Professor, uma profissão envelhecida

Já há muito se sabia; os últimos dados dos Censos 2021 sobre população e emprego, hoje divulgados, vieram confirmá-lo: em matéria de envelhecimento, a profissão docente destaca-se num país, ele também, envelhecido.

Uma realidade que, contudo, poderá já ter começado a mudar. O ritmo das aposentações entre os professores deverá intensificar-se ao longo da próxima década: é o render da guarda de uma numerosa geração de docentes, chegados à profissão nos anos 80, época de massificação do ensino e alargamento da escolaridade obrigatória.

No quadro mais geral, uma tendência persiste, e irá provavelmente aprofundar-se: são as profissões com maior componente intelectual, científica e tecnológica, a par dos trabalhadores não qualificados, as que mais crescem em número de trabalhadores empregados. O que, bem vistas as coisas, não é surpreendente: são, afinal de contas, as profissões mais difíceis de substituir por computadores, robôs ou sistemas de inteligência artificial.

A idade média da população empregada situava-se nos 44,2 anos, nos Censos 2021, o que representou um acréscimo de 2,8 anos face a 2011, encontrando-se os professores nos grupos profissionais mais envelhecidos, com uma idade média de 48,7 anos

O Instituto Nacional de Estatística (INE) destacou hoje o subgrupo “professor dos ensinos básico (2.º e 3.º ciclos) e secundário”, com uma média etária de 50,2 anos”, ao divulgar um conjunto de dados sobre as profissões e a escolaridade da população, com base nos resultados definitivos do XVI Recenseamento Geral da População e VI Recenseamento Geral da Habitação – Censos 2021.

“Na última década, paralelamente ao reforço da escolaridade da população assistiu-se ao crescimento do grupo profissional com maior qualificação — “especialistas das atividades intelectuais e científicas” — e, simultaneamente, aquele que requer menos estudos — “trabalhadores não qualificados”, lê-se no Destaque do INE publicado hoje.

As profissões relacionadas com as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) “viram o seu peso reforçado”, com destaque para “diretores dos serviços das Tecnologias da Informação e Comunicação” (132,3%), “analistas e programadores, de software, web e de aplicações” (112,1%) e “especialistas em base de dados e redes” (134,7%), em que a população empregada mais do que duplicou.

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Pensamento do dia

Alguém perguntava um dia destes, algures numa rede social de professores, como era possível um professor promulgar uma lei contra outros professores.

Descontando o óbvio – o dito professor está aposentado, nunca foi docente do básico ou do secundário e a função presidencial impele-o a agir levando em conta um conjunto alargado e contraditório de interesses, deveres e motivações – podemos bem reformular a questão: como é que milhares de professores, em posições de poder dentro e fora das escolas, tomam diariamente decisões contra a própria classe a que pertencem?

Até mesmo em estruturas intermédias de gestão escolar, quantas lideranças de proximidade se comprazem no exercício daquele pequeno mas insidioso poder de infernizar diariamente a vida dos colegas?…

Um exemplo para o país

Um país, duas realidades diametralmente opostas no que ao tratamento dos professores diz respeito.

No Continente, os partidos políticos tentam capitalizar com o descontentamento dos professores, sem que nunca consigam conjugar forças para uma melhoria efectiva da carreira docente e do reconhecimento de direitos como a contagem integral do tempo de serviço.

Nos Açores, a valorização dos profissionais da Educação reúne o consenso de todas as forças políticas. Para além das naturais diferenças e estratégias dos vários partidos, prevalece a importância estratégica que, numa região ultraperiférica, tem a captação, motivação e retenção de bons profissionais. Custa dinheiro? Claro que sim, e as finanças regionais não estarão propriamente mais folgadas do que as nacionais. Apenas existe uma noção clara das prioridades, e que o investimento em Educação é dos mais rentáveis a longo prazo que se podem fazer, ao contrário do que sucede com os gastos em parcerias, consultorias e outros negócios sem retorno e ruinosos para o Estado.

