A legislação que regulamenta a vida profissional dos professores é quase sempre extensa, confusa e por vezes contraditória. Cada vez que um novo quadro legal é estabelecido, a desorientação é ainda maior, não só pelas mudanças introduzidas para o futuro, mas também devido às normas transitórias que geralmente são instituídas.
Na tentativa de clarificar a lógica de funcionamento do novo modelo de concurso externo, o nosso colega Francisco Oliveira partilhou, na sua página do Facebook e nalguns grupos de professores, este fluxograma que divulgo também. É seguramente um útil contributo a uma primeira abordagem ao novo quadro legal dos concursos, mobilidades e vinculações.
Não dispensa, como é óbvio, a leitura atenta da legislação em vigor, nem o autor se responsabiliza, e faz muito bem, por qualquer divergência de informação. Ponderação, responsabilidade e cabeça fria na hora de concorrer é o que se recomenda. Somos todos já bem crescidinhos…
Para quem reúne as condições para vincular o embarque pode ser já no concurso para 2023/24, rumo à vinculação numa escola bem perto de si.
O pior vem depois. A vaga é só por um ano e manter o vínculo implicará concorrer, no ano seguinte, a nível nacional.
Nova corrida, nova viagem, desta vez para um destino que, sobretudo no caso dos que menos graduados, será quase de certeza uma daquelas zonas do país para onde ninguém quer ir, porque não vai ganhar para as despesas: Grande Lisboa, Algarve e boa parte do sul do país.
É a solução, em forma de ovo de Colombo, que o ME congeminou para contrariar a falta de professores: obrigá-los a aceitar colocações contra a sua vontade e sem quaisquer compensações. Esquece-se de que está a lidar com profissionais já com décadas de serviço, com a sua vida constituída e a grande maioria com responsabilidades familiares, como se estivessem a aliciar jovens em início de carreira.
A dúvida, para já, é saber, entre os que irão ao engano e os que sabem no que se metem mas já estão por tudo, quantos cairão na armadilha…
Publicada fora de horas, mas ainda com data de 10 de Maio, a Portaria 118-A/2023 fixa as vagas para a chamada vinculação dinâmica. São no total 8 223, mas ninguém se iluda, até porque a própria portaria não deixa de o recordar: todas estas vagas agora abertas serão extintas no próximo concurso, quando os novos vinculados forem obrigados a concorrer a nível nacional.
A maior fatia (perto de 40%) das vagas agora disponibilizadas corresponde ao QZP1. Um chamariz para os candidatos à vinculação, já que a grande maioria estão radicados no norte do país. Já nos quadros de zona do sul, o número de vagas é quase residual.
Estes são os compromissos assumidos ontem, dia 9 de Maio, pelo ministro João Costa. Hoje, dia 10 de Maio, em hora de final de expediente, ainda não foi publicada nem a anunciada portaria das vagas, que era suposto sair ontem, nem o aviso de abertura do concurso.
Diário da República, print às 19h de 19/05/2023
Claro que não vem mal nenhum ao mundo se o concurso abrir só na próxima semana, em vez de hoje ou amanhã. Dispensavam-se era estes anúncios solenes antes de terem a casa arrumada.
Sabemos que promessas não cumpridas são especialidade deste e da maioria dos governos que tivemos na história recente da nossa democracia. Que criar falsas expectativas é um truque de baixa política que por vezes rende dividendos a governantes que não sabem ou não querem fazer melhor.
Mas neste caso nem se consegue perceber o que ganha o ministro em prometer o que não estaria em condições de cumprir, evidenciando tanto a incompetência própria como a dos serviços que dirige.
Ao contentamento do ministro, que nos quer convencer que a nova legislação estabilizará as vidas dos professores até aqui contratados, satisfazendo ao mesmo tempo as necessidades das escolas, e já vai prometendo a abertura de mais vagas do que as inicialmente anunciadas, contrapõem-se as posições de sindicatos e partidos políticos, que não poupam críticas ao decreto-lei ontem publicado.
Contra as pretensões dos professores, mas com a condescendência do Presidente, o Governo tem finalmente o instrumento legal que desejava para resolver tanto o problema recorrente da falta de professores nalgumas zonas do país como a situação degradante e por vezes dramática de dezenas de milhares de docentes “com a casa às costas”. Se falharem nos seus objectivos mil vezes enunciados, não venham, como de costume, procurar terceiros a quem atirar as culpas…
“O Presidente da República promulgou o diploma do Governo que regula a titularização e os concursos para seleção e recrutamento do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário”, adianta Marcelo Rebelo de Sousa, na nota divulgada esta segunda-feira no site da Presidência da República. (…)
Nesse contexto, Marcelo Rebelo de Sousa relembra que “tem acompanhado, de muito perto” o braço de ferro entre o Ministério da Educação e sindicatos de professores, quer através do contacto com o Governo, quer através do contacto com associações sindicais.
