Os troca-tintas

Comemorar 50 anos de liberdade e democracia também deve passar por aqui: perceber que, se em democracia existem sempre alternativas, também nenhuma vitória é definitiva e nenhuma conquista pode ser alcançada sem luta persistente e determinada.

Os que seduzem prometendo tudo a todos para se instalarem no poder serão os mesmos que, já instalados, irão descobrir súbitas e inesperadas dificuldades para honrar promessas e compromissos que antes diziam ser prioritários. Como parece ser o caso da devolução do tempo de serviço aos professores.

Veja-se como, em menos de uma semana, o Governo começa a virar o bico ao prego…

O que o programa de Governo prevê é a recuperação dentro da legislatura, que tem quatro anos e meio. Ou seja, prevê que haja uma recuperação já este ano e depois nos quatro anos que ainda fazem parte da legislatura”, afirmou Fernando Alexandre, no final das reuniões desta quinta-feira com os sindicatos, em declarações transmitidas pela RTP3.

Recuperação do tempo congelado a professores só começa em 2025, diz Miranda Sarmento
Nenhuma promessa eleitoral feita no programa da AD deixará de ser cumprida. Com excepção do IRS e do plano de emergência para a saúde, o resto das medidas inicia-se em 2025, como o IRS Jovem, o IRC ou a reposição do tempo congelado aos professores.

Não vale tudo

Não sei e não vou especular sobre a origem ou o impacto que terão tido as fake news denunciadas pela plataforma de sindicatos. Mas obviamente não é assim que se mobilizam professores para a luta.

Em post anterior, manifestei as minhas reservas relativamente à greve do STOP marcada para amanhã à boleia das manifestações em defesa da causa feminista e dos direitos das mulheres. Mas nunca me passaria pela cabeça desencorajar quem tenciona aderir à paralisação.

Quem está convicto de que esta greve é por uma boa causa e terá significado e impacto relevante, pois que a faça.

Andar a inventar apoios inexistentes, de outros sindicatos, a uma greve que apenas o STOP convocou é que, e estou a ser meigo nas palavras, me parece pouco sério…

Por manipulação do pré-aviso de greve à componente não letiva de estabelecimento, convocada diariamente pelas organizações sindicais de docentes desde o início do ano letivo 2023/2024, foi posta a circular informação, que é falsa, de que teria sido convocada greve a todo o serviço para o dia 8 de março de 2024 por estas nove organizações.

Esclarece-se que esta informação é falsa, tratando-se de uma manipulação de parte da imagem de um documento (o pré-aviso de greve à CNLE do dia 8 de março de 2024), cuja origem as organizações sindicais irão apurar.

Mais se informa que os únicos pré-avisos em vigor são os que têm sido apresentados diariamente, desde o início do ano letivo, por estas nove organizações sindicais de docentes respeitantes apenas ao sobretrabalho, às horas de serviço extraordinário e à componente não letiva de estabelecimento.

Lisboa, 7 de março de 2024  

As organizações sindicais

ASPL, FENPROF, FNE, PRÓ-ORDEM, SEPLEU, SINAPE, SINDEP, SIPE e SPLIU

Queres formação? Paga!

Tem chegado aos professores informação dos Centros de Formação de Associação de Escolas (CFAE), na qual se refere a drástica redução das ações propostas nos Planos de Formação para 2024, devido a atrasos inadmissíveis no financiamento, ou seja, na prática, por não ter sido ainda disponibilizada a verba para pagar aos formadores.

O quadro é mais agravado pelos constrangimentos provocados pelo financiamento destas estruturas a partir de fundos da União Europeia que, como se vem verificando, determinam a dependência destas verbas comunitárias para o exercício do desenvolvimento da sua atividade, o que nem dá resposta às verdadeiras necessidades de formação que são sentidas.

(…)

Lembrando que a Formação Contínua é, também, condição legalmente obrigatória para a progressão na carreira, a FENPROF considera imprescindível a resolução rápida desta situação. Compete aos ministérios da Educação e das Finanças tomar as medidas necessárias para que o sistema de Formação Contínua possa assegurar o papel que tem de ter.

