O pintor de cravos

O golpe militar de 25 de Abril de 1974 ficou mundialmente conhecido como a Revolução dos Cravos, pelas razões que todos conhecem. Mas isto justifica, 50 anos depois, esta obsessão com os cravos que vejo por todo o lado?

Pode não ser essa a intenção de muitos dos que o promovem, mas o frenesim à volta dos cravos, não apenas as flores verdadeiras mas também as que se pintam ou constroem em papel colorido, disfarça mal uma realidade incómoda: os valores de Abril são cada vez menos vividos e afirmados; em contrapartida, vamo-nos entretendo com representações folclóricas da Revolução.

João Costa foi um ministro da Educação que sempre desprezou os professores, que nunca foi capaz de promover negociações sérias com os representantes da classe, que chegou ao ponto de mover processos disciplinares por incumprimento de serviços mínimos que os tribunais declararam ilegais. Pois até este, tido como “de esquerda” e progressista, comemora com o cravinho da praxe a revolução libertadora!

A cantiga que escolhi para finalizar o post é de 1974, quase tão antiga, portanto, como a Revolução de Abril. Mas continua eficaz na denúncia da hipocrisia e do oportunismo dos que, de democratas, apenas têm o nome…

Família tradicional

Publico, com a devida vénia, o magnífico cartoon de Vasco Gargalo a propósito da mais recente tentativa de ressuscitar a imagem daquilo que passa por ser a “família tradicional”. Uma ideia retrógrada, preconceituosa e sem correspondência com a realidade. Na verdade, e como já se explicou por aqui, este modelo de família supostamente natural e intemporal sempre coexistiu com outras formas de organização social e familiar. Nunca foi o único, nem sequer, na maior parte da história da humanidade, o modelo dominante.

Há uma notória incapacidade da direita portuguesa para protagonizar um projecto de mudança e progresso económico e social do país. Fazer diferente, para melhor, do socialismo desinspirado que tivemos nos últimos anos. Quando, por um conjunto de circunstâncias favoráveis, e sem ter feito grande coisa para isso, o poder lhe cai ao colo, a direita mostra-se incapaz de olhar para o futuro, insistindo em receitas falhadas e em encontrar inspiração revisitando um passado caduco a que ninguém, verdadeiramente – nem eles próprios! – desejaria voltar. Quando, em matérias como a interrupção voluntária da gravidez, o morto-vivo CDS e a ala mais conservadora do PSD se deixam ultrapassar até pelo Chega, está quase tudo dito sobre a credibilidade da nova AD, que nunca trouxe para a campanha eleitoral a agenda conservadora nos costumes que agora, com pezinhos de lã, tenta impor ao país…

Dois hipócritas

O coro de protestos e condenações ao ataque iraniano a alvos israelitas, que por cá o primeiro-ministro e o líder da oposição reproduzem com escassa inspiração, ressoa à execrável hipocrisia do Ocidente, que permaneceu calado que nem um rato quando Israel atacou violentamente, aí sim, a missão diplomática iraniana em Damasco. Um ataque em completo desrespeito das regras do direito internacional, sem justificação nem aviso, ao contrário da resposta apesar de tudo contida do Irão.

Quem está a escalar a violência no Médio Oriente é o sionismo israelita, com a insuportável complacência do Ocidente. Mais de trinta mil mortos, mais de um milhão de desalojados, um número indeterminado de feridos, mutilados, doentes, famintos e desaparecidos ainda debaixo de escombros. Um genocídio à vista de todos, que passa também pela privação intencional de água, alimentos e cuidados médicos aos habitantes de Gaza. Quem se cala perante isto, perde toda a legitimidade para criticar outros governos da região, até mesmo a odiosa teocracia dos ayatollahs. Que, comparados com os carniceiros de Telavive, parecem cavalheiros…

A direita identitária

Pedro Passos Coelho apresentou, esta segunda-feira, o livro “Identidade e Família”, uma obra que reúne 22 contributos da direita mais conservadora, que pretende alertar para a “destruição da família” tradicional.

Entre os contributos contam-se Bagão Félix, um dos organizadores, César das Neves, Jaime Nogueira Pinto, Ribeiro e Castro e Manuel Monteiro, e que contou com a bênção do cardeal Manuel Clemente, assim como outros membro da Igreja.

“A família”, referiu o ex-primeiro-ministro, “nem sempre é considerada nas políticas públicas e muitas vezes é desconsiderada pelas políticas públicas. Isso não é bom”.

