Pensamento do dia

É uma vergonha que o Assange, um jornalista que denunciou falcatruas de um Estado contra outro, esteja preso e a gente não faça nada para libertá-lo. Acho que é preciso um movimento da imprensa mundial em defesa da liberdade dele, mas também da liberdade para denunciar as coisas.

Lula da Silva

Nem só na Rússia há jornalistas presos, perseguidos ou assassinados por exercerem o direito à informação. Nalgumas democracias ocidentais, e em estados autoritários que elas protegem, existirão porventura muitos mais.

Julian Assange é apenas o caso mais visível e o exemplo mais flagrante, também aqui, da hipocrisia ocidental.

O Público não gosta de greves

Por que razão há estas greves intermináveis? A resposta crua, mas indispensável, está aos olhos de todos: porque há em Portugal um fosso entre os custos para os grevistas e os custos para a sociedade.

O Público já foi, ou pretendeu ser, um jornal de referência no jornalismo português. Há muito que carece de isenção na abordagem de determinados temas, algo que nos tempos áureos disfarçava razoavelmente ao assumir uma espécie de jornalismo de causas. Nos últimos anos, e em particular com o actual director, o plano inclinado em que o jornal vem deslizando está a conduzi-lo irremediavelmente ao nível do jornalixo.

No mais recente editorial, dedica-se o dito cavalheiro a perorar sobre greves “intermináveis” sem nada perceber, ou querer compreender, acerca do assunto. Acha ele, na sua visão simplória e preconceituosa, toldada pela vulgata neoliberal, que as greves acontecem porque os trabalhadores encontraram formas de as fazer com custos reduzidos e assim conseguem prolongar a luta. No primarismo do raciocínio e do discurso, não lhe ocorre sequer pensar na explicação mais lógica: as greves prolongam-se pela simples razão de que as reivindicações dos trabalhadores não são satisfeitas, não havendo sequer um esforço de aproximação do poder patronal às suas pretensões.

O que desequilibra a balança das relações laborais não é o direito à greve, reconhecido e protegido em todas as democracias. É, isso sim, o esforço conjunto de sucessivos governos e patronato para cercear esse direito, estabelecendo regulamentação cada vez mais apertada em torno de convocatórias, prazos e serviços mínimos abusivos a assegurar pelos trabalhadores. É a promoção de sindicatos-fantoche para dividir e enfraquecer o movimento sindical. É a imposição da caducidade da contratação colectiva que, acabando com os direitos adquiridos nas relações laborais, obriga os trabalhadores a uma luta contínua pela preservação desses direitos.

O que está profundamente errado nas relações laborais não é que, contra a prepotência patronal, os trabalhadores usem a greve da forma mais cirúrgica e inteligente ao seu alcance para conseguir os seus objectivos. É o bloqueio negocial e o desprezo pelos direitos e a dignidade dos trabalhadores que, fechada a porta do diálogo, deixa aos trabalhadores que não se resignam uma única alternativa: a luta, com todas as forças e armas possíveis de mobilizar.

No caso da administração pública e do sector empresarial do Estado, onde se concentram a maioria das greves, pode ainda acrescentar-se a recusa, da parte dos governantes, em ouvir os trabalhadores, compreender os sinais dados através de manifestações e outros protestos públicos, dar algum significado a conceitos como negociação, consenso ou compromisso. Ao contrário dos patrões privados, que acumulam prejuízos com o arrastamento das greves, os governantes não sentem a coisa pública como algo que devem proteger e preservar. Choca a falta de ética, essa ética republicana com que o PS gosta de encher a boca, mas miseravelmente ausente, nos princípios e nas práticas, sempre que o partido se instala no poder. Indiferentes a tudo o que não seja a preservação das clientelas e das negociatas do regime, apostam no arrastamento dos conflitos, à espera que os trabalhadores se cansem e desistam de lutar, mesmo que nesse processo arrastem serviços públicos essenciais – saúde, educação, transportes públicos, justiça – para a degradação e a ruína.