A situação denunciada pela Fenprof reflecte, em boa verdade, uma espécie de pecado original na presente na concepção do actual modelo de formação contínua de professores: a dependência do fluxo de fundos europeus, em vez de ser encarada, como deveria, como uma necessidade estrutural de um sistema educativo que, para ter qualidade, precisa de garantir a actualização dos conhecimentos científicos e pedagógicos de professores e educadores ao longo de toda a sua vida profissional. E, como tal, de ter financiamento próprio. De pouco serve a propalada autonomia dos centros de formação se, na prática, se limitam a replicar os modelos formativos definidos centralmente, em vez de atender às necessidades reais das escolas e professores, e a paralisar a sua actividade sempre que se fecha a torneira do dinheiro europeu.

O mais vergonhoso nesta situação é ter sido estabelecido o dever de realizar formação como condição indispensável para progredir na carreira, sem que o ME, como entidade empregadora, assegure a oferta formativa, na quantidade e com a qualidade necessárias ao cumprimento dessa obrigação. Da qual o ministério não dispensa os docentes, embora ele próprio se exima de fazer a sua parte. E assim, enquanto o ME foge às suas responsabilidades, cresce a oferta formativa em centros privados, paga – e bem paga, na maioria dos casos – pelos professores.

Há uma enorme falta de ética, de decência, de moralidade em tudo isto, sobretudo se tivermos em conta que boa parte dos actuais beneficiários deste estado de coisas são os protegidos do sistema, convertidos em vendedores de formação obrigatória: dirigentes de algumas associações científicas, profissionais e sindicais e os habituais “especialistas” que integram os grupos de trabalho onde são delineadas e replicadas as “inovações pedagógicas” para as quais se inventa, logo a seguir, a indispensável formação.

A exigência de regras claras e de obrigações de parte a parte – não faz sentido o ministério exigir aos professores que façam a formação que não lhes é dada – deveria ser uma das prioridades reivindicativas, perante o novo governo, no capítulo da formação de professores. Com a garantia de que ninguém pode ser penalizado pelo que não é da sua responsabilidade, nem que terá de pagar do seu bolso a formação que compete à entidade empregadora assegurar.

Os professores-deputados

O secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), Mário Nogueira, considerou esta sexta-feira que os deputados socialistas na Assembleia da República, que são docentes e votaram “contra os seus colegas”, na passada quarta-feira, deviam “ter vergonha na cara”.

“É lamentável que alguns colegas nossos, que são deputados do Partido Socialista (PS), tenham conseguido votar contra os seus colegas, esquecendo-se que se estivessem nas escolas, era o salário dos colegas que eles tinham”, referiu.

O PS chumbou na quarta-feira, no parlamento, todas as iniciativas legislativas que propunham a recuperação faseada do tempo de serviço de professores, uma das principais reivindicações dos docentes.

“Pensarem que desta forma, absolutamente vergonhosa, vão conseguir continuar a ser alimentados por um aparelho que os mantém como deputados, deviam ter vergonha na cara esses professores que são deputados desse partido”, acrescentou à entrada do Centro Escolar Norton de Matos, em Coimbra, em dia de greve nacional de professores e educadores.

Existem em quase todos os grupos parlamentares, mas destacam-se especialmente nas bancadas cuja missão é suportar o governo no Parlamento.

Claro que o problema é transversal, e constitui uma fragilidade notória do sistema político português: os deputados são fiéis, não aos eleitores que os elegeram ou ao grupo sócio-profissional a que pertencem, mas antes de mais e acima de tudo ao partido que os integrou, em lugar elegível, numa lista de deputados.

Votam, tendo em conta a disciplina partidária e não as suas convicções pessoais ou os interesses de quem representam. Até porque, em boa verdade, não se sentem representantes de ninguém. Quanto à vergonha na cara ou à falta dela, conceito algo démodé invocado por Mário Nogueira, se a tivessem provavelmente nunca aceitariam estar naquele lugar a defender o indefensável.

Quanto a serem professores, bom… a verdade é que o objectivo da grande maioria dos deputados-professores é, se tudo correr bem, nunca mais na vida terem de voltar a dar aulas. Para isso, a solidariedade com os colegas de um ofício que abandonaram sem pena é pouca, ou nenhuma. Essencial é agradar aos chefes partidários que permitirão no futuro a renovação do mandato ou, quem sabe, a transição para cargo ainda mais compensador.

