Pensamento do dia

Querem acabar com o 2.º CEB, que alegadamente não existe em mais nenhum país europeu. Mas se a ideia é uniformizar com os restantes sistemas educativos, e não apenas discutir um tema acessório para que não se fale do que é essencial, então há duas pelo menos duas idiossincrasias ainda mais óbvias no nosso sistema que, aparentemente, ninguém deseja mudar.

Uma é o anacrónico sistema classificativo de zero a vinte em uso no secundário, completamente desfasado de todos os princípios e normativos que regem a avaliação dos alunos.

Outra são os mega-agrupamentos de escolas que, com a configuração e as competências atribuídas, não encontram paralelo em nenhum outro sistema de organização escolar. Uma singularidade portuguesa que não colhe inspiração em lugar algum mas que alguém, supostamente para poupar dinheiro, inventou…

É teste?!…

Cenas do quotidiano escolar, que todos conhecemos demasiado bem.

E é claro que a culpa é do/a professor/a, que não avisou vinte vezes…

(c) Txitxa

Listas de desejos

O próximo ano ficará marcado pela continuação da luta dos docentes na melhoria da carreira e pela realização de exames nacionais em formato digital. A falta de professores será o grande desafio do Governo que será eleito em março.

A terminar o ano, o DN ouviu as expectativas de professores e directores escolares em relação a 2024. Depois de um ano marcado por intensas lutas laborais, com numerosas greves e manifestações, pelo agravamento do problema da falta de professores e pelo declínio nas aprendizagens, consequência de reformas educativas apressadas e contraproducentes e claramente evidenciado quer pelos resultados do PISA 2022 quer pelo relatório preliminar das provas de aferição realizadas em 2023.

Ainda assim, 2024 será o início de um novo ciclo político, o que pode justificar moderadas esperanças da parte dos actores educativos. Alberto Veronesi advoga a revisão dos currículos, da avaliação docente, do modelo de gestão, da carreira docente e dos respectivos índices remuneratórios. Paulo Guinote pede mudanças corajosas na gestão escolar e na avaliação de professores e alunos. Luís Braga critica a propaganda falaciosa e aponta a necessidade de um ministro a pensar e a agir em nome da Educação, em vez mais um dos agentes de marketing que nos têm saído na rifa. Pouco optimista, Arlindo Ferreira destaca a capacidade negocial como uma exigência fundamental para que comecem finalmente a ser resolvidos os problemas e bloqueios do sector. Uma ideia que os representantes sindicais reforçam, mostrando-se disponíveis tanto para negociar como para prosseguir na senda do protesto e da luta se não houver abertura para o diálogo e a resolução dos problemas da parte do novo Governo.

Mais profícuo em ideias e expectativas, o discurso palavroso de Filinto Lima destaca-se dos restantes. O mais conhecido representante dos directores defende a recuperação do tempo de serviço dos professores como condição fundamental para devolver paz às escolas. Num registo optimista, esta é apenas a primeira de um conjunto alargado de propostas…

Com o olhar posto no futuro, Filinto Lima afirma ser necessária, no próximo ano, a resolução de vários problemas, alargando o Plano de Recuperação de Aprendizagens, “por mais um ano letivo” e uma maior aposta na disciplina de Português Língua Não Materna (PLNM). “A chegada em massa, numa frequência quase diária, de jovens oriundos de outros países, transformou positivamente as escolas em ambientes mais e mais multiculturais, mas gerou também um enorme desafio, sendo urgente diminuir o número de alunos por grupo e aumentando o número de horas atribuídas de PLNM”, avança. Esse reforço, conta, deve também acontecer nas Equipas Multidisciplinares de Apoio à Educação Inclusiva, sendo “urgente dotar as escolas de profissionais especializados”. Nas escolas, salienta Filinto Lima, faltam também assistentes operacionais. Por isso, pede a alteração da “portaria do rácio que calcula o número destes profissionais a que cada estabelecimento de ensino tem direito”. “As autarquias cumprem o legislado, por vezes até o ultrapassam, mas é premente aumentá-lo”, alerta.

Uma das maiores preocupações dos diretores escolares é a escassez de professores, um dos motivos que levou, na opinião do presidente da ANDAEP, à descida dos resultados dos testes PISA. “No caso de Portugal, a escassez de professores e a dificuldade em promover as substituições, deixam, ano após ano, milhares de alunos sem professor durante um tempo largo”, lamenta. Apesar dos problemas da escola pública elencados por Filinto Lima, o responsável vê 2024 “de forma positiva e esperançosa”. “Penso que o próximo Governo, independentemente da ala política de onde advirá, irá eleger efetivamente como prioridade um investimento robusto na Educação, apostando na atribuição às escolas de mais recursos humanos, dando continuidade ao processo de desburocratização no que respeita à ação e às atribuições dos docentes e diretores; procedendo à alteração da avaliação do desempenho, melhorando os moldes de concursos de professores, promovendo a requalificação das escolas em estado de degradação”, conclui.

