também as que os demais sindicatos e federações disponibilizaram publicamente:

Contraproposta da FNE

Contraproposta do SIPE

Contraproposta do SNPL

Contraproposta da Pró-Ordem

Videojogos: a cultura da violência

Portugal acordou há dias em choque com a notícia de um jovem português de 17 anos que mandava executar crimes e homicídios pela internet a uma rede de seguidores no Brasil e que planeava outro homicídio para breve. O mesmo país parece não estar ainda suficientemente indignado com as mais de 4 horas por dia que os seus adolescentes passam nos smartphones e redes sociais, em sites pornográficos ou em videojogos, alguns muito violentos, onde executar ou decapitar parecem atos tão neutros como beber água. De outro modo, provavelmente, os pais deixariam de oferecer smartphones aos filhos antes dos 13 anos (tal como fez Steve Jobs, o génio da Apple), exigiriam do Governo a proibição do seu uso nas escolas e censurariam tanto o consumo como a comercialização de videojogos violentos. E será que estariam a ser radicais ou apenas a tentar prevenir problemas de saúde mental e de desenvolvimento cognitivo dos seus filhos?

A excelente peça de Carla Aguiar analisa os problemas decorrentes da exposição precoce de crianças e adolescentes aos telemóveis e à internet, focando-se especialmente nos riscos dos jogos online que promovem a violência. É verdade que milhões de jovens em todo o mundo jogam, regular ou ocasionalmente, jogos onde a violência explícita está presente, sem que se tornem perigosos psicopatas ou serial killers. Sabendo-se que o entretenimento online foi concebido para criar comportamentos aditivos e que os jogos violentos surgiram no contexto do treino militar, para familiarizar os soldados com o conceito de matar sem hesitações nem remorsos, percebemos que, para mentes imaturas ou perturbadas, os jogos violentos podem ser extremamente prejudiciais.

Além do risco de desenvolver comportamentos anti-sociais – isolamento, falta de empatia, dificuldade em regular gerir emoções e frustrações, obter prazer do sofrimento alheio – os jogadores online ficam também expostos, através dos chats associados às plataformas de jogos, às más influências e manipulações de terceiros.

Combater a perniciosa e destrutiva influência dos jogos digitais entre os mais novos é à partida uma responsabilidade dos pais, da qual o resto da sociedade, e em particular a escola, não se pode alhear. Pelo que a questão da admissibilidade do uso de telemóveis na infância e pré-adolescência se vai colocando com cada vez mais acuidade. Começa a perceber-se que o uso pedagógico do telemóvel, pelo menos nas idades mais tenras, nunca será mais do que residual. E repentinamente, a “escola digital” ficou fora de moda: as escolas de referência são, agora, as que pura e simplesmente baniram o uso do telemóvel, colocando os alunos a interagir uns com os outros e com os adultos responsáveis em vez de andarem agarrados aos aparelhos.

Entre nós, sobretudo em relação à escola pública, coloca-se uma questão cada vez mais incontornável: devem ser decretadas normas mais restritivas em relação ao uso do telemóvel nos espaços escolares ou continuar a confiar, como até aqui, no “bom senso” e na “autonomia das escolas” para definirem localmente as regras mais adequadas? A experiência diz-nos que, quando há claras vantagens em uniformizar procedimentos, não o fazer irá apenas aprofundar as desigualdades educativas. Por cá, os colégios de elite já parecem ter percebido há muito, nesta matéria, o que melhor a fazer:

Começa a desenhar-se uma tendência europeia para banir os smartphones das escolas. O Reino Unido e a França anunciaram essa decisão, o mesmo acontecendo em algumas regiões de Espanha, tendo em conta as evidências de problemas de concentração, insucesso escolar, menos interação social e mais ansiedade associada ao uso frequente. Em Portugal, o Ministério da Educação tem preferido deixar o assunto ao critério das escolas, o que não garante condições de equidade aos alunos onde é possível estar conectado ou não. E o que a experiência mostra nas escolas proativas é que os alunos estão em clara vantagem, “com melhor foco e bem-estar”, atesta a co-fundadora da Mirabilis, Matilde Sobral.

Em Portugal, a decisão foi tomada essencialmente em colégios privados de elite como a Escola Alemã, que proíbe os telemóveis há cerca de 10 anos, o mesmo acontecendo com os colégios Mira Rio e Planalto. O Colégio São João de Brito é outro caso onde a Mirabilis já fez ações de sensibilização com pais e professores e vai agora dirigir-se aos alunos. Quanto a escolas públicas, há pelo menos duas, em Lousada e em Almeirim, que foram pela mesma opção.

