Concorrer também é lutar

Apesar de parco em palavras, há uma linha orientadora da sua política que o novo ministro já deixou clara: o reforço da autonomia das escolas e da responsabilidade dos directores. Tendo em conta que a pouca autonomia que as escolas tinham se perdeu com a municipalização da Educação – a maioria depende hoje da autarquia para coisas tão simples como substituir uma lâmpada ou um cartucho de toner – o que fica é o poder dos directores sobre os professores.

É notório que o actual modelo de gestão escolar confere excessivo poder aos directores. Que nalguns casos é usado criteriosamente, ao serviço da comunidade educativa, criando ambientes escolares que favorecem tanto as aprendizagens dos alunos como a realização profissional do pessoal docente e não docente. Mas também há escolas onde a gestão autocrática e prepotente torna o ambiente tóxico para quem lá trabalha. A arbitrariedade, a burocracia, os favoritismos, são queixas comuns que vamos ouvindo de muitos professores. Claro que, pelo meio, encontramos escolas onde o contexto educativo é complicado, mas professores e equipa de gestão unem esforços e solidarizam-se para levar a nau a bom porto. Assim como há organizações que teriam quase tudo para funcionar bem e se perdem em mil burocracias e em projectos de treta, em vez de se focarem nos verdadeiros interesses dos alunos e nas necessidades e motivação dos seus profissionais.

Quando um concurso interno com um número recorde de vagas disponíveis se encontra a decorrer, tudo isto deveria ser equacionado pelos professores. Esta é uma oportunidade de promover a mudança, não apenas de quem está descontente com a escola em que trabalha, mas da própria gestão escolar. Para um director autoritário, prepotente ou simplesmente incompetente, os concursos deveriam ser o momento certo para que, com a saída em massa dos professores dos quadros para outras escolas, o descontentamento geral ficasse bem patente. Num quadro geral de carência de professores, as dificuldades constantes de uma escola em recrutar e manter bons profissionais deveria tornar-se evidência clara da sua má gestão.

Quando o novo governo tenta reafirmar o princípio de escolha, pelos directores, dos “seus” professores, é importante que estes aproveitem os mecanismos da mobilidade para demonstrar que a boa gestão escolar não é a que se faz com uma corte de vassalos escolhidos a dedo, mas a que consegue motivar e enquadrar todos os trabalhadores, docentes e não docentes, em torno de objectivos comuns. Para além da legítima aspiração de aproximação à residência, os concursos permitem optar por trabalhar em escolas que ainda não tenham sucumbido por inteiro à burocracia eduquesa e à ditadura dos projectos. Quando estamos insatisfeitos com a escola que temos, saibamos aproveitar a oportunidade da mudança.

Viragem à direita

No rescaldo das eleições de ontem, uma evidência se destaca: uma vitória esmagadora da direita, que conseguiu convencer os portugueses da necessidade de mudança, apeando do poder um PS sem rumo, descredibilizado por sucessivos escândalos e trapalhadas e incapaz de, como dizem no futebol, dar a volta ao marcador.

Uma vitória sobretudo do Chega, que obteve finalmente o estatuto há muito ambicionado de grande partido, conseguindo mais de um milhão de votos e quase meia centena de deputados. Qualquer solução política só será agora possível à direita, tendo obrigatoriamente que contar com o apoio tácito ou declarado de André Ventura. Não sei se era isto exactamente que pretendia o presidente Marcelo, que tudo fez para antecipar eleições e apear do poder o PS de António Costa, mas a verdade é que o resultado, que há muito se antecipava, está bem à vista.

Ainda à direita, a nota curiosa de um pequeno partido, o ADN, que multiplicou por dez a sua votação anterior, chegando nalguns círculos eleitorais do interior a tornar-se a quarta força política: o mais certo é ter recebido involuntariamente, da parte de eleitores pouco letrados e confundidos, dezenas de milhares de votos destinados à AD. Sendo assim caso para perguntar se os 85 mil votos do CDS de 2022 que a nova AD supostamente, permitiu ao PSD recuperar, compensam os 90 mil perdidos para um micro-partido de chalupas, que com mais um pouco chegaria à representação parlamentar. Pelo menos a subvenção pública, prémio por ter passado a fasquia dos 50 mil votos, estará garantida…

À esquerda, apenas o Livre conseguiu crescer significativamente, afirmando uma esquerda que se diz moderna e europeísta, enquanto o PS se livrou, apesar de tudo, do tombo vertiginoso que alguns vaticinavam. A distância a que ficou da coligação de direita é mínima, mas faltam-lhe apoios à esquerda que permitam ensaiar nova geringonça: uma cura de oposição, não se sabendo bem por quanto tempo, será o destino inevitável, já assumido pelo líder, nos tempos mais próximos.