O regresso das grelhas

Regresso não será bem, pois elas sempre estiveram entre nós.

E a “escola digital” também não nos livrou da papelada: a aparente facilidade com que se reproduzem textos e documentos e se multiplicam plataformas aumentou, não diminuiu, a burocracia escolar. Por muito que o ainda ministro e as suas comissões para a desburocratização digam o contrário.

Nunca, em nome do rigor, se complicou tanto a avaliação; e nunca a avaliação, com as adequações à medida impostas pelo «54», foi tão pouco rigorosa.

(c) Txitxa

Persistência ou teimosia?

Há algum professor a fazer esta greve?

A sério, gostaria de saber.

Há conselhos de turma a ser adiados, avaliações a falharem os prazos?

Não deveria o sindicato que convoca divulgar o impacto da greve e os níveis de adesão?

Ou são exigências que só se aplicam às iniciativas dos sindicatos que fazem a luta fofinha?

Avaliações terminais com serviços mínimos

Foram decretados serviços mínimos para a greve dos professores às avaliações do 9.º, 11.º e 12.º anos. A informação foi divulgada esta terça-feira à noite.

O colégio arbitral decidiu ainda serviços para a prova final de Matemática do 9.º ano, marcada para dia 16 deste mês, nomeadamente a existência de dois professores vigilantes, por cada sala, e um professor coadjuvante.

Na greve às avaliações do 9.º, 11.º e 12.º anos, será ainda obrigatório disponibilizar aos conselhos de turma as propostas de avaliação resultantes da sistematização, ponderação e juízo sobre os elementos de avaliação de cada aluno; e a realização pelos conselhos de turma das reuniões de avaliação interna final, garantindo o quórum mínimo e necessário.

Os colégios arbitrais continuam a esticar a corda, exorbitando das suas funções ao tecer considerandos que configuram verdadeiros processos de intenções acerca dos sindicatos e trabalhadores em greve. Ora se o adiamento das avaliações do 12.º ano interfere com a conclusão do secundário e o processo de candidatura ao ensino superior, as avaliações dos outros anos e disciplinas terminais poderiam bem fazer-se uns dias mais tarde. E não é o colégio arbitral que tem de presumir que ao adiamento corresponderá nova greve. Primeiro, porque essa é uma decisão que só cabe aos trabalhadores e aos sindicatos que os representam. Em segundo lugar porque, como disse ontem o ministro João Costa no Parlamento, são precisos dois para o tango. Uma greve tanto pode ser marcada devido à intransigência negocial do Governo como ser desconvocada perante a abertura de uma negociação séria com os sindicatos. O que não é admissível é que um colégio arbitral supostamente isento tome tão claramente partido por um dos lados da contenda.

Vejam-se os dois acórdãos referentes às greves às avaliações e atente-se na argumentação capciosa que é usada. Note-se também, no primeiro documento, a posição do representante dos trabalhadores, que vota vencido – e explica porquê – uma decisão tomada à medida dos interesses governamentais.

N Processo: 25/2023/DRCT- ASM

N Processo: 27/2023/DRCT- ASM

Greve aos exames e avaliações finais

Nove organizações sindicais de professores anunciaram hoje que vão fazer greves aos exames nacionais e às avaliações finais.

Ficou ainda a promessa de manter a luta no próximo ano letivo, se os problemas se mantiverem.

“As organizações sindicais aqui hoje reunidas decidiram avançar com greve aos exames e greve às avaliações finais”, revelou o secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), Mário Nogueira.

“E mais, também decidiram que, se mesmo assim chegarmos ao final do ano letivo e os problemas se mantiverem, no início do próximo ano letivo, os professores cá estarão para continuar a sua luta”, acrescentou.

Confirmam-se as previsões de um final de ano lectivo conturbado, uma situação que não interessa a ninguém – nem alunos, nem professores, nem o próprio ministério têm alguma coisa a ganhar com a instabilidade que se vive há meio ano no sector – mas a intransigência negocial de João Costa deixa os professores inconformados sem alternativas.

Quanto ao STOP, que tinha já anunciado greve às avaliações na semana de 5 a 9 de Junho, viu ontem o colégio arbitral solicitado pelo ME decretar serviços mínimos, mas apenas às reuniões de avaliação do 12.º ano.

O Tribunal Arbitral decretou serviços mínimos para a greve às avaliações finais, convocada pelo Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (Stop), mas apenas para as avaliações do 12.º ano.