Migalhas são para os pombos

Um grupo de Profissionais da Educação vai reunir-se em vigília à porta do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) no próximo domingo, dia 12, a partir das 21h. Professores e não professores vão ficar no local até ao dia seguinte, segunda-feira quando os sindicatos se voltam a sentar à mesa das negociações com o ministro Fernando Alexandre.

“No dia 12 de maio, os Profissionais da Educação vão ‘vigilar’ para que haja bom-senso e a razão impere nas negociações do dia 13 de maio… Retiraremos apenas após o terminus das negociações — cujo horário em que vão decorrer não foi ainda comunicado pelo MECI. As migalhas são para os pombos!”, lê-se no comunicado enviado ao Observador.

Por detrás da organização deste vigília não está qualquer sindicato, mas sim “vários colegas” do ensino que organizaram “especificamente esta iniciativa”, adianta um dos envolvidos ao Observador.

Na véspera de mais uma ronda negocial com os sindicatos, esta acampada frente ao MECI pode constituir um apoio de peso às reivindicações dos professores.

Perante um governo que já se percebeu estar a prazo e ainda a tactear terreno, construir desde já uma imagem de determinação na luta é fundamental para a causa dos professores. Movimentações dos professores nas ruas dão visibilidade ao seu descontentamento e destroem desde logo a narrativa, cara a todos os governos, de que os professores estão satisfeitos com o que o Governo lhes dá, os sindicatos é que não sei quê…

Um processo que, se os deixarmos, acaba sempre da mesma forma: com a distribuição de migalhas para apaziguar o descontentamento, enquanto as justas aspirações são eternamente adiadas. Ora migalhas, dizem os colegas organizadores deste evento e dizem muito bem, dão-se aos pombos!

Negociações podem complicar-se

As negociações entre Governo e sindicatos dos professores podem complicar-se. Vai ser revogado o chamado “acelerador de carreiras” e os sindicatos dizem que a decisão afeta 50 mil docentes.

Quando voltarem a estar sentados à mesma mesa, na segunda-feira, os sindicatos vão trazer já prontas e detalhadas as contrapropostas para apresentar ao Governo. A ideia é chegar a um acordo ainda este mês.

Apesar do otimismo declarado pelo ministro da Educação, Fernando Alexandre, o fumo branco pode ser mais difícil que o previsto, uma vez que os sindicatos vão tentar convencer o Governo de que a intenção de revogar o “acelerador de carreiras” dos professores, aprovado pelo anterior Executivo, pode ser prejudicial para os professores.

A intenção de revogar o Decreto-Lei n.º 74/2023 antes mesmo de que chegue a produzir efeitos para a maioria dos professores abrangidos é a medida mais gravosa prevista na proposta de entendimento com os sindicatos apresentada pelo Governo. Para já, veio inquinar o clima de aparente confiança e optimismo que se estava a instalar na relação com os sindicatos. E impedirá certamente qualquer acordo com os sindicatos mais representativos se o MECI quiser fazer disto um cavalo de batalha.

A proposta não faz sentido, essencialmente por duas razões: primeiro, porque o tempo recuperado ao abrigo deste decreto não é o dos congelamentos das carreiras mas sim os anos perdidos a aguardar vaga nas listas de progressão. Segundo, porque o decreto, aprovado ainda na vigência do anterior governo, pressupõe que a sua aplicação não prejudicará outras iniciativas futuras no sentido de fazer justiça aos professores na questão do tempo de serviço.

Na perspectiva governamental, a solução seria tentadora caso fosse aceite: devolveriam com uma mão tempo de serviço que retirariam com a outra, fazendo assim um suposto brilharete a custos mínimos. Esquecem-se, naturalmente, que se eles se iniciam agora nestas lides, do lado dos professores e dos seus sindicatos existe um pesado histórico de desilusões e promessas não cumpridas por parte de todos os partidos do arco da governação. Não se deixarão seduzir e enganar, espero, com um par de balelas…

Para a próxima ronda negocial, que se inicia na próxima segunda-feira, a Fenprof fez já o trabalho de casa: uma contraproposta negocial na qual rejeita a revogação do “acelerador”, defende a aceleração do processo de devolução faseada do tempo de serviço e propõe uma série de medidas para agilizar o processo, sem criar novas injustiças, como ultrapassagens ou novas barreiras à progressão.

Quantos professores têm apoio à renda?

Contam-se pelos dedos das duas mãos: dez, apenas.

Se a oferta de alojamentos ficou muito aquém das necessidades, o processo burocrático criado para a atribuição do benefício afastou ainda mais candidatos.

Conseguiram apenas apoiar a renda a dez professores deslocados, mas certamente terá havido muito mais do que dez decisores e burocratas a trabalhar na implementação da medida.

Trabalham bem!…

A medida de apoio ao pagamento de renda para professores deslocados a dar aulas nas regiões de Lisboa e do Algarve apenas chegou a dez docentes, de acordo com o jornal Público.