O apoio de todos os partidos às alterações do Estatuto da Carreira Docente açoriano, depois de previamente negociadas com os sindicatos, deveria ser um exemplo inspirador para a política nacional, afogada em tricas, escândalos e corrupção, obcecada em poupar na farinha e perdulária nos gastos com o farelo. Infelizmente, parece muito longe de o vir a ser…

A Assembleia Legislativa dos Açores aprovou esta quarta-feira por unanimidade, o novo Estatuto do Pessoal Docente da Educação Pré-escolar e dos Ensinos Básico e Secundário proposto pelo Governo Regional, que considerou a região um “exemplo” para o país.

“No momento em que, no continente, os alunos estão sem aulas, em que o governo socialista faz um braço de ferro com os professores, nos Açores o momento é de diálogo. Somos um exemplo pela estabilidade e apresentamos um diploma que é, também, exemplar”, comparou.

Sofia Ribeiro realçou que o novo estatuto prevê a remuneração dos professores estagiários, cria um regime de acompanhamento para os professores no primeiro ano de atividade, “valoriza a formação contínua” e “alarga os incentivos à estabilidade”.

“Introduzimos apoios ao alojamento, concedemos uma bonificação aos docentes contratados que se mantenham na mesma escola durante três anos consecutivos. Clarificamos o conteúdo das componentes letiva e não letiva do trabalho docente”, salientou.

A governante destacou ainda que o diploma prevê o aumento do “número de horas de acumulação permitido” e “introduz a igualdade no horário e nas reduções dos docentes de todos os ciclos e níveis de ensino”, o que “repõe a justiça há muito almejada pelos educadores de infância e pelos professores do primeiro ciclo”.

Um futebolista ao lado dos professores

Esta semana o Vizela visitou onze escolas e quero mandar aqui uma mensagem para os professores. Todos os dias de manhã vemos os professores a lutar pelos direitos deles e, como jogador de futebol, uso este espaço para dizer que estamos com eles. Esperamos que eles consigam os direitos deles.

Não sei se Igor Julião é, como afiança a notícia, o futebolista preferido dos professores. Do que não há dúvidas é que, num gesto digno e solidário, o atleta brasileiro do Vizela defendeu publicamente a causa dos professores. Agora, o grupo Missão Escola Pública pretende retribuir o gesto…

Igor Julião, do Vizela, é por estes dias um dos futebolistas do campeonato nacional com maior número de admiradores entre os professores portugueses. Isto porque, em janeiro passado, o defesa de 28 anos manifestou a sua solidariedade para com a luta deste grupo de profissionais, o que muito sensibilizou a classe.

A ponto de um grupo de professores do ensino público estar a organizar uma iniciativa que visa a comparência em massa no Vizela-Famalicão do próximo dia 13 deste mês, a realizar em Caldas de Vizela.

“Deixo aqui o meu apelo aos professores deste país para que estejam presentes nesse jogo”, expressa João Francisco Silva, um dos 13 professores que compõem a Missão Escola Pública, grupo apartidário formado em dezembro de 2022 com o objetivo de defender o carácter público do ensino.

Devolver a escola aos professores

A grande maioria dos professores que escrevem sobre Educação, entre os quais me incluo, fazem-no geralmente ao correr da pena. Em sentido oposto, a escrita de Paulo Prudêncio é profunda e reflexiva. Convida a ler calmamente e estimula a reflexão. No Público e no blogue Correntes, de parabéns pelos seus 19 anos recém-completados, a pedagogia é convocada para a discussão que interessa ter sobre a importância da escola e dos professores. Um elemento que, apesar de estar no cerne da profissão docente, tem andado arredado do debate público.

Os avanços mais recentes e espectaculares da inteligência artificial evidenciaram uma clivagem que já não é de agora: a simplificação dos currículos e formas de aprender, a massificação dos processos e a automatização da avaliação permitem embaratecer os custos da educação obrigatória. Ao mesmo tempo, escolas com professores qualificados, recursos materiais abundantes, turmas reduzidas e percursos escolares individualizados ficam reservadas às classes mais abastadas, as únicas que poderão pagar por uma educação realmente diferenciadora e cada vez mais ao serviço da auto-perpetuação das elites. Os sinais de que a escola pública, como a conhecemos, está em risco, são evidentes. O processo encontra-se mais adiantado nos países de cultura anglo-saxónica, mas a ideia de uma Educação ao serviço da nova ordem mundial propaga-se activamente à escala global.