À espera das listas

Professores aguardam progressão há mais de oito meses por atraso na publicação de vagas

Milhares de professores estão há mais de oito meses a aguardar a progressão na carreira, apesar de reunirem os requisitos, devido ao atraso na publicação das vagas de acesso aos 5.º e 7.º escalões, segundo a Fenprof.

A desfaçatez e a falta de vergonha no tratamento dos professores atingem o cúmulo com este ministro, e isso vê-se, não no palavrório de circunstância, mas em acções concretas. Neste caso, nem sequer se trata de mostrar especial consideração e respeito por quem, nas escolas, dá razão de existir a este ministério: trata-se apenas de cumprir a lei, garantindo que uma progressão que deverá ocorrer em Janeiro, com efeitos remuneratórios a partir do mês seguinte, não é indefinidamente adiada por falta de um mero procedimento administrativo – a publicação de uma lista ordenada feita a partir de dados profissionais dos docentes em causa, que já constam das plataformas do ministério.

Claro os lesados acabarão por receber, quando progredirem, os devidos retroactivos. Mas isso não anula o prejuízo financeiro, que em tempos de inflação se traduz em perdas reais. Há aqui uma questão básica de ética e decência: se o cidadão comum paga juros e coimas quando se atrasa num pagamento ao Estado, com que direito o mesmo Estado protela os pagamentos devidos aos seus funcionários?

As cativações, as cabimentações e os entraves administrativos ao pagamento do que é devido pelo Estado aos seus servidores e fornecedores têm feito escola nos governos de António Costa. Dirão alguns que é simplesmente a forma eficaz de um Estado tendencialmente gastador e desorganizado conter e controlar a despesa. Mas quem recebe passados seis meses, por vezes um ano, aquilo a que teria direito agora, e não é compensado por isso, está a sofrer uma perda real de rendimento. É o Governo de Costa a cobrar a sua comissão sobre todos os que ainda se acham com direito a progredir na carreira, ou a cobrar pelo seu trabalho a um Estado cada vez mais ao serviço de madraços.

Ainda há esperança para os professores portugueses?

Tendo a ser por natureza um optimista realista, mas quando vejo cenas destas, ou outras parecidas, protagonizadas por colegas de profissão em exercício de funções, a descrença e o desânimo tornam-se avassaladores. Não sei se estes colegas são daqueles que exigem respeito, mas é evidente que respeito por eles próprios e pela dignidade da profissão demonstram ter muito pouco.

Refiro-me evidentemente a todos aqueles que cantarolam não se sabe bem o quê, ao mesmo tempo que agitam obedientemente os bracinhos às ordens da mestre de cerimónias. Pois há que ressalvar, apesar de tudo, os que fazendo figura de corpo presente – certamente reunião obrigatória, com folha de presenças – não dão sinais de alinhar na palhaçada. O que talvez dê direito a um mau horário – o vigilante, lá da outra banda, mostra-se atento aos desalinhanços – e corta certamente todas as hipóteses de acesso ao muntabom e ao xalente.

O vídeo foi divulgado por Paulo Guinote no seu blogue, que contudo não identifica a escola destes artistas. Eu faço-o, pois nunca é demais dar o devido destaque a escolas de excelência, que estimam e valorizam os seus profissionais, não vá alguém ir lá parar ao engano: Agrupamento de Escolas da Boa Água.

Carta (de)Missão

O Conselho Geral do Agrupamento de Escolas da Abelheira aprovou recentemente a “Carta de Missão” do Diretor. Este documento, de acordo com o artigo 6º da Portaria 266/2012 de 30 de agosto, deve ser entregue num prazo máximo de 90 dias após o início do mandato, bem como obedecer a um conjunto de requisitos previstos nesse diploma. Por não os cumprir, por ser entregue com cerca de dois anos de atraso em relação ao limite estipulado, por não quantificar os compromissos e por não apresentar uma calendarização plurianual, conforme requere o citado diploma legal, os representantes eleitos pelos encarregados de educação votaram contra. No entanto, o documento foi aceite pela maioria do Conselho Geral.
Posteriormente a estes factos, chegou ao conhecimento do Conselho Geral e dos órgãos sociais desta associação informação relevante que demonstra que o documento assinado e entregue em 26/06/2023 pelo diretor do Agrupamento de Escolas da Abelheira (que alberga alunos até ao terceiro ciclo) é, basicamente, uma cópia de documento análogo entregue em 23/09/2022 pelo diretor da escola secundária José Afonso, do Seixal (sublinhe-se secundária). O grau de similitude textual entre os documentos é de cerca de 94% (depois de substituído o nome da escola e pequenos ajustes de pormenor), conforme o teste comparativo que nos chegou.