O objetivo da iniciativa que entrou em vigor no final do ano passado, com retroativos a contratos celebrados a partir de 1 de setembro do ano passado era apoiar até um máximo de 200 euros o pagamento da renda de professores deslocados, a mais de 70 quilómetros da residência nas duas regiões do país.

O Ministério da Educação, Ciência e Inovação referiu ao jornal que a Direção-Geral da Administração Escolar recebeu 49 candidaturas, tendo sido aprovadas até ao momento dez. “As restantes candidaturas foram consiederadas inválidas por não cumprirem os requisitos necessários”, indicou o Ministério.

Agressões a professores a aumentar

“Vivi um terror psicológico”: agressões a professores estão a aumentar

No ano passado, só a GNR registou 44 ocorrências e este ano já vai em 16. O Governo quer que passe a ser um crime público e com penas agravadas.

As agressões registadas tanto partem de alunos como dos pais e encarregados de educação, e o aumento das queixas pode indiciar duas coisas: que a escola, sobretudo em determinados contextos sócio-educativos, se está a tornar mais violenta, mas também que os professores agredidos não “se ficam”: querem que os agressores sejam punidos e que medidas sejam tomadas para que estes casos não se repitam, muito menos se normalizem. Mesmo assim, sabe-se que muitos casos, provavelmente a grande maioria, ficam por denunciar.

Há, na denúncia pública destes casos e na discussão que suscitam, um factor omnipresente e deveras preocupante: a resistência das direcções escolares e dos dirigentes ministeriais em falar dos assuntos. O que vai desde a recusa lacónica em “prestar declarações” às desculpas esfarrapadas que se inventam para minimizar as situações: foi um caso isolado, está a ser tratado internamente, decorre um inquérito que impede que se fale sobre o assunto… A verdade é que, regra geral, as sequelas físicas e psicológicas das agressões tendem a ser mais severas e duradouras do que os castigos aplicados aos agressores, nos casos em que isso chega efectivamente a acontecer.

Pela minha parte, só conheço uma forma de enfrentar os problemas que se pretende realmente resolver: uma política de verdade, que propicie a discussão aberta e sem preconceitos, que possa apontar caminhos e soluções. Esconder os problemas, fingindo que não existem, não é solução. Revolta-me e envergonha-me que partidos e pessoas de esquerda entreguem de bandeja as questões da segurança, na escola e noutros locais, à extrema-direita populista, xenófoba e securitária. Como se o direito a trabalhar em segurança, com respeito pela dignidade do trabalhador e pela sua integridade física e mental fosse um qualquer capricho pequeno-burguês e não um direito humano fundamental.

O anúncio de que o actual governo pretende finalmente consagrar em lei a tipificação de crime público para agressões a docentes e outros funcionários da administração pública pode ser um bom ponto de partida para estas questões começarem a ser discutidas com seriedade e de forma consequente. Estamos fartos de ouvir ministros apelando à paz e à boa convivência nas escolas sempre que há um episódio de violência, mas nada fazendo em concreto para que os professores sejam mais defendidos, valorizados e respeitados no exercício das suas funções. De ministros dessa laia, mais à esquerda ou mais à direita, já tivemos a nossa conta!

Grupos de Estudo: a luta dos professores na ditadura

Cinquenta anos depois da Revolução de Abril, com o regime democrático e a liberdade sindical consolidados, pode ser oportuno lembrar que, durante o Estado Novo, não era assim. Nalguns sectores profissionais existiam os chamados sindicatos nacionais, controlados pelas autoridades e integrados no sistema corporativo. Noutros, como era o caso dos professores, não existiam sindicatos nem autorização para os constituir.

Mas não nos deixemos enganar por uma imagem idílica que por vezes se constrói da profissão no antigamente: apesar de o corpo docente ser considerado um esteio do regime, devendo não só instruir os alunos mas também educá-los na moralidade e nos princípios ideológicos do Estado Novo, nem por isso a profissão era devidamente valorizada, sobretudo ao nível do então ensino primário. Os salários eram baixos e a precariedade laboral era enorme durante grande parte da carreira. Basta dizer que a grande maioria dos professores não tinham vínculo à função pública, sendo contratados no início do ano lectivo e dispensados quando este terminava. Em vez de um subsídio de férias, a recompensa ao fim de um ano de trabalho era o desemprego forçado durante os meses de Verão.

Foi para começar a discutir e, se possível, tentar contrariar este estado de coisas, que foram criados, no início dos anos 70, os Grupos de Estudo: sob a capa de discussões de natureza pedagógica e profissional, alguns grupos de professores organizaram-se naquilo que viriam a ser os embriões do sindicalismo docente estabelecido após o 25 de Abril. Numa leitura interessante e instrutiva, Agostinho Lopes recorda, nas páginas do Expresso, os tempos heróicos dos GEPDES.