Nesse sentido, o Presidente da República sublinha que o atual diploma está longe daquilo que pretendia e lamenta que o Governo não tenha acolhido as sugestões propostas pela Casa Civil da Presidência da República. Mas, diz que decidiu promulgar o diploma, dado que adiar ou recusar a promulgação “representaria adiar as expectativas de cerca de oito mil professores, além de deixar sem consagração legal algumas das suas reivindicações pontuais, aceites pelo Governo”.
O Chefe de Estado, “espera, contudo, que o diálogo com os professores prossiga, nomeadamente quanto ao futuro dos professores agora vinculados por um ano, assim como quanto à recuperação faseada do tempo docente prestado e ainda não reconhecido”, acrescenta a nota divulgada.
Uma notícia esperada, mas não desejada, pela generalidade dos professores. Mesmo reconhecendo as insuficiências de um diploma em relação ao qual nenhuma das principais reivindicações sindicais foi tida em conta e onde as alegadas “cedências” mais não são do que regras decorrentes da legislação europeia a que o Governo estaria sempre obrigado, o Presidente prescindiu de recorrer o veto político, uma arma de que usa e abusa noutras circunstâncias: veja-se as vezes que já conseguiu, por essa via, evitar a promulgação da lei da eutanásia…
A verdade é que não é tradição da política portuguesa o uso do veto presidencial em questões de lana caprina, e para Marcelo, tal como para a generalidade dos políticos do centrão, os problemas dos professores são isso mesmo: mera gestão administrativa de carreiras e colocações. Na hierarquia dos factos políticos, muito abaixo das galambices e outras tricas da governação. Nada que valha a pena introduzir no já complicado xadrez político que se antevê, daqui para a frente, na relação entre Governo e Presidente.
Neste contexto, a alegação de não querer prejudicar professores com o adiamento da nova legislação soa a desculpa de mau pagador: diversas vezes, e por vários interlocutores, lhe foi explicado que o que pode causar danos irreversíveis à carreira e às colocações docentes são as regras injustas e arbitrárias, não o aperfeiçoamento de um decreto que, da forma como está, não irá melhorar a vida dos professores nem resolver o problema da falta de docentes.
Ainda assim, Marcelo tenta dar aos professores um prémio de consolação e apela ao Governo para que aposte no diálogo em torno da recuperação faseada do tempo de serviço. Teme-se, no entanto, que os governantes dêem à recomendação o mesmo destino que têm dado a tudo o resto que lhes é proposto, quando em cima da mesa estão as questões dos professores…
O boneco está bem apanhado e a ideia subjacente faz sentido: agora que anda de candeias às avessas com o Governo e já percebeu que com falinhas mansas ninguém o leva a sério, tem uma boa oportunidade de se reconciliar com os professores, a classe profissional a que sempre reclamou pertencer.
Vam’lá ver, como diria o outro: há sérios problemas no recrutamento e colocação de professores, com vastas áreas do país onde certos horários docentes chegam a estar meses sem serem atribuídos. Ao mesmo tempo, é notório que o problema maior não está – ainda! – na falta de profissionais habilitados, mas nas condições pouco ou nada atractivas destas ofertas de emprego.
Manda o mais elementar bom senso que, sendo o desafio maior o de tornar atractivos e compensadoras as colocações, sobretudo as que implicam deslocações para longe do agregado familiar, se promovesse um diálogo aprofundado com os professores e os seus representantes, desde logo para perceber o essencial: o que pretendem os professores, que hoje se vêem impedidos de aceitar certos horários, para que o possam fazer? Em que condições aceitam professores do norte, por exemplo, ir dar aulas para o Algarve, sem que os obriguem a ficar por lá indefinidamente? Sendo certo que muitos nunca o farão, por razões pessoais ou familiares que há que respeitar, que compensação justa haverá que garantir aos que aceitem o sacrifício?
Em vez do vergonhoso diálogo de surdos promovido pelo ministro nas reuniões pseudo-negociais, deveria ter mostrado, antes de mais, disponibilidade para ouvir, entender a dimensão dos problemas, o estado de espírito que existe do outro lado ao fim de décadas de desgaste em colocações precárias, determinadas por regras arbitrárias e injustas. Elaborando, a partir daí, propostas sensatas e realistas. Em vez disto, o ministro optou por confiar, uma vez mais, nos maus conselhos dos seus cortesãos e nos seus próprios dotes de habilidoso das palavras, acreditando que poderia enganar os professores, convencendo-os, com palavras ocas e promessas vãs, a aceitar um decreto que contraria os seus interesses.
