Porque não é só por cá que inventam destas coisas – há até muito pouca originalidade nas versões nacionais destes projectos, comandados pelas multinacionais de TI, fundações educacionais e organizações como a OCDE – eis a versão espanhola da sala de aula do futuro, aqui contaminada com a verborreia eduquesa que por cá associamos ao PASEO…
Sem abertura para a recuperação do tempo de serviço, o ministro João Costa insiste nas suas habilidades de demagogo palavroso: o acelerador da carreira de que vem falando ultimamente é apenas uma proposta de recuperação, não do tempo de serviço congelado, mas daquele que milhares de professores perderam nas listas de transição nos escalões sujeitos a quota. Melhor do que nada, dirão alguns, mas o certo é que as condições até agora anunciadas para beneficiar deste bónus que antecipará as próximas progressões deixarão de fora muitos docentes. Ou seja, a correcção da injustiça sofrida por uns acarretará novas injustiças.
Na próxima segunda-feira decorrerá a negociação suplementar requerida pelos sindicatos, sendo poucas ou nenhumas as expectativas de que, da parte do Governo, surja algo que possa agradar ou surpreender positivamente…
Ouvido pela comissão parlamentar da Educação, João Costa deu conta de que o ministério está a ser apoiado pela Agência para a Modernização Administrativa para “atacar o problema da burocracia”. “No processo de auscultação que já se iniciou, pretendemos eliminar redundâncias, simplificar documentos, eliminar tudo o que não for estritamente necessário ou que tenha perdido valor pedagógico, simplificar os processos de recolha de evidências, entre outras medidas”, especificou.
Este processo abrange também os serviços do Ministério da Educação, que João Costa apontou como exemplo no caso das “redundâncias”, uma vez que existem diferentes serviços a pedir os mesmos dados às escolas, o que constitui mais uma sobrecarga. “O trabalho burocrático rouba tempo ao trabalho pedagógico”, frisou.
Desburocratizar as escolas é promessa antiga que tende a ressurgir pela boca dos responsáveis, em tom enfastiado, quando aumenta o descontentamento dos professores. Em boa verdade, o assunto nunca a chega a ser levado a sério por um ministério que tem na burocracia eduquesa a sua razão de existir, e isso percebe-se desde logo no tipo de soluções que são apontadas: mais uma comissão ou grupo de trabalho – mais uma camada de burocracia, portanto – para estudar o problema da desburocratização. No final, produzem um relatório com umas vagas recomendações que rapidamente fica esquecido no fundo duma gaveta. E a papelada, seja ela física ou digital, continua…
Desta vez a abordagem é um pouco diferente, mas nem por isso mais eficaz: confiam a uma agência governamental exterior ao ministério a identificação de problemas e soluções para desburocratizar. Que não se tenham lembrado de falar directamente com os professores e os directores escolares menos seguidistas – afinal, os únicos que conhecem por dentro o sistema de que tanto se queixam – demonstra o desprezo que sentem pela classe que tutelam e à qual não reconhecem capacidade para se pronunciar sobre os problemas sentidos no exercício da profissão.
Lá para o Verão, mais uma reforma administrativa a ser anunciada com pompa e circunstância, para que no final tudo continue na mesma.
Esta foi a forma que a IL escolheu para comemorar o Dia dos Trabalhadores: um outdoor gigante para tentar demonstrar que o problema dos baixos rendimentos dos trabalhadores portugueses não decorre dos baixos salários praticados, com metade da população activa a auferir vencimentos a rondar o salário mínimo, ou por lá perto, mas sim dos elevados impostos pagos em sede de IRS.
Dando de barato a inconstitucionalidade evidente – a Constituição estabelece como regra a progressividade fiscal – um olhar atento para os números apresentados é suficiente para perceber o ridículo e a demagogia da proposta. Quem aufere o salário mínimo não paga IRS: logo aí temos 44% dos contribuintes para quem esta proposta nada melhora na sua situação financeira. O que lhes valeria era um aumento do salário mínimo, que continua a ser o mais baixo da Europa Ocidental, mas disso os liberais, que prezam muito os interesses de quem lhes paga os outdoors dispendiosos, não querem nem ouvir falar.