Há uma profunda hipocrisia no discurso dos escrevinhadores neoliberais do Público e de outros jornalecos, esses sonsos que antigamente criticavam as greves fofinhas “à sexta-feira” e agora repudiam as greves “intermináveis”. Percebe-se, demasiado bem, que nenhuma greve lhes serve. Falta-lhes, no entanto, a coragem para exprimir o que lhes verdadeiramente lhes vai na alma: a vontade de acabar com todas as greves.

Pensamento do dia

Tempos estranhos estes, em que pessoas inteligentes são silenciadas para que os estúpidos não se sintam ofendidos.

A ideia não é nova e, com ligeiras variações, circula em memes e citações, nas redes sociais, há pelo menos dois anos. Mas continua actual: em vez de envelhecida e datada, a pujante cultura do cancelamento e do politicamente correcto vai-a confirmando todos os dias.

Insubordinações

Depois de ter falhado uma missão de acompanhamento de um navio russo a norte da Ilha de Porto Santo, na Madeira, por recusa da tripulação que alegou problemas no navio, agora o NRP Mondego revelou ter mesmo problemas. Esta madrugada o navio ficou sem energia, em alto mar, a caminho das Ilhas Selvagens, depois de um atraso de quase seis horas na saída do Porto do Funchal. O barco, após o alerta, teve mesmo de ser rebocado para o Porto do Caniçal e esta terça-feira vai ser substituído pelo NRP Setúbal.

Desta vez, não houve marinheiros insubordinados a impedir o navio de se fazer ao mar. Foi o próprio Mondego que se insubordinou, recusando-se a seguir viagem. E agora? Será que o garboso comandante da Marinha vai processar o navio insurrecto? Duvido. Nestas coisas, prevalece a velha máxima: o material tem sempre razão! Se o navio está velho e cansado e ainda por cima não recebe a manutenção necessária o mais natural é que falhe as missões que lhe são confiadas. E isso não é culpa da maquinaria ou de quem lida com ela: é mesmo das chefias militares que em vez de fazerem o que devem – garantir a plena operacionalidade dos meios à sua responsabilidade – preferem dedicar-se a encontrar culpados e a crucificá-los na praça pública por ousarem dizer que o rei vai nu.

E antes que venha de lá o habitual discurso patrioteiro: um militar pode ter de arriscar a vida em defesa da pátria, não para safar comandantes incompetentes. Volto a dizê-lo, os militares que denunciaram publicamente o estado das embarcações que asseguram a vigilância costeira mais depressa deveriam ser condecorados do que castigados. Estavam e estão cheios de razão, e o Mondego que hoje regressou a reboque, no final de mais uma missão abortada, só o veio confirmar.

O mundo às avessas

A diretora da Florida’s Tallahassee Classical School, no estado norte-americano da Flórida, foi forçada a demitir-se após os pais de uma turma do sexto ano terem criticado que os seus filhos fossem expostos à escultura de David, da autoria de Michelangelo.

Hope Carrasquilla, que estava no cargo há cerca de um ano, disse ao portal HuffPost que a situação é “um pouco mais complicada do que isso”.

A ex-diretora explicou que, sempre que os alunos eram expostos a este tipo de materiais, uma carta era enviada previamente aos pais. Neste caso, no entanto, essa carta não chegou aos responsáveis pelos alunos, que se mostraram desgostados que os seus filhos vissem a famosa escultura. Três dos pais, aliás, garantiram que os filhos ficaram “perturbados” depois de ver a obra de arte. Um chegou a considerar que foi uma situação “pornográfica”.

Fico sem palavras. Ao longo de uma carreira de professor de História de mais de 30 anos, já terei mostrado o David de Miguel Ângelo a centenas, talvez milhares de alunos do 3.º ciclo. Nem teria como não o fazer. Trata-se de uma obra prima incontornável da arte renascentista, da autoria do mais importante escultor desta época. Trabalhasse eu num daqueles estados mais matarruanos da América de Cima e já teria sido provavelmente despedido inúmeras vezes, pois de todas as ocasiões em que leccionei o Renascimento nunca me ocorreu pedir autorização aos pais dos alunos para mostrar reproduções de estátuas ou pinturas.