A decisão, publicada na terça-feira, refere-se a uma greve a todos os procedimentos relacionados com as avaliações finais dos alunos, incluindo reuniões, entre os dias 5 e 9 de junho, convocada pelo Stop.

Formação é castigo?

Para este ministro e os seus apoiantes, parece que sim. A primeira reacção, a mais visceral, que sai aos defensores da burocracia pseudo-pedagógica do MAIA é chamar ignorantes aos seus detractores: não conhecem o projecto, como se eles próprios se interessassem por mais alguma pedagogia além da que é emanada pelo ministério; não sabem o que é “avaliação pedagógica”, como se qualquer avaliação escolar pudesse não o ser; usam a formação, na modalidade de mais do mesmo, como um castigo a aplicar aos recalcitrantes, como se a persistência no erro fizesse de alguém melhor profissional.

Vem isto a propósito de uma colega, maiata irritada e irritante que, descontente com a petição Fim do Projeto MAIA e as perto de doze mil assinaturas que já conseguiu reunir no momento em que escrevo estas linhas, resolveu fazer também uma petição. Esta a pedir mais formação para quem desdenha de um projecto tão brilhante que até o seu principal mentor o abandonou.

A argumentação, ou falta dela, não se desvia muito do que já ficou dito e parte, como toda a medíocre teoria da “avaliação pedagógica”, de pressupostos errados: a de que com uma avaliação mais rigorosa os alunos obtêm melhores resultados. Que o problema do insucesso é a falta do “feedback” adequado. Que com a magia do MAIA todos os alunos aprendem, mesmo os que não querem aprender.

Na verdade, o que o MAIA faz é burocratizar a avaliação, na tentativa de generalizar procedimentos que, podendo ser válidos e eficazes numas disciplinas, não o são noutras; e ignorando não só as especificidades inerentes às diferentes áreas disciplinares mas também as disparidades ao nível da carga horária de cada uma. É possível avaliar da mesma forma trabalhando em monodocência e com apenas uma turma ou tendo sete, oito, ou ainda mais, como sucede frequentemente a partir do 2.º ciclo, com uma ou duas centenas de alunos?

Um pouco de pensamento “reflexivo” – que para alguns se reduz a obedecer cegamente aos reptos do ME e dos seus comissários políticos – deveria fazer-nos compreender a profunda contradição que grassa na pedagogia do regime entre o desenvolvimento curricular e a “avaliação pedagógica”: enquanto naquele se privilegia uma visão “holística” do currículo, exortando-se os professores a quebrar as compartimentações do saber entre as disciplinas tradicionais, reorganizando o currículo com base nos projectos educativos e na “autonomia das escolas” e promovendo a interdisciplinaridade através dos DAC, na avaliação prevalece a rigidez conceptual que coloca avaliação formativa e sumativa em compartimentos estanques e que na prática representa um claro retrocesso em relação aos avanços das últimas décadas e a uma aplicação plena do princípio, esse sim eminentemente pedagógico, da avaliação contínua.

Ao contrário dos pedagogos de cátedra ou de gabinete, não tenho pretensões a teorizar sobre avaliação. Mas preocupo-me em aplicar o que os livros e a experiência me foram ensinando no dia a dia da profissão. E cada vez encontro menos vantagens em separar o formativo do sumativo, ou o avaliar do classificar. Romper o cerco em que as formulações maiatas nos querem encerrar reconduz-nos à avaliação verdadeiramente pedagógica que deve estar presente em todo o processo de ensinar a aprender. Esta visão integrada é que nos permite também, fugindo a excessivos formalismos avaliativos, aproveitar o máximo de tempo disponível para o que verdadeiramente interessa, que é o processo de aprendizagem.

Por exemplo, uma ficha formativa pode servir para o aluno rever matérias, superar dificuldades, obter feedback sobre os seus inconseguimentos. Mas também permite ao professor verificar como o aluno trabalha, avaliando a forma como pesquisa ou relaciona informação, como aplica conhecimentos adquiridos ou o empenho e a persistência que demonstra no seu trabalho. Da mesma forma que um teste sumativo pode e deve ter um carácter formativo: seria um desperdício de tempo que um teste servisse apenas para classificar os alunos, sem lhes proporcionar qualquer aprendizagem real.

Tudo isto, claro, são meras reflexões de um professor a pensar fora da caixa, tentando ir um pouco além das teorias que norteavam a formação de professores nos anos 90 e nas quais alguns parecem ter cristalizado. Muitos colegas de ofício certamente me entenderão, mas que não sei se estas heterodoxias alcançarão as alturas onde planam as mentes formatadas de alguns doutores da pedagogia.

O MAIA vai ao Parlamento

Em vez de se recusarem em massa a produzir as grelhas maiatas, com a mesma vontade e energia que dedicam, e muito bem, aos protestos fora das escolas, os professores preferem confiar nos deputados da Nação para erradicar das escolas uma das maiores aberrações pedagógicas que algum ministério já produziu.