De permeio, a pedagogia foi-se igualmente transformando: de teoria inspiradora de melhores práticas pedagógicas, produzida longe das escolas onde é aplicada, enclausurada nos gabinetes e nas academias, é hoje um instrumento ao serviço da subjugação e da menorização dos professores. Enquanto diferentes teses pedagógicas se digladiam, mina-se a autonomia científica e pedagógica dos professores, tidos como incapazes de construir a sua própria cultura profissional e como tal remetidos ao papel de receptores e aplicadores passivos de uma pedagogia do regime cada vez mais ideológica, dogmática e prescritiva.

Neste ponto, dou a palavra a Paulo Prudêncio e recomendo a leitura integral de um texto que aplaudo e subscrevo inteiramente…

Verdade seja dita que se ignorou os avisos (década de 1980) de que a democracia exigia dos professores a selecção dos conteúdos (com conhecimentos, destrezas, valores e atitudes), e das formas de avaliação, que ultrapassaria a relação contraditória com os alunos. Desconstruíram-se três teses que ainda hoje se confrontam: a da harmonia, do psicoterapeuta Carl Rogers, baseada em relações individualizadas e empáticas, mas inaplicável em turmas; e duas de desequilíbrio: magistercentrismo (o professor rei de Alain, Dewey e Durkheim) e pedocentrismo (o aluno rei de Freinet, Montessori e Summerhill).

Além de tudo, e é hoje cientificamente mais claro, há diversos estilos para ensinar, mas é mais correcto falar em ignorância do que em conhecimento no que se refere ao modo como cada um aprende. Se na investigação é imperativa a busca desse conhecimento, nas políticas educativas requer-se equilíbrio e prudência. Inclusivamente, a destemperada centralidade na aprendizagem inscreveu um diabólico aprender a aprender como uma espécie de absurdo assente em desconhecer a desconhecer ou ignorar a ignorar. Confundiu-se ciência com o valor moral positivo dado ao estímulo para aprender, agravado com a hierarquização de estilos de aprendizagem.

A partir de dado momento, não era inclusivo treinar as memórias de médio e longo prazos nem estimular a repetição, o estudo em casa, a atenção nas aulas e até o respeito pelos professores. Nem sequer se valorizava o número de alunos por turma e perdeu-se também a articulação com a sociedade em áreas fundamentais como a saúde mental, as emoções e o sono. Aliás, o ensino superior, que “desapareceu” da formação contínua, impôs, na formação inicial, um vazio no treino de professores que aumentou o desconhecimento sobre estilos de ensino.

Por outro lado, acentuou-se o erro com a generalização nos serviços centrais do Ministério da Educação (foram anos a fio de uma mistura desastrosa de prateleiras douradas com emprego partidário) da cultura antiprofessor e anti-sala de aula.

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Culpa, vergonha e medo – a tríade que oprime os professores

Uma parte significativa do que tolhe a acção de muit@s colegas parte de um conjunto de formas de sentir que foram sendo inculcadas n@s professor@s, ao ponto de @s mesm@s acabarem por as interiorizar e entranhar como se fossem suas. Ou, pelo menos, como se fossem incapazes de lhes escapar.

A primeira delas talvez seja a culpa que, em diversas modalidades, foi arremessada sobre a classe docente, responsabilizando-a por tudo o que de menos positivo possa acontecer na Educação, em geral, e nos seus alunos em particular, a começar pelo famigerado “sucesso”. A responsabilização pelo insucesso passou a ser apontada a quem ensina – insinuando ou declarando abertamente que se deve ao facto de não saberem ensinar ou motivar para a aprendizagem – e não a quem não aprende ou nem sequer está nisso interessado. (…)

A segunda, um pouco decorrente da anterior, é a sensação de vergonha por se considerar que não se fez o devido/exigido pelos novos normativos formais ou informais que regulam a vida das escolas e entram pelas salas de aula dentro. Essa vergonha surge não apenas da tal sensação de culpa – “sou culpad@ e sinto vergonha disso”, num prolongamento de um traço estruturante da mentalidade judaico-cristã – mas também do embaraço em assumir publicamente as próprias convicções quando estas entram em conflito com o novo diktat e com as directrizes “superiores”. (…)