Por mais voltas que se dê, não se encontra uma única perspectiva pela qual isto consiga ter algum sentido. Miúdos de 11 ou 12 anos, que é de quem estamos a falar, têm como companheiros telemóveis com internet, através dos quais podem aceder livremente – basta quererem – a todos os tipos de verdadeira pornografia. Além de conteúdos violentos, linguagem racista e sexista e todo o tipo de perversões que circulam à vara larga pela internet. Ficarão perturbados pela visão de um homem nu e da sua pilinha? Como é possível, em pleno século XXI, que ainda haja quem chame pornográfico a um nu clássico renascentista, sem se cobrir de vergonha e de ridículo?…

Por cá, estaremos ainda longe de chegar a este ponto, embora se saiba que a asneira tende a pegar de estaca e o moralismo hipócrita comece a adquirir, nesta modernidade rançosa do século XXI, categoria de valor universal. Mas por enquanto o nosso maior problema com a escultura ainda é outro: o indescritível mau-gosto de alguma estatuária que, paga com o dinheiro do contribuinte, prolifera por ruas e praças do país. Não é caso único, mas veja-se, a título de exemplo, a forma como em Vizela desbarataram 90 mil euros numa tentativa patética de homenagear António Guterres pelo papel que teve, enquanto primeiro-ministro, na elevação da vila a concelho. Tão feio que até dói…

A política da mentira

Há quem pense que mentir faz parte da arte da política, e se um mentiroso descarado dificilmente será bem sucedido no jogo político democrático, já a mentira mais subtil, a das meias-verdades, das insinuações e das omissões, essa tem tido um carreira de sucesso entre nós. E, a avaliar pela recente maioria absoluta conquistada por um partido que se esmera em fazer o contrário do que anuncia, um provável futuro radioso à sua frente.

No campo da Educação, é notória a contradição entre os anúncios de defesa e compromisso com a escola pública por parte de responsáveis políticos e as políticas concretas que promovem, levando à degradação a todos os níveis da qualidade das aprendizagens e da situação profissional dos que nela trabalham. A hipocrisia atinge o cúmulo quando a principal mentora da política de domesticação e proletarização dos professores e de promoção do facilitismo na “escola a tempo inteiro” vem agora chorar lágrimas de crocodilo sobre os problemas da classe docente e da escola pública. Como muito bem explica, no DN, António Carlos Cortez.

Muitos responsáveis políticos esquecem que a governação da res publica implica o rigor e o realismo na avaliação dos problemas e a verdade quanto ao relato dos factos. De há muito a sensação que temos é a de que se navega à vista nos mares encapelados da Educação. De Maria de Lurdes Rodrigues a João Costa, de Manuela Ferreira Leite a Tiago Brandão Rodrigues, a pasta ministerial tem constituído um verdadeiro caso de esquecimento de inúmeras medidas pelos quais são responsáveis todos os ministros e as suas respetivas equipas. Mas foi entre 2005 e 2009, no consulado de Maria de Lurdes Rodrigues, que se feriu de morte a profissão docente. (…)

Os factos: foi a antiga ministra quem criou o cargo de Diretor nas escolas; essa medida que resultou no servilismo de muitos que seguem as diretrizes emanadas do Ministério da Educação, aparelho da ideologia oca. Pergunto: com que verdadeira imparcialidade e rigor se quis criar este cargo? Não se criou um ambiente policial nas escolas? Que falem os professores!! Que digam de sua justiça! Que ponham a nu as perseguições de que são e foram alvo! Pergunto: as escolas, antes de haver o cargo de diretor, funcionavam mal? Foi no consulado de Maria de Lurdes Rodrigues que se criou o modelo de avaliação docente baseado no sucesso obtido pelos estudantes. Tal medida gerou um facilitismo soez que devia ser repudiado por todos, inflacionando-se as classificações com vista à subida de escalão e boa classificação de desempenho. A mentira como moeda de troca na relação pedagógica e na relação entre pares, eis a política de MLR. Assim, é bom professor quem banaliza os Excelentes, os 17, os 18, ou mesmo os 19 e 20 valores. Com Exames Nacionais que visam comprovar o sucesso das avaliações, baixou-se o nível de dificuldade e exigência das matérias a lecionar. Resultado final: todos contentes e os pais também. Depois desta escolaridade obrigatória e das licenciaturas à bolonhesa, temos de perguntar: que país será o nosso? Que conhecimentos têm futuros quadros superiores?