Claro que uma discussão parlamentar pode sempre ser clarificadora, colando o partido que suporta o Governo às más políticas que este leva a cabo, contra o parecer de quem as executa. E não deixa de ser interessante confrontar a retórica da “autonomia das escolas” com a posição de milhares de professores que, por imposição dos respectivos directores, estão a ser forçados a aplicar um projecto em que não acreditam e que, nas suas versões mais malignas, consegue ser um verdadeiro atentado à saúde mental dos professores, sobretudo dos que têm muitos alunos e poucos tempos lectivos semanais. E que, se aplicassem à risca todos os preceitos da avaliação maiata, praticamente deixariam de ter tempo para ensinar o que quer que fosse…

Com cerca de 8400 assinaturas, recolhidas em quatro dias, há mais uma petição lançada por professores que já ganhou direito a ser apreciada em plenário da Assembleia da República. O alvo é agora o chamado projecto MAIA – Monitorização, Acompanhamento e Investigação em Avaliação Pedagógica, que começou a ser aplicado nas escolas em 2019.

Segundo a descrição apresentada pelo Ministério da Educação (ME), este “projecto constitui-se como um esforço concertado a nível nacional” com o objectivo de criar “condições para que a avaliação pedagógica seja integrada nos processos de desenvolvimento curricular e, desse modo, se articule com o ensino e com aprendizagem”.

Mas de acordo com a professora de Matemática do 3.º ciclo e ensino secundário que lançou a petição, Dália Aparício, o projecto MAIA “reduz a educação e avaliação a um processo burocrático”. “O excesso de trabalho que este projecto trouxe à escola leva os professores a perderem a autonomia científica e pedagógica, e traduz-se em menos tempo disponível para os alunos e para a preparação das aulas”, especifica nas razões apontadas para solicitar o fim desta experiência e que, no essencial, se repetem, com mais ou menos pormenores, nas 34 páginas de comentários que, ao princípio da noite desta segunda-feira, acompanhavam a petição.

A greve que falta

Sem desmerecer em nenhuma das muitas que já foram convocadas, esta é a greve que falta fazer, com adesão de todos os professores (bom, todos talvez não, excepcionemos as tristes almas que inventam estas cenas…): a recusa em massa do preenchimento destas porcarias que nasceram para consumir, desgastar e humilhar os professores, sem qualquer ganho para os alunos. Dando uso a tão proclamada autonomia das escolas, rejeitar estas inutilidades nos departamentos e grupos disciplinares e, forçando os coordenadores a descer do pedestal das “lideranças intermédias”, levarem-nos a tomar posição como representantes dos colegas que efectivamente representam no Conselho Pedagógico.

Imagem exemplificativa, em circulação nas redes sociais

A este propósito, convém ainda lembrar que o ministro João Costa não nasceu para a política em 2022. Antes de chegar ao cargo, andou seis longos anos a congeminar destas coisas e – convém não esquecer, a ser aclamado por muitos professores como um grande pedagogo, o governante mais bem preparado de sempre no sector educativo, o amigo das escolas que queria “dar voz aos alunos”. Quantos suspiraram, no rescaldo das legislativas de há um ano, que o quase-ministro, o homem-sombra de Tiago Brandão Rodrigues, chegasse finalmente à liderança do ME?…

Em três intensos meses de lutas, já se questionou quase tudo o que diz respeito à profissão docente. No entanto, e ao contrário do que vejo nas lutas de professores de outros países, de pedagogia fala-se muito pouco. Mas uma boa parte do mal-estar docente nasce precisamente das condições que nos são impostas no exercício da profissão. Sendo tradicionalmente exercida num quadro de significativa autonomia científica e pedagógica, a docência vai sendo paulatinamente amarrada a orientações pedagógicas cada vez mais normativas e limitativas. Com João Costa e os seus sequazes insinua-se, cada vez mais, uma medíocre pedagogia do regime que é a causa e origem de muitos dos nossos males. Está mais do que na altura de dar cabo dela.

Adenda: já depois de publicado este post, apercebi-me de que anda a correr uma petição dirigida ao ministro para que acabe com o projecto MAIA. Com todo o respeito pelos promotores da iniciativa, quer-me parecer que não é por aí. Nunca foi decretada a obrigatoriedade do MAIA. As escolas, ou mais concretamente os seus directores, é que não souberam resistir à pressão dos comissários políticos do ME no sentido da sua implementação. Se não conseguem agora livrar-se sozinhas de uma canga que impuseram a si próprias, talvez devam repensar o objectivo de outras lutas bem mais difíceis e ambiciosas…