Depois, os que ganham mil euros. Já estão acima da mediana dos salários pagos em Portugal, que andará à volta dos 900 euros – outra vez os baixos salários! – mas mesmo assim a proposa liberal apenas lhes garante mais 11 euros mensais. Será com isso que irão mudar de vida?
Claro que os ganhos serão, com este sistema, tanto maiores quanto mais elevados forem os rendimentos. O quadro termina nos 2 mil euros mensais, mas é evidente que se o prolongássemos até aos 4 ou 5 mil, ou ainda mais – facilmente obteríamos borlas fiscais da ordem das centenas de euros mensais ou vários milhares de euros anuais. É uma proposta que agrava as desigualdades, num dos países mais desiguais do espaço europeu, e aqui não haverá muito a contestar.
Ainda assim perguntará, pouco convencido, o liberal dos quatro costados: qual o mal de um alívio fiscal, ainda que desigualmente distribuído? De cortar custos para as empresas que pagam salários mais elevados, aumentando ao mesmo tempo o rendimento disponível desses trabalhadores?
A resposta está, sem grandes surpresas, nas políticas neoliberais que desde a década de 80 vêm sendo paulatinamente implantadas em Portugal. O desmantelamento do sector empresarial do Estado através de privatizações, em muitos casos ruinosas, tornou as finanças públicas cada vez mais dependentes da receita fiscal, à medida que foram desaparecendo outras fontes de financiamento. A espiral do endividamento, que sucessivos governos alimentaram durante décadas, garantiu bons contratos e parcerias com empresas amigas, ajudando também a ganhar eleições. Mas acrescentou rigidez à despesa pública, cada vez mais comprometida com o serviço da dívida.
Actualmente, há muito pouca margem para reduzir impostos sem ser desmantelando serviços públicos ou entrando em incumprimento com os credores do Estado. E este, que não pode cobrar muitos impostos às empresas, para que não expatriem os lucros, nem aos estrangeiros residentes, para não os afugentar do país, vai buscar receita aos impostos sobre os trabalhadores e os consumidores, os únicos que não podem fugir…
Eis um fenómeno que não conhece fronteiras, chegando a países de todos os continentes e aos mais variados sistemas educativos: a queixa é universal, ninguém tem professores preparados para a escola do século XXI. Raios partam os professores do século XX, que nunca mais acabam nem conseguimos acabar com eles!
Resta saber se os professores especiais de corrida, a rumar ao século XXI e mais além, quereriam desperdiçar os seus múltiplos talentos numa escola carente de recursos, focada em emotivismos estéreis e aprendizagens mínimas, dedicada a estupidificar as criancinhas e a desvalorizar os seus profissionais.
O resto é demasiado óbvio: se decretamos que os professores actuais são maus profissionais, então temos logo aí uma justificação válida para lhes pagar pouco e precarizar as suas carreiras. Por outro lado, se não estão preparados precisam de aprender, e aí está o que, ainda mais do que as suas líricas teorias, interessa aos pedagogos do regime: assegurar os tachos e encher os bolsos com o negócio da formação.
A professora Carmo Machado reflecte, na sua crónica semanal na Visão, sobre uma das perdas mais significativas que a escola pública, democrática, inclusiva e participativa, sofre desde os tempos do socratismo: a gestão democrática e colegial. Desde 2008, a figura unipessoal do Director substituiu os anteriores Conselhos Executivos e a eleição, até aí feita pelo pessoal docente e não docente e representantes dos alunos, passou a depender de um colégio restrito – o Conselho Geral – onde os professores e funcionários se encontram em minoria. Paralelamente, encetou-se um processo de crescente burocratização e concentração da gestão em agrupamentos e mega-agrupamentos. A generalidade das escolas de pequena e média dimensão são hoje geridas remotamente a partir da escola-sede, por equipas directivas onde o Director tem a última palavra e que praticamente não saem do gabinete: a gestão pedagógica fica subordinada à burocracia, à contabilidade, ao controleirismo do ministério e, mais recentemente, das autarquias.