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A greve proibida

Quase meio século após a Revolução de Abril, voltámos a uma situação que no Portugal democrático se julgaria impossível: uma proibição, à margem da lei, do livre exercício do direito à greve. E o Governo nem precisa de sujar as mãos decretando uma requisição civil: basta conferir poder a um falso tribunal para produzir, sem audição, defesa ou representação directa das partes, acórdãos com idêntico valor aos produzidos pelos tribunais de primeira instância. E em seguida permitir que órgãos administrativos – neste caso, as direcções escolares – decretem serviços mínimos incumprindo os procedimentos legais e indo além do disposto no acórdão que os determina.

Não foi a primeira vez que o direito à greve foi directamente atacado através do subterfúgio legal dos serviços mínimos. Mas julgo que nunca se terá ido tão longe como agora, ao determiná-los para um sector e um conjunto de actividades em que a lei não prevê a sua existência. Funcionando desta forma, os colégios arbitrais são um verdadeiro atropelo jurídico-constitucional à democracia, usurpando poderes legislativos na imposição de restrições ao direito à greve não expressas na lei e poderes judiciais na produção de verdadeiras e definitivas sentenças, das quais não é possível contestação ou recurso em tempo útil. Mas nunca vi Marcelo Rebelo de Sousa, ou qualquer outro dos distintos constitucionalistas do regime, preocupar-se com as violações legais dos direitos dos trabalhadores – pelo menos da mesma forma como se preocupam com os direitos dos falcatos que escaparam à condenação e prisão depois de terem roubado e falido este país.

Mas estes “trabalhos forçados” impostos aos professores são um falso paliativo para uma guerra aberta que o governo se recusa a encarar e resolver: como todos os que conhecem a realidade actual nas escolas reconhecem, aumentam a revolta dos professores e a vontade de continuar a resistir às prepotências, desconsiderações e desmandos do governo.

Há serviços mínimos decretados, mas nem por isso a adesão dos professores à greve convocada para os distritos a norte de Coimbra foi envergonhada nesta quinta-feira. É isso que diz o secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), Mário Nogueira, em declarações ao PÚBLICO. “A maioria dos professores está só a cumprir os serviços mínimos, a que nós chamamos trabalhos forçados”, defende.

A Fenprof dá conta de uma adesão “enorme”, numa publicação no site daquela organização, e reitera que os professores e educadores não cumprem “nem mais um minuto de trabalho” além do que foi definido pelo colégio arbitral. A greve convocada pela plataforma de nove estruturas sindicais marcada para esta quinta-feira inclui os distritos de Viana do Castelo, Braga, Bragança, Vila Real, Porto, Aveiro, Viseu, Coimbra e Guarda. Na sexta-feira será dia dos distritos a sul de Leiria.

Nas escolas, o clima é de “forte descontentamento”, como explica o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), Manuel Pereira. “Isto é absolutamente inacreditável. Proibir de fazer greve, chamem-lhe o que quiserem, não resolve os problemas. Amplia-os. A verdade é que todos estes momentos de proibição de greve só aumentam a revolta dos profissionais da educação, que é visível em todas as escolas”, sublinha.

Santos Silva, o eurocêntrico moralista

O presidente da Assembleia da República apelou esta sexta-feira a que se façam esforços para “alargar a coligação internacional de condenação de agressão russa e de apoio à Ucrânia” a países africanos e latino-americanos.

No discurso de abertura do colóquio “Ucrânia 365 dias depois”, que decorre hoje na Assembleia da República e foi organizado pelo grupo parlamentar de amizade Portugal-Ucrânia no dia em que se assinala um ano da guerra naquele país, Augusto Santos Silva começou por defender que é preciso alargar a coligação “internacional de condenação da agressão russa e de apoio à Ucrânia”.