O regresso à ribalta de Passos Coelho, apadrinhando uma iniciativa da direita mais conservadora, levantou acesa polémica e tem um significado estratégico óbvio: mostra que há pontos de contacto entre um PSD que, apesar do rótulo social-democrata, sempre foi um partido de matriz “conservadora nos costumes” e o projecto assumidamente reaccionário do Chega.

Outras leituras se podem fazer desta polémica que a comunicação social e as redes sociais se encarregarão de continuar a amplificar durante a semana. Na verdade, as questões identitárias são úteis, à esquerda e à direita, para desviar o foco das atenções para outras matérias. E o certo é que a direita – embora a maioria absoluta formada por AD+Chega não se mostre, por enquanto, funcional – ganhou as eleições prometendo, no imediato, descidas de impostos, crescimento económico, melhoria dos serviços públicos e valorização das carreiras dos servidores do Estado. Mudanças de logotipo, polemizadas na semana passada, e questões de “identidade da família” não estavam no programa. Porque estamos então a discuti-las, em vez de indagarmos quando começarão a ser cumpridas as promessas eleitorais?

O truque já tinha sido amplamente usado no tempo de José Sócrates: com políticas económicas e sociais tipicamente de direita, o PS recorreu às questões identitárias para se tentar afirmar como um partido de esquerda. Agora é a direita conservadora que, do alto dos seus preconceitos, pretende robustecer-se em torno de valores que toma como sólidos, mas que na verdade estão completamente caducos. A única tradição, aqui, é a eterna hipocrisia da direita, que sempre gostou de alardear públicas virtudes enquanto esconde os vícios privados.

Algum conhecimento de demografia histórica ajuda. Por exemplo, o conceito que agora nos querem vender de família tradicional – pai, mãe, filhos – está longe de ser perene e universal. Sempre houve famílias com e sem filhos, celibatários, famílias baseadas noutros graus de parentesco – por exemplo, irmãos coabitando na casa que pertencera aos pais – pessoas a viver em comunidade sem laços de parentesco – mosteiros e conventos são os exemplos mais conhecidos das sociedades antigas, mas o coliving é um conceito bem moderno que nem sempre é uma escolha individual: muitas vezes é usado, hoje em dia, para romantizar as dificuldades no acesso à habitação.

Quanto aos filhos, não é só hoje que, por via de separações e divórcios, abundam as famílias monoparentais. Na Idade Média e no Antigo Regime, eram uma situação muito comum, devido sobretudo à mortalidade elevada, que abrangia todas as faixas etárias. Devido às mulheres que morriam nos partos frequentes e aos homens que emigravam, embarcavam, iam para a guerra. Crianças criadas por tios, avós, padrinhos ou irmãos mais velhos eram outra realidade muito frequente, e não apenas entre as camadas populares, onde a pobreza extrema e as famílias numerosas impuseram essas soluções até épocas muito recentes. Entre a nobreza, era frequente a demonstração de confiança e lealdade que consistia em confiar um filho a um vassalo ou dependente para que este o criasse. Até o fundador da Pátria, D. Afonso Henriques, órfão de pai por volta dos três anos, terá sido “dado a criar” ao nobre Egas Moniz, como muitos portugueses puderam aprender na escola primária!

Pedro Nuno Santos está com os professores

Que faria se não estivesse…

O exemplo é paradigmático da relação complicada que o PS tem com os professores: declarações de afecto e boas intenções à classe docente, mas com os professores básicos e secundários mantidos a uma distância higiénica de suas excelências. Nem que para isso tenham de recorrer à força física dos capangas…

Chama-se Rui Garcia e já se tornou conhecido pela forma original como tem protestado contra a atual situação profissional dos professores, já que optou por viver numa carrinha, em Elvas, onde foi colocado, a 430 quilómetros de sua casa, em Ponte de Lima. Esta sexta-feira, o homem foi até Lisboa, mais concretamente a Moscavide, para confrontar Pedro Nuno Santos sobre a sua situação e a de milhares de professores.