Com uma agenda reivindicativa recheada de temas mais prementes – carreira, concursos, recuperação do tempo de serviço, avaliação do desempenho – a exigência do regresso a um modelo de gestão democrática e participada tem estado fora da lista de prioridades dos professores e dos seus sindicatos. Mas descurar esta importante causa acaba por ter consequências no quotidiano docente: muitas das queixas dos professores têm origem ou são agravadas por ambientes escolares tóxicos, criados por directores autocráticos, autênticos tiranetes que se sentem mais confortáveis no papel de paus-mandados do ministério do que no de líderes inspiradores das suas comunidades educativas. Teoricamente dependentes do Conselho Geral que os elege, na prática os directores funcionam como braço longo do ME nas escolas, que deles se serve para controlar uma gestão supostamente autónoma.
Restaurar a dignidade e o respeito devidos à profissão docente passa também por reconhecer o papel fundamental que os professores devem ter na gestão da sua escola. Não apenas elegendo e sendo eleitos para os órgãos de gestão, mas igualmente participando, através das estruturas da escola, no processo colectivo de tomada de decisões. Isto implica uma gestão colegial e democrática, com equipas escolhidas com base na competência e na confiança dos seus pares. Uma gestão eminentemente pedagógica, assumida por professores que não deixam de o ser, arrepiando-se o caminho de crescente profissionalização da gestão escolar e da eternização dos senhores directores nos seus cargos, cada vez mais desligados da realidade das salas de aula.
Mas são constantemente apanhados a faltar à verdade. E o primeiro-ministro, que noutros tempos tinha algum pudor nestas coisas – ou simplesmente o sentido de Estado que lhe apontava a necessidade de preservar a sua credibilidade enquanto chefe do Governo – e confiava o trabalho sujo a terceiros, agora não se incomoda em ser o primeiro também a dar o mau exemplo.
Perdulários nas ajudas aos bancos e às empresas e empresários do regime, esmifram os trabalhadores com congelamentos e bloqueios nas carreiras e aumentos salariais abaixo da inflação. Cortam na despesa que melhora as condições de vida de quem trabalha, dignifica as carreiras profissionais, investe no futuro e redistribui riqueza por todo o tecido económico e social, para continuarem a engordar o capital financeiro que expatria lucros e parasita um país empobrecido.
Raquel Varela explica brilhantemente, numa prosa que merece ser lida integralmente, que a solução de reprimir, seja por meios legalistas seja por alternativas mais musculadas, as greves dos trabalhadores, é própria de estados autoritários, não de democracias. Mas é um recurso a que os governos de António Costa, desde os tempos da geringonça, sempre foram deitando mão. Serviços mínimos, requisições civis, alterações legislativas, leis e acórdãos feitos à medida dos interesses governamentais e patronais, tudo tem servido para neutralizar greves que tentaram ir além do protesto simbólico e inconsequente, forçando mudanças reais a favor dos trabalhadores.
Os professores, que já tinham experimentado um cheirinho desta política com os serviços mínimos decretados na greve às avaliações, descobrem agora a facilidade com que um colégio arbitral ad-hoc inventa serviços mínimos sem cobertura legal na Educação, que até conseguem essa coisa extraordinária de, forçando a trabalhar mais funcionários do que os existentes na escola, não assegurar o funcionamento de uma única sala de aula. E que nenhum director escolar sabe exactamente como aplicar.
Raquel Varela recorda-nos que o Estado de Direito, com que as democracias formais do século XXI gostam de encher a boca, não foi uma dádiva dos deuses: os direitos de que hoje usufruímos foram duramente conquistados através da luta social e política. Mas estas conquistas nunca serão definitivas e podem ser revertidas se não estivermos vigilantes e dispostos a lutar pelos nossos direitos. “Democracia formal, com ditadura nos locais de trabalho, e restrição de direitos na luta por direitos”: eis uma realidade que muitos professores hoje vivem e sentem na primeira pessoa.
Quem parece achar que sim é o ministro da Educação, pois o afirmou, com aparente convicção, no rescaldo da manifestação que terá reunido em Lisboa, no passado sábado, entre 20 a 30 mil professores.
No entanto, não explicou porquê, e mesmo que o tivesse feito, duvido que a argumentação fosse convincente. Na verdade, esta terá sido provavelmente a intervenção mais infeliz e desastrada da entrevista na RTP.