A condenação política, o isolamento diplomático, são instrumentos nas relações internacionais tão poderosos – e às vezes até mais poderosos – do que as sanções económicas ou outro tipo de respostas”, sustentou.

O presidente do parlamento abordou a resolução, aprovada na quinta-feira pela Assembleia Geral das Nações Unidas, que exige a retirada das tropas russas da Ucrânia, para salientar que, mais do que analisar os 141 países que votaram a favor, o importante é “olhar para os cerca de 30 que se abstiveram”.

Pretendendo-se eloquente e bem-falante, há algo que falta a Augusto Santos Silva e que nunca lhe permitirá atingir, como provavelmente almeja, o estatuto informal de senador do regime, uma figura de referência como foram alguns dos anteriores presidentes da República ou da sua Assembleia.

Discursando sobre a guerra na Ucrânia, não choca ter tomado partido pelo país agredido condenando com firmeza o invasor – afinal de contas, é essa a posição oficial dos órgãos de soberania nacionais, reunindo largo consenso social e político no país, tal como sucede na generalidade dos estados da União Europeia. O que incomoda é o tom moralista do discurso, evocativo de uma superioridade moral da Europa, portadora dos valores certos e que como tal tem o dever de evangelizar os povos africanos, asiáticos ou latino-americanos que ainda não viram a luz da Civilização.

Um discurso que tresanda a hipocrisia, e que fora do mundo ocidental há muito deixou de ser levado a sério: pouca gente, fora da Europa, está disposta a aceitar lições de moral de países que colonizaram e escravizaram meio mundo e que no século XX foram responsáveis por duas guerras mundiais, as mais sangrentas que a humanidade até hoje conheceu. A Europa tem as mãos sujas de sangue, e se agora se incomoda com a guerra na Ucrânia é porque se desabituou de ter conflitos desta dimensão dentro das suas fronteiras geográficas.

Na verdade, com as guerras nas outras partes do mundo pode ela bem. Basta ver as agressões quotidianas do exército israelita às populações palestinianas nos territórios ocupados e comparar a comoção que nos despertam a morte e a destruição na Ucrânia com a indiferença geral perante os assassinatos, as ocupações de terras ou a demolição de edifícios na Palestina, obras do terrorismo de estado israelita. Em 2023, já morreram 64 palestinianos às mãos de militares ou colonos israelitas. Aos sobreviventes, roubam-lhes as terras, desviam a água, destroem as casas, cercam as povoações construindo em volta dos guetos palestinianos novos muros da vergonha. É um autêntico genocídio em lume brando, mas este conflito que dura há 75 anos só reaparecerá nos telejornais quando algum palestiniano desesperado matar dois ou três israelitas num ataque suicida.

Mas nem é preciso ir tão longe: basta mirar o que se passa aqui bem perto, do outro lado do Estreito de Gibraltar, onde a Europa fecha os olhos, complacente, à invasão marroquina do Saara Ocidental e às cumplicidades de alguns países, como a vizinha Espanha, com a integração forçada, à margem do direito internacional e das resoluções da ONU, do povo saraui e do seu território no reino marroquino. Uma situação muito semelhante à que existia em Timor-Leste no tempo da ocupação indonésia: só que esta bulia com a nossa má consciência de antiga potência colonizadora; aquela esbarra na carapaça dos interesses comerciais e geoestratégicos das relações com Marrocos e na ignorância e indiferença generalizadas entre a opinião pública europeia.

Obviamente, a hipócrita duplicidade de critérios não convence, e os países do que antigamente se chamava Terceiro Mundo norteiam a sua política externa como durante séculos os europeus os ensinaram a fazer: sobre princípios ou amizades, prevalecem os interesses. E se as grandes empresas europeias da energia, da distribuição ou do armamento são as primeiras a aproveitar o estado de guerra para aumentar os seus lucros, não há razão para que a Índia ou a China deixem de aproveitar o petróleo barato e outras vantagens que a Rússia lhes pode oferecer.