O homem conseguiu aproximar-se do candidato e disse-lhe “Eu sou o Rui Garcia, o professor que está a dormir numa carrinha em Elvas, e gostava de saber…”, mas Pedro Nuno Santos interrompeu-o para lhe dizer “nós estamos sempre ao lado dos professores”. Depois disso, o homem foi começando a ser afastado do candidato socialista pelos seguranças infiltrados. “É só 1 minuto”, tentava Rui Garcia, cada vez mais longe. Até que um segurança do Partido Socialista o agarrou por baixo dos braços e o atirou para fora da arruada, que decorria em Moscavide.

Agarra que é professor!

Pensamento do dia

Os “especialistas em Educação” pedem constantemente mais formação para os professores, radicando aí a causa do insucesso escolar e do declínio das aprendizagens. Mas não vejo a mesma exigência formativa em relação aos alunos, para os quais o que vale é o conceito da escola amiga, fácil e divertida, onde cada um aprende o que quer, “ao seu ritmo” (que pode ser agora, mais tarde ou, eventualmente, nunca).

Porquê esta duplicidade de critérios? O facto de ganharem dinheiro com a formação dos professores mas não com a dos alunos será apenas coincidência, decerto…

Queres formação? Paga!

Tem chegado aos professores informação dos Centros de Formação de Associação de Escolas (CFAE), na qual se refere a drástica redução das ações propostas nos Planos de Formação para 2024, devido a atrasos inadmissíveis no financiamento, ou seja, na prática, por não ter sido ainda disponibilizada a verba para pagar aos formadores.

O quadro é mais agravado pelos constrangimentos provocados pelo financiamento destas estruturas a partir de fundos da União Europeia que, como se vem verificando, determinam a dependência destas verbas comunitárias para o exercício do desenvolvimento da sua atividade, o que nem dá resposta às verdadeiras necessidades de formação que são sentidas.

(…)

Lembrando que a Formação Contínua é, também, condição legalmente obrigatória para a progressão na carreira, a FENPROF considera imprescindível a resolução rápida desta situação. Compete aos ministérios da Educação e das Finanças tomar as medidas necessárias para que o sistema de Formação Contínua possa assegurar o papel que tem de ter.

A situação denunciada pela Fenprof reflecte, em boa verdade, uma espécie de pecado original na presente na concepção do actual modelo de formação contínua de professores: a dependência do fluxo de fundos europeus, em vez de ser encarada, como deveria, como uma necessidade estrutural de um sistema educativo que, para ter qualidade, precisa de garantir a actualização dos conhecimentos científicos e pedagógicos de professores e educadores ao longo de toda a sua vida profissional. E, como tal, de ter financiamento próprio. De pouco serve a propalada autonomia dos centros de formação se, na prática, se limitam a replicar os modelos formativos definidos centralmente, em vez de atender às necessidades reais das escolas e professores, e a paralisar a sua actividade sempre que se fecha a torneira do dinheiro europeu.

O mais vergonhoso nesta situação é ter sido estabelecido o dever de realizar formação como condição indispensável para progredir na carreira, sem que o ME, como entidade empregadora, assegure a oferta formativa, na quantidade e com a qualidade necessárias ao cumprimento dessa obrigação. Da qual o ministério não dispensa os docentes, embora ele próprio se exima de fazer a sua parte. E assim, enquanto o ME foge às suas responsabilidades, cresce a oferta formativa em centros privados, paga – e bem paga, na maioria dos casos – pelos professores.

Há uma enorme falta de ética, de decência, de moralidade em tudo isto, sobretudo se tivermos em conta que boa parte dos actuais beneficiários deste estado de coisas são os protegidos do sistema, convertidos em vendedores de formação obrigatória: dirigentes de algumas associações científicas, profissionais e sindicais e os habituais “especialistas” que integram os grupos de trabalho onde são delineadas e replicadas as “inovações pedagógicas” para as quais se inventa, logo a seguir, a indispensável formação.

A exigência de regras claras e de obrigações de parte a parte – não faz sentido o ministério exigir aos professores que façam a formação que não lhes é dada – deveria ser uma das prioridades reivindicativas, perante o novo governo, no capítulo da formação de professores. Com a garantia de que ninguém pode ser penalizado pelo que não é da sua responsabilidade, nem que terá de pagar do seu bolso a formação que compete à entidade empregadora assegurar.

Faltam recursos para a inclusão

A notícia do DN, muito completa, é esclarecedora e dispensa-me de maiores comentários: a falta de recursos está a fazer da escola dita inclusiva uma falácia cruel, que penaliza acima de tudo os alunos que era suposto incluir.

