Contas difíceis

As contas para apurar o custo do descongelamento faseado da carreira dos professores vão ser afinadas durante as próximas semanas. A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), entidade responsável pelo estudo requerido pelo PSD, já tem a metodologia para calcular o impacto da recuperação do tempo de serviço, mas ainda precisa de tirar “algumas dúvidas” junto do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) em relação aos dados que lhe foram fornecidos pela Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE), apurou o ECO.

Em causa estão 6 anos, 6 meses e 23 dias, congelados desde o período da troika, e que o Executivo se propõe a devolver a um ritmo de 20% ao ano ao longo da legislatura, já a partir de 1 de setembro. No final da reunião da passada sexta-feira passada, o ministro da Educação, Fernando Alexandre, mostrou-se disponível para fazer “alguns ajustamentos” à proposta apresentada aos sindicatos.

Na altura, o ministro assegurou que já tem os “cálculos feitos” sobre o custo da medida, mas preferiu não os revelar, notando que “cada alteração à proposta” apresentada aos sindicatos “vai ter alterações orçamentais muito significativas”. Ao ECO, fonte oficial da tutela explicou que tais contas “foram realizadas internamente por uma equipa do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI)“, sem, contudo, responder se os montantes apurados são superiores à estimativa que tinha sido avançada pelo Executivo, de cerca de 300 milhões de euros. A tutela aguarda agora pelo estudo da UTAO.

Há uma enorme dose de desonestidade política neste jogo caricato do “quanto custa” a recuperação do tempo de serviço nas carreiras dos professores, e a razão não é difícil de perceber: qualquer que seja esse custo, será sempre menor quanto mais tempo se conseguir adiar a efectiva recuperação. Entre docentes que atingem finalmente o topo da carreira e os que se aposentam sem o terem alcançado, todos os meses são umas boas centenas que deixam de beneficiar da prometida recuperação, se e quando vier a ocorrer.

Ou haverá alguém ingénuo ao ponto de acreditar que quando ME, condicionado por forte pressão da luta dos professores, publicou o chamado “acelerador de carreiras”, não estudou previamente o impacto financeiro das medidas previstas no decreto-lei?…

Outro truque escondido com o rabo de fora é a intenção, já manifestada pelo ministro Fernando Alexandre aos sindicatos, de revogar o dito acelerador, mais propriamente o decreto-lei n.º 74/2023, descontando nos 20% de tempo a recuperar em 2024 aquele que foi recuperado sob a vigência do “acelerador de carreiras”: confundindo deliberadamente alhos com bugalhos, o governo retira com uma mão o que dá com a outra, fazendo com que, para dezenas de milhares de professores, a prometida recuperação fique praticamente, este ano, a custo zero.

Combatendo a mistificação nesta matéria, o nosso colega Maurício Brito continua hoje, no Público, o seu notório trabalho na desmontagem dos números aldrabados que sucessivos governos têm apresentado. E demonstra que a mais profunda crise por detrás do problema do tempo de serviço dos professores está longe de ser a crise financeira. Antes fosse…

Estivemos, portanto, ao longo de vários anos, enfrentando uma crise profunda. Não a financeira, mas uma crise de valores onde a verdade é frequentemente sacrificada no altar das conveniências políticas.

Os troca-tintas

Comemorar 50 anos de liberdade e democracia também deve passar por aqui: perceber que, se em democracia existem sempre alternativas, também nenhuma vitória é definitiva e nenhuma conquista pode ser alcançada sem luta persistente e determinada.

Os que seduzem prometendo tudo a todos para se instalarem no poder serão os mesmos que, já instalados, irão descobrir súbitas e inesperadas dificuldades para honrar promessas e compromissos que antes diziam ser prioritários. Como parece ser o caso da devolução do tempo de serviço aos professores.

Veja-se como, em menos de uma semana, o Governo começa a virar o bico ao prego…

O que o programa de Governo prevê é a recuperação dentro da legislatura, que tem quatro anos e meio. Ou seja, prevê que haja uma recuperação já este ano e depois nos quatro anos que ainda fazem parte da legislatura”, afirmou Fernando Alexandre, no final das reuniões desta quinta-feira com os sindicatos, em declarações transmitidas pela RTP3.