O terceiro sentimento é o do medo, em múltiplas formas. O medo que mina a autoconfiança e a autoestima, inibindo por completo qualquer hipótese de autonomia ou liberdade profissional. O medo de fazer errado, de modo não conforme às normas em permanente mudança; o medo de contrariar o que surge “de cima” ou mesmo do lado – através da pressão dos pares para o conformismo que é cómodo para todos os que desejam manter os (des)equilíbrios de poder existentes -, o medo de ousar acreditar em si e não ceder a pressões, tantas vezes com escassa fundamentação ou substância. Aquele medo do tipo “olha que vem aí a inspecção” que não se resume apenas ao professores “rasos”, mas às próprias lideranças, igualmente medrosas de perderem a sua situação de minguado privilégio, de “primeiros entre os que obedecem”. (…)

Três tiros certeiros no porta-aviões: não posso concordar mais com Paulo Guinote nesta análise em que identifica, de forma concisa mas rigorosa, uma tríade diabólica que oprime os professores.

Professores aos quais, de forma nada inocente, têm feito sentir culpados de todos os insucessos e inconseguimentos dos seus alunos, mesmo quando aqueles são deixados por sua conta em meios hostis, perante crianças e jovens desmotivados e indisciplinados, famílias desinteressadas, em escolas sem condições físicas e organizacionais adequadas à população escolar que albergam e contando com escasso ou nulo apoio das direcções.

Associada à culpa, vem a vergonha – de não alcançar o sucesso pretendido, de não conseguir controlar a turma, de ver posto em causa o profissionalismo – que leva a esconder as dificuldades e os problemas, evitando que estes se discutam e exponham e se perceba que, no fundo, todos nos andamos a queixar do mesmo, pondo assim em causa o unanimismo com que se alimenta a ilusão de vivermos no melhor dos mundos educativos.

Por fim o medo, medo de muitas coisas e de múltiplas e variadas formas. E o medo, já se sabe, paralisa. Para enfrentar esses medos – do comissário político, do director, do coordenador, dos próprios colegas, que “todos fazem” isto ou aquilo – a saída, para muitos, é seguir o rebanho. Não fazer perguntas, não duvidar da verdade educativa anunciada em uníssono pelos gurus ministeriais e os seus agentes de proximidade.

Este processo de desvalorização e domesticação dos professores começou há muito, não é de agora. Uma classe profissional que tradicionalmente gozava de apreciável autonomia no exercício da profissão, com uma carreira e condições laborais que aparentemente suscitavam inveja noutros sectores, tornou-se um alvo a abater para sucessivos governos focados em três objectivos principais: reduzir custos na Educação cortando no principal foco de despesa, a carreira e os salários dos professores; controlar burocraticamente a profissão, reduzindo as margens de autonomia no exercício profissional; e, em estreita relação com o anterior, melhorar, ainda que apenas artificialmente, os indicadores de sucesso educativo, sobretudo aqueles que nos podem comparar desfavoravelmente com outros países.

Não sendo fácil sacudir o jugo da opressão, sobra sempre a pergunta do milhão de dólares: podem estes professores aprisionados pela culpa, a vergonha e o medo transmitir aos seus alunos, como é dito que se pretende, os valores da liberdade, da solidariedade, da justiça?…

A escola sem pontes

Do Afeganistão, um dos países mais pobres e desgraçados do mundo, conhecem-se, ou depreendem-se facilmente, enormes dificuldades no acesso à educação: raparigas impedidas de estudar, falta de escolas, professores e recursos educativos, subordinação do ensino ao fundamentalismo religioso. Mas a vida de quem não desiste de ser professor também não é fácil: a reportagem da SIC mostra o quotidiano de professores que têm de atravessar diariamente um rio agarrados a flutuadores de borracha para conseguirem leccionar.