A verdade é que um sistema inclusivo consumirá sempre mais recursos, porque os dispersa, do que as soluções tradicionais, baseadas na concentração de recursos especializados em torno dos grupos de alunos que deles necessitam. Pelo que, não havendo reais intenções de abrir os cordões à bolsa, mais valia ter deixado tudo como estava. Os alunos com necessidades de apoio educativo no âmbito da educação especial não deveriam ser cobaias em políticas educativas que não os respeitam.

Faltam, nas escolas, professores de Educação Especial, técnicos especializados, terapeutas e assistentes operacionais. Há assistentes operacionais que assumem o papel de enfermeiros, alertam os pais.

“Há crianças com diabetes, com necessidade de injeções de insulina, que são dadas por assistentes operacionais, sem formação para o fazer”. O relato é de Rui Moreira, presidente da Associação de Pais da Escola Secundária Sebastião da Gama (ESSG) e presidente do conselho fiscal da Federação Concelhia de Setúbal das Associações de Pais. O responsável adianta ao DN que os assistentes operacionais das escolas com formação são residuais e “a maioria das formações é paga por entidades externas”.

“Acabam por ter de assumir um papel que não é o delas e não é esta a situação ideal. Se não fossem as auxiliares pessoas de bem e com muita boa vontade, não sei o que aconteceria. E há crianças com todo o tipo de problemas, como insuficiência renal, sem o devido apoio. Para se perceber a dimensão do problema, temos um aluno que tem de vir transportado diariamente por uma ambulância e que tem a ajuda de uma técnica apenas duas horas por dia. Essa técnica é paga por entidades externas e não pelo Ministério da Educação”, sublinha.  

Rui Moreira diz ainda faltar “tudo” nas escolas a nível de inclusão, havendo crianças em “autogestão” por falta de apoios. “Nunca vi o país assim, a escola desta forma. O que se passa é muito grave. Contratamos pessoas para tudo e mais alguma coisa neste país, mas não temos o necessário para os alunos mais necessitados”, lamenta. O presidente da  Associação de Pais da Escola Secundária Sebastião da Gama (ESSG) diz não haver crianças em completo abandono apenas porque, não havendo apoio, “quem está ajuda como pode para não deixar ninguém sem o mínimo de apoio”. Rui Moreira vai mais longe e afirma que a Educação Inclusiva é uma falácia. “A inclusão não acontece. As coisas não são tão lineares como querem fazer parecer. Cada vez mais o ME exige às escolas e não dá recursos ou apoio para que se possam cumprir as exigências. Tem de haver mais apoios, mais técnicos e mais professores”, afirma. 

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Em memória das crianças de Gaza

Impressionante homenagem de milhares de cidadãos anónimos, ontem em Amesterdão, às crianças de Gaza, vítimas inocentes de um genocídio a decorrer à vista e com a complacência de todos.

Dez mil sapatos dispostos na Dam de Amesterdão, simbolizando outras tantas crianças martirizadas pela brutalidade assassina do colonialismo sionista, espalhando a destruição e a morte em cada palmo de terra que vão conquistando.

Uma Europa em que ainda acredito, esta dos cidadãos capazes de se comover, indignar e manifestar por valores de humanidade, solidariedade e justiça, cada vez mais distante dos cúmplices do genocídio que a desgovernam.

Duplicidades

Governo a 2 de Outubro de 2023: o que se der a uns tem de se dar a todos, mesmo que as situações não sejam comparáveis…

O primeiro-ministro voltou hoje a rejeitar a recuperação integral do tempo de serviço dos professores, considerando que o custo “é insustentável para o país” e porque “tem de haver equidade” para todas as carreiras da função pública.

Governo a 12 de Janeiro de 2024: damos a uns só porque sim; aos outros, o próximo governo que decida…

Agentes da PSP dizem estar a ser vítimas de “discriminação” por parte do Governo, que atribuiu um suplemento de missão aos agentes da PJ que pode chegar aos 900 euros. Este foi o gatilho que motivou o protesto dos polícias, que exigem “paridade” no tratamento das profissões, assinalando que “o risco é o mesmo, seja-se agente da PSP ou agente da PJ”.

O sentimento de flagrante injustiça é, nos tempos que correm, um dos mais poderosos gatilhos da contestação social e política, e um excelente catalisador de extremismos e populismos. Seria bom que os governos democráticos o percebessem, antes de arranjarem sarilhos que só podem dar maus resultados.