Recuperação do tempo congelado a professores só começa em 2025, diz Miranda Sarmento
Nenhuma promessa eleitoral feita no programa da AD deixará de ser cumprida. Com excepção do IRS e do plano de emergência para a saúde, o resto das medidas inicia-se em 2025, como o IRS Jovem, o IRC ou a reposição do tempo congelado aos professores.

António Costa mentiu!

A entrevista à TVI, em tom sóbrio, destinar-se-ia a assinalar dignamente a saída de António Costa da política activa, pelo menos ao nível nacional. A fazer o balanço da missão governativa, mas também dos muitos problemas que ficam por resolver: apoiado numa maioria absoluta, com as contas públicas em ordem e uma economia a crescer moderadamente, o governo tinha todas as condições para relançar o investimento público e realizar as reformas necessárias na Educação, na Saúde, na Habitação e na Justiça. Será difícil explicar porque não o fez, mas era escusado recorrer à mentira para justificar a inacção e até a regressão: a atitude deslustra a imagem de António Costa, e impõe aos visados o imperativo de denunciar as mentiras que, por exemplo a respeito da luta dos professores, foram proferidas.

Como pode o primeiro responsável dos últimos oito anos de governação afirmar que os professores só reivindicam a devolução do tempo de serviço, quando todas as outras matérias de negociação propostas pelos sindicatos foram sendo sistematicamente rejeitadas? Em comunicado, a Fenprof responde à letra e denuncia, preto no branco, as sucessivas fugas à verdade no discurso de António Costa.

António Costa, o ainda Primeiro-ministro, mentiu na entrevista que deu à TVI/CNN quando falou dos professores e das suas organizações sindicais.

Mentiu quando afirmou que os sindicatos não quiseram negociar condições específicas para os docentes em monodocência (educadores de infância e professores do 1.º Ciclo). Em relação a estes docentes, após muita insistência dos sindicatos, o governo incluiu no Orçamento do Estado para 2021 a tomada de medidas de compensação pela não redução da componente letiva na monodocência. Porém, não tomou qualquer medida e, no ano seguinte, o Orçamento do Estado deixou de fora essa intenção.

Já em 2023, perante, uma vez mais, a insistência dos sindicatos, o Ministério da Educação apresentou uma proposta que visava dispensar de atividade letiva os docentes em monodocência a partir dos 60 anos. Em reunião, o ministro disse que seria uma medida a aplicar progressivamente, começando pelos de 63 anos para, ano a ano, atingir os 60. Nas reuniões seguintes, o Ministério da Educação retirou o assunto da agenda, apesar de os sindicatos pretenderem iniciar o processo negocial. Instado sobre o que levara o ME a não iniciar a negociação, num primeiro momento, o ministro informou que estavam a realizar estudos para conhecer o impacto da medida; já recentemente, na última reunião que contou com a presença do ministro, a informação foi que a medida não avançava por falta de consenso dentro do governo. Portanto, repete-se, António Costa mentiu!

Mentiu, ainda, quando afirmou que os sindicatos se esgotaram na reivindicação da recuperação do tempo de serviço. É falso! A FENPROF apresentou propostas concretas sobre o tempo de serviço, mas igualmente sobre horários e outras condições de trabalho, aposentação, combate à precariedade, mobilidade por doença, entre outras, só que o Ministério da Educação recusou abrir os necessários processos negociais.

Ademais, a FENPROF participou em todos os processos negociais para que foi chamada, com propostas devidamente fundamentadas, de que é exemplo recente a formação de professores, chegando, até, a firmar um acordo sobre a vinculação de docentes das escolas artísticas, o que prova que a FENPROF não é avessa a acordos, mas celebra-os para resolver problemas dos docentes e não dos governos. 

Foi lamentável ouvir António Costa mentir. Foi indigno de um Primeiro-ministro, mesmo que com meras funções de gestão. Espera-se, para o futuro, um governo liderado por um Primeiro-ministro que respeite os professores e, assim, mereça o seu respeito.

Ainda o director plagiador

Novos desenvolvimentos no caso de plágio na Carta de Missão do director do Agrupamento de Escolas da Abelheira, já aqui divulgado e comentado:

Associação de Pais pede audiência urgente ao Ministro da Educação para intervir no caso de plágio do diretor

Confesso: o projecto educativo, o plano de intervenção e a carta de missão valem o que valem, e para mim valem muito pouco, pois servem acima de tudo para legitimar um modelo de gestão escolar centralista e burocrático, onde o que falta de gestão democrática e participada sobra em abertura à prepotência e ao autoritarismo a que alguns directores recorrem com muito poucos escrúpulos.