Também à esquerda, o PCP continua o seu lento mas inexorável declínio eleitoral. Perdido o Alentejo, o partido já só elege nos maiores círculos eleitorais e revela notórias dificuldades tanto para passar a sua mensagem como na escolha criteriosa dos dirigentes e dos candidatos a deputados, que nem sempre têm a presença, o carisma e o discurso que outrora galvanizavam os eleitores.

Quanto à solução política concreta que sairá destas eleições, ela é em grande medida uma incógnita. O discurso da direita, que quer gastar mais e cobrar menos impostos, é contraditório e insustentável num país que, seguindo as políticas neoliberais, contraiu uma das maiores dívidas per capita da União Europeia e onde quase tudo o que eram fontes de receita do Estado foi sendo irresponsavelmente privatizado. Só com cortes radicais na despesa, pondo em causa as funções do Estado Social, será possível dar a volta à situação.

Na Educação, outra encruzilhada. Concordando no essencial, PS e PSD costumam ter pensamentos algo divergentes em matérias com implicações pedagógicas e organizacionais nas escolas. Mais provas e exames, mais contratos de associação, eventualmente, até, mais uma reorganização curricular. E a recuperação do tempo de serviço, uma promessa que se espera não venha a ser letra morta. Mas o futuro sombrio, em Portugal e no mundo, não permite olhar em frente com excessivas expectativas.

Crise na democracia, crise na escola pública

O Ocidente inquieta-se com o estado das suas democracias e com a radicalização de eleitores. E apesar de se acreditar que a sociedade portuguesa consolidou o amor pela liberdade e pelo sufrágio directo e universal, a crise ensombra os 50 anos do 25 de Abril e confirma a incapacidade prospectiva das bolhas política e mediática.

Para além do aumento brutal das desigualdades, a gestão orçamental dos salários da administração pública provoca as principais tensões e origina protestos intermináveis dos grupos profissionais. Como as actualizações salariais não são efectivamente transversais, a melhoria de rendimentos incide em zonas de interesse que excluem os grupos mais numerosos.

[…]

Os professores são o grupo mais numeroso. Protestam há quase duas décadas contra o clima doentio das escolas. Fogem do caudilhismo e da parcialidade, que provoca a queda das aprendizagens dos alunos e a desistência de milhares de profissionais qualificados que experimentam. São avaliados numa farsa administrativa, e sem qualquer “olhos nos olhos”, alimentada pela humilhação do estatuto social. Ainda recentemente, a comunicação social titulou insistentemente, com o apoio da máquina de spinning governativo, que os “professores faltam dois milhões de dias por ano.” Lendo o estudo, o título deveria ser assim: apesar de tudo, 90% dos professores raramente falta e 10% tem doenças prolongadas devidamente justificadas e muito escrutinadas (até, pasme-se, as gravidezes de risco). 

Com a Revolução de Abril prestes a comemorar os seus 50 anos, Paulo Prudêncio inquieta-se com a indisfarçável crise das democracias ocidentais, aparentemente incapazes tanto de moderar a crescente e excessiva acumulação de poder e riqueza nas elites dominantes como de travar o avanço de extremismos e populismos. No seu mais recente texto para o Público – também publicado no blogue Correntes – e focando-se na realidade portuguesa, o nosso colega busca a relação entre a fragilidade da democracia e a persistente luta dos professores, numa época em que o mal-estar docente, traduzido na falta estrutural de professores, se tornou uma evidência incontornável.