A criação dos Grupos de Estudo dos Professores Eventuais e Provisórios ocorreu a 27 de Maio de 1970, numa reunião na Escola Preparatória Francisco de Arruda/Lisboa realizada com o objetivo de resolver os problemas dos professores provisórios do ensino preparatório e do ensino secundário (técnico e liceal). Refira-se que cerca de 80% dos professores portugueses eram provisórios (ou eventuais, na designação usada nos Liceus), o que implicava não ganharem nas férias, ou seja cerca de três meses. Mas a designação de Grupos de Estudo do Pessoal Docente do Ensino Secundário (GEPDES) só surge a 24 de Novembro de 1971. Depois, para englobar os professores do Ciclo Preparatório, a sigla passou a GEPDESP. A primeira reunião nacional realiza-se em Coimbra a 6 de Março de 1971, e a ordem de trabalhos é focada na redação de um abaixo-assinado a enviar ao Congresso do Ensino Liceal, que então se ia realizar, para que este se debruçasse sobre os problemas dos professores eventuais da classe docente. É este o arranque da mobilização nacional para os Grupos de Estudo. A partir daqui, e até à Revolução, os três eixos estruturantes fundamentais do Movimento foram, para além do pagamento nas férias a todos os professores eventuais ou provisórios, o Estatuto do Professor, a Associação dos Professores e a Formação de Professores – Estágios.

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Imagem daqui.

Contas difíceis

As contas para apurar o custo do descongelamento faseado da carreira dos professores vão ser afinadas durante as próximas semanas. A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), entidade responsável pelo estudo requerido pelo PSD, já tem a metodologia para calcular o impacto da recuperação do tempo de serviço, mas ainda precisa de tirar “algumas dúvidas” junto do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) em relação aos dados que lhe foram fornecidos pela Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE), apurou o ECO.

Em causa estão 6 anos, 6 meses e 23 dias, congelados desde o período da troika, e que o Executivo se propõe a devolver a um ritmo de 20% ao ano ao longo da legislatura, já a partir de 1 de setembro. No final da reunião da passada sexta-feira passada, o ministro da Educação, Fernando Alexandre, mostrou-se disponível para fazer “alguns ajustamentos” à proposta apresentada aos sindicatos.

Na altura, o ministro assegurou que já tem os “cálculos feitos” sobre o custo da medida, mas preferiu não os revelar, notando que “cada alteração à proposta” apresentada aos sindicatos “vai ter alterações orçamentais muito significativas”. Ao ECO, fonte oficial da tutela explicou que tais contas “foram realizadas internamente por uma equipa do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI)“, sem, contudo, responder se os montantes apurados são superiores à estimativa que tinha sido avançada pelo Executivo, de cerca de 300 milhões de euros. A tutela aguarda agora pelo estudo da UTAO.

Há uma enorme dose de desonestidade política neste jogo caricato do “quanto custa” a recuperação do tempo de serviço nas carreiras dos professores, e a razão não é difícil de perceber: qualquer que seja esse custo, será sempre menor quanto mais tempo se conseguir adiar a efectiva recuperação. Entre docentes que atingem finalmente o topo da carreira e os que se aposentam sem o terem alcançado, todos os meses são umas boas centenas que deixam de beneficiar da prometida recuperação, se e quando vier a ocorrer.

Ou haverá alguém ingénuo ao ponto de acreditar que quando ME, condicionado por forte pressão da luta dos professores, publicou o chamado “acelerador de carreiras”, não estudou previamente o impacto financeiro das medidas previstas no decreto-lei?…

Outro truque escondido com o rabo de fora é a intenção, já manifestada pelo ministro Fernando Alexandre aos sindicatos, de revogar o dito acelerador, mais propriamente o decreto-lei n.º 74/2023, descontando nos 20% de tempo a recuperar em 2024 aquele que foi recuperado sob a vigência do “acelerador de carreiras”: confundindo deliberadamente alhos com bugalhos, o governo retira com uma mão o que dá com a outra, fazendo com que, para dezenas de milhares de professores, a prometida recuperação fique praticamente, este ano, a custo zero.

Combatendo a mistificação nesta matéria, o nosso colega Maurício Brito continua hoje, no Público, o seu notório trabalho na desmontagem dos números aldrabados que sucessivos governos têm apresentado. E demonstra que a mais profunda crise por detrás do problema do tempo de serviço dos professores está longe de ser a crise financeira. Antes fosse…

Estivemos, portanto, ao longo de vários anos, enfrentando uma crise profunda. Não a financeira, mas uma crise de valores onde a verdade é frequentemente sacrificada no altar das conveniências políticas.