Há, certamente, questões mais graves, preocupantes e urgentes a discutir na Educação do que o plágio de um director num documento de referência do agrupamento que dirige. Então porque insisto em acompanhar e divulgar o caso do plágio no agrupamento da Abelheira? Obviamente não o faço por qualquer intuito de perseguição pessoal contra o director apanhado em falta, que não conheço sequer. Para além da questão incontornável da falta de ética, na instituição escolar, por parte de quem deveria ser modelo de referência para a comunidade educativa nesta e noutras matérias, o interessante deste caso é permitir questionar também a burocracia eduquesa que alimental o actual modelo de gestão e o mito da autonomia das escolas: em vez de mil projectos originais a desabrochar por todo o país, o que o controleirismo e o normativismo vigentes no ME têm produzido são sobretudo resmas e resmas de documentos que se copiam uns aos outros, sem que realmente assumam a necessidade e a importância que o quadro legal lhes atribui.

Mais: continuo a não entender porque é que, seguindo a lógica do projecto educativo e suas adjacências, a educação de uma criança do interior rural, do subúrbio industrial ou do bairro urbano de classe média-alta devam ser substancialmente diferentes. A ideia de projectos educativos ou práticas organizacionais e pedagógicas diferenciadas em função da origem social dos alunos ou do meio envolvente colide de frente com o princípio da igualdade de oportunidades que a escola deve proporcionar. Não quer isto dizer que esta não deva estar atenta ao meio em que está inserida ou às características da população escolar. Agora centrar nisso o trabalho que a escola se propõe desenvolver com os seus alunos é negar a razão de ser de uma escola no século XXI, que só pode ser abrir o mundo aos seus alunos, nunca o de os confinar ao seu espaço de pertença e às idiossincrasias do senhor director que lhes calhou na rifa.

Voltando ao início, às regras de um jogo viciado em que os documentos ditos estruturantes de um agrupamento de escolas são eventualmente feitos como calha, apenas para dar cumprimento à obrigação legal, e que o conselho geral invariavelmente aprova depois de uma leitura na diagonal: a verdade é que nenhum director concorre por engano ou obrigação: sabem ao que vão, e que documentação lhes é exigida na candidatura e quando assumem o cargo. E em lado algum lhes é sugerido que é permitido copiar…

João Costa – a Entrevista

João Adelino Faria deu ontem, entrevistando o ministro da Educação, uma lição de bom jornalismo. Mal habituado, como a generalidade dos ministros, a usar os jornalistas como pés de microfone e as aparições televisivas como tempo de antena gratuito para a propaganda governamental, João Costa convive mal com o contraditório.

Perante um jornalista preparado, assertivo e persistente nas suas questões, João Costa não foi capaz de passar a sua mensagem demagógica da forma a que está habituado, acabando por demonstrar, com a sua intervenção desastrosa, a completa ausência de uma estratégia para a resolução dos problemas e de um rumo para o sector da Educação. O ministro limita-se a navegar à vista, tentando remediar problemas de fundo com soluções avulsas e improvisadas, e isso ficou bem à vista na entrevista de ontem.

Ficou também desmontada a habitual tirada demagógica do ministro dialogante e negociador, que nunca fechou a porta do ministério aos sindicatos e que manteve sempre aberta a via negocial para resolver os diferendos com os professores. A verdade, como a contragosto foi forçado a admitir, é que para ele a questão do tempo de serviço está arrumada e quanto a novos temas a trazer à mesa das negociações, percebeu-se demasiado bem que a intenção do ministro é entreter com mais “diálogo” em torno de questões laterais, em vez de discutir o essencial.

Chega a ser patético quando, perante situações concretas e urgentes, como é o caso dos cerca de cem mil alunos que vão iniciar o ano lectivo com falta de professores, admite que as soluções estão, e assim continuarão, em estudo, como se isto resolvesse alguma coisa, agora, na vida dos alunos sem aulas ou dos professores impedidos de trabalhar por não ganharem para a despesa.

