
Esta foi a forma que a IL escolheu para comemorar o Dia dos Trabalhadores: um outdoor gigante para tentar demonstrar que o problema dos baixos rendimentos dos trabalhadores portugueses não decorre dos baixos salários praticados, com metade da população activa a auferir vencimentos a rondar o salário mínimo, ou por lá perto, mas sim dos elevados impostos pagos em sede de IRS.
Dando de barato a inconstitucionalidade evidente – a Constituição estabelece como regra a progressividade fiscal – um olhar atento para os números apresentados é suficiente para perceber o ridículo e a demagogia da proposta. Quem aufere o salário mínimo não paga IRS: logo aí temos 44% dos contribuintes para quem esta proposta nada melhora na sua situação financeira. O que lhes valeria era um aumento do salário mínimo, que continua a ser o mais baixo da Europa Ocidental, mas disso os liberais, que prezam muito os interesses de quem lhes paga os outdoors dispendiosos, não querem nem ouvir falar.
Depois, os que ganham mil euros. Já estão acima da mediana dos salários pagos em Portugal, que andará à volta dos 900 euros – outra vez os baixos salários! – mas mesmo assim a proposa liberal apenas lhes garante mais 11 euros mensais. Será com isso que irão mudar de vida?
Claro que os ganhos serão, com este sistema, tanto maiores quanto mais elevados forem os rendimentos. O quadro termina nos 2 mil euros mensais, mas é evidente que se o prolongássemos até aos 4 ou 5 mil, ou ainda mais – facilmente obteríamos borlas fiscais da ordem das centenas de euros mensais ou vários milhares de euros anuais. É uma proposta que agrava as desigualdades, num dos países mais desiguais do espaço europeu, e aqui não haverá muito a contestar.
Ainda assim perguntará, pouco convencido, o liberal dos quatro costados: qual o mal de um alívio fiscal, ainda que desigualmente distribuído? De cortar custos para as empresas que pagam salários mais elevados, aumentando ao mesmo tempo o rendimento disponível desses trabalhadores?
A resposta está, sem grandes surpresas, nas políticas neoliberais que desde a década de 80 vêm sendo paulatinamente implantadas em Portugal. O desmantelamento do sector empresarial do Estado através de privatizações, em muitos casos ruinosas, tornou as finanças públicas cada vez mais dependentes da receita fiscal, à medida que foram desaparecendo outras fontes de financiamento. A espiral do endividamento, que sucessivos governos alimentaram durante décadas, garantiu bons contratos e parcerias com empresas amigas, ajudando também a ganhar eleições. Mas acrescentou rigidez à despesa pública, cada vez mais comprometida com o serviço da dívida.
Actualmente, há muito pouca margem para reduzir impostos sem ser desmantelando serviços públicos ou entrando em incumprimento com os credores do Estado. E este, que não pode cobrar muitos impostos às empresas, para que não expatriem os lucros, nem aos estrangeiros residentes, para não os afugentar do país, vai buscar receita aos impostos sobre os trabalhadores e os consumidores, os únicos que não podem fugir…