Um acordo, por definição, é um compromisso entre duas partes com interesses ou posições divergentes. Supõe que seja feito um caminho de aproximação, com cedências de parte a parte, tentando salvaguardar o que cada um dos lados considera essencial.
Um bom acordo é o resultado natural de uma boa negociação, em que ambas as partes conseguem, estando de boa-fé, entender a posição do outro. No final, o sentimento comum é o de que, embora não conseguindo tudo o que queriam inicialmente, ambos ganharam alguma coisa. Ou seja, ficaram melhor do que estavam no início.
Ora o que os professores sentem é que todos os acordos assinados com o ministério nos últimos 15 ou 20 anos apenas serviram para os tramar. Não obtiveram qualquer ganho significativo, enquanto as perdas – na carreira, nos salários, nas condições de trabalho, nos direitos laborais, na aposentação – foram mais do que muitas. Foram maus acordos, como maus foram os diplomas, a grande maioria, que não mereceram a assinatura de qualquer sindicato mas foram, ainda assim impostos aos professores.
No fundo, um mau acordo significa a ausência de acordo. Ou, se quisermos ver dessa forma, a concordância em discordar. Na prática negocial de sucessivos governos com os professores tem havido uma completa ausência de espírito negocial e de busca de compromisso. E tudo indica que a presente negociação não foge à regra: já têm bem claro o que pretendem – basta consultar as FAQs publicadas, tão claras e explícitas como se já existisse um novo diploma em vigor – para perceber que este governo e este ministério não desejam a concordância dos professores, mas apenas um cheque em branco passado pelos seus representantes.
Porque é que haveríamos mesmo de querer o mau acordo?…
João Costa exerce funções governativas há sete anos. Mas só ontem, no culminar de uma jornada de luta dos professores, que incluiu seis dias de greve e uma grande manifestação nacional, o governante arrogante e prepotente sentiu a necessidade de jogar à defesa perante a ofensiva dos professores. Uma pequena vitória que, ao STOP e aos seus apoiantes, já ninguém lhes tira.
Quanto ao ministro, a entrevista de ontem à RTP serviu-lhe para ensaiar um discurso de vitimização, acusando mais uma vez os sindicalistas do STOP de mentirosos e insinuando, nas entrelinhas, uma apreciação nada abonatória da classe docente como um bando de mentecaptos iludidos pela estratégia sindical.
Quanto à entrevista propriamente dita, disponível no site da RTP, ela nada traz de novo ou significativo. Percebendo que recuperar confiança dos professores será tarefa longa e complicada, o ministro tenta, na linha dos seus antecessores socialistas, ganhar terreno na opinião pública. A estratégia é o discurso de meias verdades e insinuações em que tem assentado todo o seu percurso político. Evidente por exemplo ao afiançar que as câmaras nunca irão colocar professores, quando já todos percebemos que a ideia é desmantelar paulatinamente o concurso nacional através da regionalização encapotada que está em curso, por um lado, e, por outro, pela alocação de professores em função do “perfil”, feita localmente por conselhos de directores.
Neste processo, o que me causa mais estranheza, confesso, é a quantidade de professores que ao longo das últimas semanas descobriram em João Costa o diabo em figura de gente. Pessoal que no tempo do nulo Brandão Rodrigues elogiava o amigo das escolas, preocupado com os alunos, promotor de flexibilidades, autonomias e inclusões. O secretário de Estado bom, em contraste com a má Alexandra Leitão, a megera que cortava orçamentos, agravava leis dos concursos, extinguia contratos de associação. Pois bem, o que posso dizer, e acreditem que não o faço com prazer, é que o Costa da Educação cedo me desenganou: este homem é perigoso! alertei há quatro anos, num post onde tentei demonstrar que, por trás do discurso untuoso e demagógico do linguista bem falante, se esconde um político com uma agenda bem definida, que não passa nem por valorizar a profissão docente nem por melhorar qualitativamente a escola pública.
Será talvez este último ponto que ainda não foi bem compreendido entre os professores: a política educativa que desqualifica a carreira, os salários e as condições de trabalho dos professores é a mesma que os oprime com a burocracia avaliativa kafkiana do MAIA, que transforma a escola pública numa feira de projectos e num imenso recreio onde, em nome da flexibilidade e da inclusão, se nivelam por baixo as aprendizagens.