Percebeu, apesar de tudo, a dimensão geográfica do problema: tem os professores desempregados no norte e os horários disponíveis a sul. Solução, formar mais professores no sul do país. Pena não ter pensado nisso quando foi director da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde teria a oportunidade de pôr em prática, em tempo oportuno, aquilo que agora defende. Mas essa é uma crónica incapacidade das pseudo-elites que nos desgovernam: pensam pequenino e não vêem ao longe…

Um ministro troca-tintas

Ministro da Educação achava “absurdo” que se temesse falta de professores no início do ano letivo mas na véspera do arranque reconhece “problema” – que “não é novo”

Eis um ministro troca-tintas, aparentemente convencido de que se ignorar os problemas estes deixam de existir. Mas por mais fintas que se façam e ilusões que se alimentem, acabamos sempre a bater de frente na dura realidade: neste caso, num problema recorrente de falta de professores que, embora localizado como afirma o ministro, não está a ter uma resposta à altura – apenas remendos, como o recurso às contratações de escola e o escancarar da porta a professores sem as devidas habilitações.

Ainda a tentar escamotear a realidade – se o ano lectivo começasse hoje, haveria mais de cem mil alunos com falta de um ou mais professores – João Costa ensaia mais um exercício da sua especialidade, culpar as greves dos professores pela inépcia, arrogância e irresponsabilidade dele próprio e do ministério que dirige…

O ministro da Educação reiterou que o Ministério sempre demonstrou abertura para negociar com os professores e apela ao fim das greves nas escolas, voltando a acusar os sindicatos de não pensarem nos alunos e na recuperação das aprendizagens. “O Ministério da Educação nunca se afastou de negociações. Foi o Ministério da Educação que desencadeou processos negociais. As greves foram marcadas em pleno processo negocial”, acusa.

Em tão poucas palavras, eis o ministro a destilar um chorrilho de mentiras, meias-verdades e puras aldrabices. O que deveria reconhecer, se falasse com verdade e honestidade da luta dos professores: que as negociações ou, melhor dizendo, os simulacros negociais que o ME aceitou protagonizar, apenas se concretizaram perante a marcação de greves por tempo indeterminado; que sem a pressão da greve alguns processos negociais não teriam sequer existido, muito menos teriam ocorrido as calculadas e limitadas cedências com que o governo tentou dividir e desmobilizar os professores. O que empurrou os professores para as greves prolongadas que prejudicam os alunos, não lhes deixando alternativa para fazer valer as suas reivindicações, foi a intransigência ministerial. E é claro que “foi o ME que desencadeou processos negociais”. Nem poderia ser de outra forma, pois os sindicatos não têm poder legal para o fazer por sua iniciativa.

Quanto a “pensar nos alunos”, ninguém pensa mais neles, todos os dias, do que os professores que os têm diariamente nas suas aulas. E é precisamente por, durante demasiado tempo, terem pensado apenas nos alunos e na necessidade de não os prejudicar, que os professores se foram deixando iludir e enganar por quem, à frente do ministério, tão indignamente despreza os seus direitos e a sua dignidade. Se fosse tão perspicaz como se julga, já o ministro teria percebido há muito que não é possível exigir paz nas escolas sem fazer justiça aos professores.

As (des)vantagens da vinculação dinâmica

O vídeo já tem uns meses, mas só agora o descobri no canal do Youtube do Arlindo Ferreira.

O homem no palanque tenta ser convincente na explicação das vantagens da vinculação dinâmica mas, vá-se lá saber porquê, a audiência não parece minimamente convencida…

Tudo controlado

A 19 de Julho:

Ministro da Educação diz que não há atrasos

O ministro da Educação, João Costa, garantiu esta quarta-feira que não há atrasos na preparação do ano letivo 2023-2024, o que vai permitir que as escolas possam encerrar, pela primeira vez, durante uma semana do mês de agosto.

A 10 de Agosto:

Atraso no concurso adia colocação de professores

Os concursos de professores estão este ano muito atrasados e por isso os docentes vão ser colocados mais tarde do que tem sido prática nos últimos quatro anos.

Em causa estão cerca de 10 mil professores que concorreram à mobilidade interna e à contratação inicial.

“O pedido das escolas dos horários sobrantes decorre até amanhã [esta quinta-feira].

Mais palavras para quê, é um ministro português que há muito descolou da realidade, passando a acreditar apenas nas suas próprias mentiras e ilusões…

Roubo de vagas – a nota informativa

Começou por ser um powerpoint, divulgado primeiro em acções de formação sobre ADD, publicado em seguida no site da DGAE. Desde o final da passada semana, assumiu a forma de uma nota informativa, enviada às direcções escolares e publicada, durante o dia de hoje, no site da DGAE.