Quando um director é nomeado para o cargo, tem 90 dias para apresentar a sua Carta de Missão ao Conselho Geral. Antes disso, teve de submeter o Projecto Educativo, que fundamentou a sua candidatura ao lugar, pelo que a Carta pode ser vista por muitos, entre os quais me incluo, como uma burocracia redundante.

De facto, não comungo de uma visão da escola demasiado centrada na comunidade, com documentos estratégicos mais focados nas especificidades do meio envolvente e em agradar à cacicagem local do que no cumprimento das leis gerais e do currículo nacional. Quando a verdadeira missão da escola é, cada vez mais, formar cidadãos de um mundo crescentemente globalizado, não faz sentido confinar os seus alunos aos horizontes, necessariamente limitados, da comunidade local ou da mundividência pessoal do senhor director. Mas a verdade é que a obrigação de entregar a Carta de Missão existe, o prazo é o que está estabelecido e o documento deve, obviamente, ser elaborado de acordo com a realidade da escola ou agrupamento com que o director recém-nomeado irá lidar, definindo as linhas orientadoras do trabalho que irá desenvolver.

Dito isto, como é possível que, de acordo com a denúncia da Associação de Pais deste agrupamento, a Carta de Missão possa ser apresentada, não três meses, mas dois anos depois da posse do director? E que o documento seja quase inteiramente plagiado de um outro, elaborado para um agrupamento de características bem distintas? Um tão grosseiro plagiador tem idoneidade para ser o rosto de uma instituição escolar? Como é que um Conselho Geral, que também não está acima da lei, pode deixar passar isto?

Aparentemente, quando se está nas boas graças de quem manda e desmanda, pode-se tudo…

Demissão!

A festa era de consagração da selecção feminina espanhola, campeã mundial de futebol. Mas tinha de vir um machista idiota, prepotente e abusador, igual a muitos outros dos que mandam no futebol de alta competição, estragar a festa das campeãs, fazendo de si próprio o centro das atenções.

Depois do beijo na boca não consentido a uma jogadora, que o qualifica à vista de todos como um abusador sexual, esperar-se-ia o embaraço, um pedido sincero de desculpas e, se a vergonha na cara chegasse a tanto, o pedido de demissão. Mas não: afirmou com todo o despudor que foi um gesto espontâneo de confraternização, sem más intenções. O mundo inteiro é que se uniu para o tramar, e ele vai proclamar bem alto, e defender em todas as instâncias, a sua “inocência”. Talvez ainda deva ser Jenni Hermoso a pedir-lhe desculpa por não ter apreciado o abuso de que foi vítima. As atletas espanholas ganharam o Mundial de Futebol, mostrando ser as melhores do mundo na modalidade, mas é ao machista tóxico e abusador que dirige a selecção que os espanhóis se devem mostrar agradecidos. Porque, como nota Raquel Costa, imerso no seu imenso egocentrismo, só ELE é que conta…

O que é aflitivo nas declarações de Rubiales é que só ele importa. O trabalho dele. O cargo dele. Ele é uma vítima do “falso feminismo”. Da comunicação social. “Estão a tentar matar-me”. Apesar de tudo, Rubiales teve o condão de revelar a hipocrisia daqueles que, em silêncio, deixaram que esta situação se arrastasse durante uma semana até que se tornasse insuportável. O que, dentro de uma federação profundamente machista e retrógrada, lhe deram apoio em privado mas não o fizeram em público. Com medo de perder o tacho, diga-se em bom português.

Claro que a tentativa de normalizar os comportamentos de abuso e assédio, recorrentes nesta estrutura federativa, cai pela base quando se questiona porque é que Rubiales não beija inocentemente na boca os atletas masculinos quando celebra os seus bons resultados, que também os vai havendo. A questão de fundo é elementar, e muito fácil de entender por quem não esteja contaminado pela cultura tóxica do machismo e da misoginia. E, claro, a única forma de limpar a podridão instalada na federação passa pela demissão imediata do traste que a dirige.