Há sempre quem goste de apresentar os problemas dos outros para tentar desvalorizar os nossos. Mas ninguém quer comparar o incomparável. Embora os contextos sejam muito diferentes, as dificuldades dos professores afegãos e dos portugueses reflectem a mesma realidade de fundo: o desinvestimento na educação e na escola pública.

Todas os dias, os professores de uma escola no Afeganistão atravessam o rio em câmaras de ar para irem dar aulas. Doze dos 15 docentes da escola de Momand Dara, a Este do país, são obrigados a recorrer a este meio de transporte. Não há pontes nem barcos que permitam fazer a travessia de uma forma mais rápida e segura.

No Afeganistão, as dificuldades no ensino são inúmeras: desde a falta de escolas, de professores, de materiais, à proibição do ensino às raparigas em muitas regiões.

A funcionar deste 2004, a escola de Momand Dara tem 1.400 alunos, mas as condições são bastantes precárias e muitas das aulas são dadas no exterior.

Além dos problemas de transporte, os professores queixam-se de falta de material, não há livros para os alunos mais velhos.

A engrenagem que isola – e tritura – os professores

Em mais uma das suas estimulantes reflexões nas páginas do Público e no seu blogue, Paulo Prudêncio começa por situar o bloqueio da luta dos professores e a constante tentativa do seu isolamento na intersecção entre os poderes político e mediático. Apesar de continuarem a ser dos profissionais mais bem cotados na apreciação de alunos, pais e cidadãos comuns, entre políticos do arco do poder e opinadores influentes prevalecer uma ideia pouco abonatória acerca da profissão, que conduz ao sistemático amesquinhamento e desvalorização material e social da condição docente. O espantoso é que quem, a partir de posições ou cargos públicos, desvaloriza e destrata publicamente a classe, se admire da falta crescente de professores.

Escorada em alegadas “boas práticas” internacionais, a avaliação dos professores foi imposta no quadro da lógica da responsabilidade e da prestação de contas. Mas o objectivo inconfessado foi sempre a poupança orçamental: se podemos pagar menos a professores menos bons, porque haveremos de reconhecer o mérito a todos os que o têm? A prática, destrutiva em qualquer tipo de organização, mas ainda mais no meio escolar, tem-se revelado desastrosa…

…não adianta repetir-se que os professores não querem ser avaliados, quando o que sobra é uma farsa administrativa que suporta uma febre “meritocrática” que infantiliza as organizações. Acima de tudo, uma das questões fundamentais dos professores, e para além do tempo de serviço, da precarização e da doentia, e não democrática, organização das escolas, é o que se avalia associado à aberração que só existe por cá: pontuar de 1 a 10 e acrescentar quotas e vagas.

Pois bem, aclame-se que ensinar é exigente. Convoca esperança, confiança da retaguarda e estudo. Se a sua génese é a elevação de aprendizagens, à cultura da finalidade e da regra associa-se a amizade e o drama. Ensinar é escrutinado rigorosamente aula a aula, com tomadas de decisão difíceis ao minuto. Quanto mais turmas se lecciona (e não há turmas iguais), mais exposto se está ao erro e à incompreensão que não beneficia da aura optimista, e sempre reconhecida, dos denominados projectos. Em resumo, o ensino simultâneo de vinte a trinta crianças ou jovens, despertando entusiasmo pelo conhecimento até em “quem não quer aprender”, transporta uma ignorância lapidar: não se sabe como cada um aprende.

Chegados aqui, é de elementar conhecimento que o professor é o primeiro que sabe que nada sabe. Além disso, há património pedagógico que ensina que é extractivo aprender apenas porque se quer ser melhor do que os outros, ou porque há uma recompensa material, e que é inclusivo e superior aprender porque se quer saber mais e se tem curiosidade. Os professores são os guardiões desses princípios e a aplicação na sua profissionalidade uma lição exemplar.