O objectivo anunciado é a uniformização de procedimentos referentes à ADD, nomeadamente ao cálculo de percentis, à determinação do número máximo de classificações de mérito a atribuir e à sua distribuição por cada um dos universos avaliativos. Na prática, como já aqui se explicou anteriormente, o que se pretende com estas tecnicidades é reduzir administrativamente a atribuição de classificações de mérito. Dependendo da forma como as classificações mais elevadas se distribuem pelos quatro universos de docentes avaliados, poderá haver escolas e agrupamentos onde os 5% de excelentes e os 20% de muito bons não cheguem a ser atribuídos na totalidade.

O segredo, como diria o outro, está na massa, ou seja, nas trocas e baldrocas que as novas regras vêm impor. Pois a legislação em vigor permanece inalterada e não poderia sequer ser alterada sem que houvesse pelo menos um simulacro negocial com os sindicatos. Mas também nada disto chega a ser novidade: legislar e governar com base em “notas informativas” já se tornou modus operandi habitual no partido que se diz socialista e respeitador dos direitos de cidadania, da ética republicana e do Estado de Direito.

Demagogia liberal

Esta foi a forma que a IL escolheu para comemorar o Dia dos Trabalhadores: um outdoor gigante para tentar demonstrar que o problema dos baixos rendimentos dos trabalhadores portugueses não decorre dos baixos salários praticados, com metade da população activa a auferir vencimentos a rondar o salário mínimo, ou por lá perto, mas sim dos elevados impostos pagos em sede de IRS.

Dando de barato a inconstitucionalidade evidente – a Constituição estabelece como regra a progressividade fiscal – um olhar atento para os números apresentados é suficiente para perceber o ridículo e a demagogia da proposta. Quem aufere o salário mínimo não paga IRS: logo aí temos 44% dos contribuintes para quem esta proposta nada melhora na sua situação financeira. O que lhes valeria era um aumento do salário mínimo, que continua a ser o mais baixo da Europa Ocidental, mas disso os liberais, que prezam muito os interesses de quem lhes paga os outdoors dispendiosos, não querem nem ouvir falar.

Depois, os que ganham mil euros. Já estão acima da mediana dos salários pagos em Portugal, que andará à volta dos 900 euros – outra vez os baixos salários! – mas mesmo assim a proposa liberal apenas lhes garante mais 11 euros mensais. Será com isso que irão mudar de vida?

Claro que os ganhos serão, com este sistema, tanto maiores quanto mais elevados forem os rendimentos. O quadro termina nos 2 mil euros mensais, mas é evidente que se o prolongássemos até aos 4 ou 5 mil, ou ainda mais – facilmente obteríamos borlas fiscais da ordem das centenas de euros mensais ou vários milhares de euros anuais. É uma proposta que agrava as desigualdades, num dos países mais desiguais do espaço europeu, e aqui não haverá muito a contestar.

Ainda assim perguntará, pouco convencido, o liberal dos quatro costados: qual o mal de um alívio fiscal, ainda que desigualmente distribuído? De cortar custos para as empresas que pagam salários mais elevados, aumentando ao mesmo tempo o rendimento disponível desses trabalhadores?

A resposta está, sem grandes surpresas, nas políticas neoliberais que desde a década de 80 vêm sendo paulatinamente implantadas em Portugal. O desmantelamento do sector empresarial do Estado através de privatizações, em muitos casos ruinosas, tornou as finanças públicas cada vez mais dependentes da receita fiscal, à medida que foram desaparecendo outras fontes de financiamento. A espiral do endividamento, que sucessivos governos alimentaram durante décadas, garantiu bons contratos e parcerias com empresas amigas, ajudando também a ganhar eleições. Mas acrescentou rigidez à despesa pública, cada vez mais comprometida com o serviço da dívida.

Actualmente, há muito pouca margem para reduzir impostos sem ser desmantelando serviços públicos ou entrando em incumprimento com os credores do Estado. E este, que não pode cobrar muitos impostos às empresas, para que não expatriem os lucros, nem aos estrangeiros residentes, para não os afugentar do país, vai buscar receita aos impostos sobre os trabalhadores e os consumidores, os únicos que não podem fugir…