Dizem-me que isto se ensina no secundário, na disciplina de Português, que é comum a todos os cursos, e não apenas para futuros linguistas ou estudantes de Letras. E eu, que sempre me senti capaz de ler, falar, escrever, ouvir e interpretar razoavelmente a língua portuguesa sem necessidade de dar atenções exageradas à gramática, interrogo-me para o que é que isto serve. Mais: quantos reais ou potenciais leitores é que estas práticas (pouco) pedagógicas estarão a afastar do prazer da leitura?
Será que o condutor de um automóvel também precisa de saber os nomes e as posições de todas as peças e parafusos que estão debaixo do capot para conseguir levar o veículo do ponto A ao ponto B? O utilizador comum do computador ou telemóvel distingue os diferentes circuitos, memórias e processadores que existem no interior do aparelho?…
É inevitável a comparação com outra disciplina “estruturante” do currículo, a Matemática, na qual têm imperado ultimamente as teorias em torno do carácter utilitário da “Matemática para a vida”, menosprezando-se a importância do cálculo – para isso temos as calculadoras! – em favor do raciocínio. Nas línguas o percurso parece estar a ser feito ao contrário, com a gramática a ter um peso específico e a constituir até um domínio específico da avaliação.
Numa perspectiva inspirada pelas neurociências, parece estar-se perante um contra-senso. Sabemos que o uso correcto de uma língua se pode aprender naturalmente: os nossos cérebros estão preparados para o fazer; é assim aliás que os bebés aprendem a falar a língua materna. Já o pensamento matemático é algo que não vem “instalado de fábrica”: implica uma aprendizagem específica e o desenvolvimento dos mecanismos mentais específicos para o seu uso.
Da História, sabemos que povos antigos desenvolveram línguas gramaticalmente mais complexas do que a maioria das que usamos hoje, usando-as eficazmente sem sequer possuírem a escrita, muito menos disporem de professores linguistas, escolas ou universidades. E é aqui que a linguística se revela útil, deslindando as origens, a evolução e o funcionamento das línguas.
É possível fazer contas sem saber a tabuada, mas o processo torna-se mais lento pela falta de automatismo. Já o conhecimento explícito da língua, como decorar a lista das preposições ou dos advérbios ou identificar os elementos duma frase em vez de simplesmente usufruir da leitura, parece-me, salvo melhor opinião, perfeitamente dispensável quando o objectivo é ser capaz de falar e escrever correctamente, percebendo da mesma forma aquilo que outros dizem ou escrevem.
E os professores de Português, e das línguas em geral, o que têm a dizer de tudo isto?…