Por isso, não hierarquizar desempenhos em comparação com os pares é o possível, e o decente, como consolidaram as democracias mais avançadas. Daí que a escolha do melhor, ou do mais excelente, professor seja obscurantista…

Neste ponto, reconhece-se que não há como negar responsabilidades, também, dos próprios professores que compactuaram com o sistema. A ilusão de ser “o melhor professor” é tentadora, e aí estão os sucessivos concursos de “professor do ano” a demonstrar que o pecado da vaidade também contamina a classe. Mas o que prevalece em geral é uma avaliação burocrática e permeável a amiguismos, onde na impossibilidade de atribuir o mérito a todos os que o merecem, se fazem escolhas tendenciosas e arbitrárias. A engrenagem da ADD esteve parada até 2017, mercê do congelamento da carreira, mas desde 2018 vem dando um contributo inestimável para a frustração de dezenas de milhares de professores, a degradação do ambiente das escolas e a perda de atractividade da docência: a injustiça inerente a esta avaliação burocrática e punitiva pressente-se à distância. E integra a ameaça global ao futuro da escola pública…

A bem dizer, a arbitrariedade destrói as organizações e provoca a “fuga” dos profissionais em prejuízo do bem comum; e que ninguém se iluda: a engrenagem continua a triturar a dignidade que resta e os jovens professores captam de imediato uma insanidade repleta de injustiças que os avalia com quotas e sem qualquer “olhos nos olhos”.

Em suma, quebre-se o isolamento da escola pública. Livrem-na do Taylorismo (poucos pensam, e avaliam, muito executam) que contraria as organizações modernas, e a ideia de Europa, onde prevalecem redes com vários servidores e achatamento de patamares de decisão. Aliás, o nosso século XX formou a geração mais habilitada num lugar democrático ímpar na nossa História: a escola pública. E os historiadores (se os houver, tal o trato dado às humanidades) registarão o que as próximas gerações não nos perdoarão: a extinção da escola democrática imediatamente a seguir à sua generalização.

A Europa connosco?

Quando o Governo português faz orelhas moucas às reivindicações da classe docente, levar os problemas e as injustiças de que são vítimas os professores portugueses às instituições europeias pode ser uma forma de combater o bloqueio negocial. Sobretudo porque uma boa parte das queixas têm subjacentes situações de desrespeito pela legislação comunitária: professores em igualdade de circunstâncias a serem tratados de forma diferente, eternização da precariedade e, ultimamente, restrições à liberdade de reunião e manifestação e ao direito à greve.

Claro que aqui não deve haver lugar para ilusões: uma eventual internvenção da União Europeia nunca irá substituir a luta, persistente e determinada, dos professores. Mas pode contribuir para isolar o Governo português, sempre tão carente das boas graças e dos apoios europeus para o financiamento das suas políticas…

O envio de delegações ao Parlamento Europeu anda a ser preparado e está para breve, mas uma reunião da plataforma de sindicatos com a representação portuguesa da Comissão Europeia decorrerá já esta semana.

As organizações sindicais ASPL, FENPROF, FNE, PRÓ-ORDEM, SEPLEU, SINAPE, SINDEP, SIPE e SPLIU reúnem na próxima quarta-feira, 22 de março, a partir das 15:00 horas, com a Representação em Lisboa da Comissão Europeia. Nesta reunião estará presente a Coordenadora da Representação, bem como o Coordenador Adjunto.

Para as organizações sindicais de docentes, ainda que os problemas que afetam os professores tenham de ser resolvidos pelas instâncias de poder nacional, designadamente Governo e Assembleia da República, as organizações sindicais consideram haver lugar a diligências que as instâncias europeias poderão desenvolver. Em relação ao Parlamento Europeu, os contactos serão feitos através dos partidos políticos que elegeram eurodeputados, tendo já sido pedidas reuniões a todos eles; já esta reunião, destina-se a fazer chegar à Comissão Europeia diversas informações, solicitando uma intervenção junto do Governo Português.

Na agenda, as organizações sindicais levarão problemas relacionados com desigualdades que persistem, nomeadamente em relação aos docentes com contrato a termo, mas também entre docentes dos quadros, com ultrapassagens na carreira e nos concursos para colocação de docentes. Na reunião serão ainda colocadas outras questões, prioritariamente a que se refere a restrições ao exercício de atividade sindical, com algumas escolas a imporem serviços mínimos quando se realizam reuniões sindicais, e ao direito à greve.

Música para os professores em luta