Dito isto, creio que poderá ainda haver esperança, apesar de tudo, para uma Europa respeitada e influente no mundo. Assim consiga ela, no seu conjunto, deixar de agir internacionalmente em subordinação aos interesses dos EUA, falando a uma só voz através de líderes eleitos e não de comissários políticos postos em bicos dos pés. Demonstrando empenho genuíno na conquista da paz em todo o mundo, e não apenas no seu quintal das traseiras.

Pensamento do dia

Adoro todos os que questionam o profissionalismo de um professor que se diz “farto” das faltas de respeito. Contudo, é curioso que aqueles que o fazem nunca tenham posto os pés numa aula do ensino obrigatório. O que, por sinal, é muito mais exigente do que ser um guru.

Pois bem, há alguns que nunca poderiam dar aulas no ensino obrigatório. A única coisa que lhes peço é que, por favor, parem de aconselhar sobre o que não sabem.

E não me parece mal que algumas pessoas escolham outra profissão ou que ensinem em níveis mais avançados. Cada um tem os seus próprios problemas e a sua forma de actuar. Todo o respeito por eles. Um respeito que também exijo para quem anda metido noutras alhadas.

Jordi Martí

Uma entrevista sem papas na língua

Agora que a luta dos professores enche primeiras páginas dos jornais e abre noticiários televisivos, alguns dos nossos colegas mais mediáticos vão sendo chamados, não apenas a dar opiniões avulsas de 30 segundos, mas verdadeiras entrevistas. Foi o caso de Luís Sottomaior Braga, professor, blogger, activista, subdirector de agrupamento. Questionado sobre os temas quentes do momento, respondeu com a habitual assertividade e frontalidade. Sem papas na língua, que é como dá gosto de ouvir e ler, aqui ficam alguns excertos de uma peça a ler integralmente.

Eu arrisco-me a ser alvo de um processo por dizer isto, mas digo sem problema nenhum: seria interessante saber qual o financiamento que o Estado dá à CONFAP para esta funcionar. Discutindo essa ligação ao Estado, através do subsídio, acho que aí entendemos o que a CONFAP anda a dizer.

A CONFAP está muito preocupada com o problema da recuperação das aprendizagens, das aulas perdidas por causa da greve – mas ainda não vimos a CONFAP a ter um discurso estruturado sobre a falta de professores, que é generalizada e que vai crescer.

É triste uma democracia reprimir os professores. A única discussão que o regime democrático está a ter, em relação aos professores, é cortar salários. Hoje, financeiramente, estudar é pior do que a especulação mobiliária banal. Temos de reflectir que país é este. O modelo da sociedade portuguesa não privilegia a educação, acha que a escola é acessória.

Se o Governo fosse inteligente, mandava calar o deputado Porfírio Silva. Eu estou convencido de que, cada vez que o deputado Porfírio Silva fala, mais professores aparecem na manifestação seguinte. Ele fala de uma realidade que julga conhecer mas não conhece; e é agressivo”.

Espero que o Governo faça uma reflexão estratégica e que mude a forma como lidar com a educação. O Governo tem que ter pessoas competentes – e o nosso ministro da Educação (João Costa) é incompetente, politicamente, para lidar com os assuntos da educação. É professor catedrático, do ensino superior, e acha que conhece bem o sistema, mas conhece mal. E já manifestou o seu desconhecimento. Além de ser um subordinado do ministro das Finanças. Precisamos de alguém com peso político, que dissesse ao ministro das finanças que a educação tem de ser uma prioridade financeira. 331 milhões de euros por ano (custo da recuperação integral das carreiras dos professores) é pouco dinheiro, no orçamento geral do Estado. Gastámos muito mais em bancos pequenos, que fomos salvar só pelo princípio de que temos de salvar bancos.

O líder da oposição diz que tem de se dar o tempo possível. Isso é uma formulação completamente hipócrita, até porque o PSD teve a oportunidade de resolver isto na legislatura anterior e não deu o passo em frente”.

Os serviços mínimos obrigatórios não vão travar este movimento. Estamos a lidar com pessoas criativas, que têm soluções. Não são pessoas que não têm cultura; são pessoas que transmitem cultura à sociedade.