Tudo isto teria terminado na segunda-feira passada se Rubiales fosse um gajo inteligente (ou pelo menos estivesse bem aconselhado). Bastaria ter dito: “eu errei, peço desculpa”. Não é “se errei, peço desculpa”. É assumir que aquele gesto, independentemente de todo um contexto que não conhecemos (ou porque não existe ou porque os protagonistas não o querem dar a conhecer) é um mau exemplo. Para os homens, para as mulheres, para as crianças, para as filhas de Rubiales. Não se beija outra pessoa, seja homem, mulher, sem consentimento. Não se expõe uma pessoa que está abaixo de nós em termos de poder e influência daquela forma.

Roubo de vagas – a nota informativa

Começou por ser um powerpoint, divulgado primeiro em acções de formação sobre ADD, publicado em seguida no site da DGAE. Desde o final da passada semana, assumiu a forma de uma nota informativa, enviada às direcções escolares e publicada, durante o dia de hoje, no site da DGAE.

O objectivo anunciado é a uniformização de procedimentos referentes à ADD, nomeadamente ao cálculo de percentis, à determinação do número máximo de classificações de mérito a atribuir e à sua distribuição por cada um dos universos avaliativos. Na prática, como já aqui se explicou anteriormente, o que se pretende com estas tecnicidades é reduzir administrativamente a atribuição de classificações de mérito. Dependendo da forma como as classificações mais elevadas se distribuem pelos quatro universos de docentes avaliados, poderá haver escolas e agrupamentos onde os 5% de excelentes e os 20% de muito bons não cheguem a ser atribuídos na totalidade.

O segredo, como diria o outro, está na massa, ou seja, nas trocas e baldrocas que as novas regras vêm impor. Pois a legislação em vigor permanece inalterada e não poderia sequer ser alterada sem que houvesse pelo menos um simulacro negocial com os sindicatos. Mas também nada disto chega a ser novidade: legislar e governar com base em “notas informativas” já se tornou modus operandi habitual no partido que se diz socialista e respeitador dos direitos de cidadania, da ética republicana e do Estado de Direito.

Da falta de decoro

Ou, se preferirmos, de como um burocrata da “avaliação pedagógica” se torna juiz em causa própria, atestando, enquanto presidente do Conselho Nacional de Educação, as virtudes de um projecto que ele próprio promoveu em parceria com o Ministério da Educação.

O contexto em que isto sucede é o da apreciação, em sede parlamentar, da Petição Nº 143/XV/1 que pede o fim do Projecto MAIA. Com mais de 13 mil assinaturas validadas, a petição terá de ser obrigatoriamente discutida em plenário, tendo sido pedidos, como é habitual nestas situações, os pareceres de diversas entidades, entre elas o Conselho Nacional de Educação.

Ora aqui é que a porca torce o rabo: o CNE é presidido por Domingos Fernandes, um dos gurus da actual política educativa e o principal mentor do famigerado Projecto MAIA. Faz sentido, à luz das mais elementares regras éticas, científicas ou deontológicas que devem reger tanto a política como a academia, que estes senhor se venha pronunciar, em nome de um órgão colegial supostamente independente na avaliação das políticas educativas, sobre uma linha de acção política de que foi, pelo menos inicialmente, o principal promotor?

Esta situação colocaria directamente em causa a isenção e a independência do CNE, se estas não estivessem, praticamente desde a origem desta câmara corporativa da Educação, completamente inquinadas. Na verdade, de um órgão plural, com largas dezenas de elementos, esperar-se-ia pluralidade de ideias e opiniões e promoção da discussão pública dos temas educativos. Na prática, o que ali se produz, quase sempre, são falsos consensos educativos, alinhados com as políticas do governo de turno. Para o que contribui, forçosamente, a escolha de presidentes politicamente comprometidos com o partido no poder. Em vez de criticar e aconselhar, o CNE serve sobretudo para caucionar más políticas educativas, como se vê claramente neste vergonhoso parecer de Domingos Fernandes, um verdadeiro senhor feudal a impor a sua causa em defesa do seu feudo maiato: o parecer por si assinado é o único, entre todos os já publicados no site do Parlamento, a elogiar um projecto que se tem destacado como inútil, perverso e inexequível em praticamente todos os sítios onde foi aplicado.