O decreto-lei do nosso descontentamento está agora para promulgação no Palácio de Belém. O Presidente Marcelo tem plena consciência de que é um mau diploma, que não foi negociado de boa-fé com os representantes dos trabalhadores, como obriga a lei em relação a estas matérias. Razão mais do que suficiente para exercer o veto político, competência que a Constituição legalmente lhe confere.
Quando às alegadas preocupações presidenciais com a não entrada em vigor do decreto a tempo dos próximos concursos, eventualmente prejudicando oito mil contratados que iriam vincular onde provavelmente não querem ficar, há que sossegar o Presidente, pois no sector da Educação chegámos há muito ao ponto-Tiririca: pior do que está, não fica! O que é preciso, daqui para a frente, é começar a governar bem…
Marcelo Rebelo de Sousa tem até 13 de Maio para decidir se veta ou promulga o novo diploma dos concursos de docentes, e assume que a decisão não é fácil: se por um lado gostaria que o Governo tivesse introduzido alterações à versão final, que não mereceu acordo dos sindicatos nem parece ter agradado ao Presidente, por outro lado diz não querer prejudicar os 8 mil professores que, ao abrigo da nova legislação, poderiam vincular já no próximo ano lectivo.
Mas a argumentação parece-me algo falaciosa: com um concurso inteiramente informatizado, os atrasos decorrentes de uma promulgação tardia são facilmente recuperáveis, assim os serviços ministeriais imponham a si próprios o ritmo de trabalho e organização que exigem às escolas. É preferível esperar mais um mês ou dois, ou até mesmo, na pior das hipóteses, mais um ano, e ter um melhor regime de recrutamento, do que ter pressa em aprovar uma má lei, desfasada dos problemas e da realidade do sistema educativo. Até porque, com as normas que o ME pretende aprovar, muitos dos docentes em condições de vincular simplesmente não irão concorrer nas condições penalizadoras que lhes querem oferecer.
Gostaria de estar enganado, mas o que sugerem as palavras de Marcelo é que já decidiu promulgar. Evitar alegados prejuízos para 8 mil docentes soa a desculpa quase perfeita para a justificar uma má decisão. Que, em boa verdade, não convence nem o próprio Presidente…
Numa luta intensa e prolongada, mas com poucos resultados para os envolvidos, é curioso notar que os maiores ganhos que os professores têm alcançado nos últimos tempos resultam mais da dificuldade crescente em os arranjar do que da sua presença.
O que tem a sua lógica, perante um ministério que convive bem com uma carreira docente desvalorizada, professores desmoralizados, facilitismo pedagógico e avaliativo, burocracia e indisciplina galopantes, mas lida muito mal com a falta de professores nas escolas e turmas inteiras de alunos sem aulas.
Até podem, entre pandemias, greves, reformas e contra-reformas educativas, pedagogia eduquesa e malabarismos curriculares, não aprender grande coisa. Mas desde que algum professor leve os meninos para a aula, escreva um sumário e se ocupe o tempo de alguma forma, o ME dá-se por satisfeito.
A última novidade vem na forma de mensagens que os directores e candidatos à contratação andam a receber: já não serão excluídos do concurso se recusarem uma colocação que lhes desagrade. A penalização prevista na lei fica sem efeito; e assim sempre são mais uns quantos que se mantêm nas listas de recrutamento. Necessidade, a quanto obrigas!…
A demora na publicação do novo decreto-lei dos concursos – que pode nem entrar em vigor se o Presidente se decidir pelo veto – leva o Governo a aplicar a lei ainda vigente na definição de vagas ao abrigo da norma-travão. Afinal, a promessa de vinculação de mais de dez mil contratados parece ter caído, para já, em saco roto…
Sendo este um diploma sem existência legal por agora, o Governo avançou para a fixação, em portaria, das vagas existentes para o concurso externo, que nos últimos anos se tem destinado à vinculação dos professores contratados que cumprem os requisitos da chamada “norma-travão”. Pela portaria publicada em Diário da República, estão abertos 2401 lugares, contra os cerca de 10.700 que o Ministério da Educação inscrevera no novo diploma dos concursos por ter aberto a porta a novos critérios para entrar nos quadros que não estão previstos nas normas que definiu para a norma-travão.