Vivemos tempos em que, a coberto da impossibilidade de dar tudo a todos, se desiste de favorecer a maioria, optando-se em vez disso por beneficiar franjas de privilegiados, muitas vezes sem que haja sequer um plano coerente: trata-se apenas de ceder à força da alguns lobbies ou de aplicar a clássica estratégia de dividir para reinar. Num clima de arbitrariedade e injustiça, florescem assim o individualismo e as rivalidades entre grupos – como se vê na recente crise das polícias – e dentro dos próprios grupos, como constatamos demasiadas vezes entre os professores, neste caso alimentados pelos ambientes escolares que os adoecem: o modelo autocrático de gestão, a burocracia kafkiana, a farsa punitiva e vexatória da avaliação do desempenho.

Há uma crise profunda e estrutural na escola pública, em Portugal e na generalidade dos países ocidentais. São evidentes tanto o declínio das aprendizagens e a falta crescente de professores qualificados como o desacerto das medidas que os governos vão tomando para tentar resolver problemas de fundo com soluções rápidas, superficiais e facilitistas. A escola pública está doente, e os males de que padece não se resolvem com os habituais e inúteis benurons: mais umas aulas de recuperação para os alunos e incentivos a mais esforço dos professores.

A Educação ligada à máquina

A Educação está ligada à máquina. É obrigatório assumi-lo; sem amarras de grupos, nem temor do contraditório. Qualquer que seja o próximo Governo, é imperativo um novo ciclo. Esgotou-se o prazo de validade do estado de negação nos temas mais críticos e integrados: queda nas aprendizagens, descrédito dos modelos de avaliação, falta estrutural de professores e degradação do clima escolar. Apesar dos contínuos avisos dos professores desde a manifestação de 8 de Março de 2008, o país político despertou 15 anos depois. Só agora a Educação entrou nas campanhas eleitorais.

De facto, a degradação atingiu as democracias ocidentais. Recorde-se que foi a crise petrolífera de 1973 que inaugurou o período de incertezas no elevado nível educativo do Ocidente ao inspirar o desinvestimento público no ensino. Portugal estava muito atrasado. Saía de uma ditadura de 48 anos, de guerras coloniais e de uma profunda crise económica e social. Implementou, depois, a massificação escolar. Só conheceu o clima de incertezas na primeira década deste século; também com prevalência das políticas ultraliberais. Como explicou ao Expresso Samuel Moyn, investigador de Yale, “o sistema político está a virar à direita desde que os partidos socialistas se tornaram neoliberais”; partidos socialistas, sociais-democratas e de todo o centro-direita, acrescentamos nós. 

Aliás, o nosso desinvestimento na Educação neste milénio (de 6,3 % do PIB para 4,6%) inspirou-se no modelo das escolas particulares e cooperativas geridas por empresas privadas da órbita dos partidos mainstream. Prometia-se a receita ultraliberal: liberdade de escolha, igualdade de oportunidades, fazer mais com menos, prémios por desempenho e mais oportunidades de negócio. Os resultados falam por si: privatização de lucros com a precarização de professores, aumento das desigualdades educativas, climas de todos contra todos, fuga de profissionais e eleitores empurrados para guetos de radicalização. Que não se repita.

Insistindo num meritório serviço público, Paulo Prudêncio partilha com um público mais alargado as suas reflexões, tentando levar, a uma opinião pública geralmente distraída e pouco versada nos temas educativos, a perspectiva de um professor no terreno sobre a crise na Educação. Reflexo, por sua vez, de uma sucessão de crises mais profundas, a nível económico, político e social.

Partindo do fracasso óbvio e estrondoso do modelo neoliberal na Educação – que estará condenado a falhar sempre que o objectivo for a escolarização universal, a formação de pessoas e cidadãos e a promoção da igualdade de oportunidades – traça-se o retrato da crise no sector: o declínio das aprendizagens, o descrédito da avaliação externa, a desautorização e a desconfiança que recaem sobre os professores, a falta destes profissionais nas escolas, obrigadas a recrutar docentes sem habilitações e resignadas a deixar fugir os que rapidamente se fartam do clima de arbitrariedade, do excesso de burocracia e da penosidade em que a profissão é exercida, duplamente dependente dos humores de directores autocráticos e vereadores prepotentes.

Num texto que vale a pena ler na íntegra, Paulo Prudêncio não desiste de procurar soluções. Que passarão por certo por uma escola mais democrática, viva e activa, capaz de gerar contraditório e conviver com a diversidade e a diferença. Capaz de, em vez de autómatos ou zombies, formar cidadãos. Só assim poderemos desligar a Educação da máquina.

Pensar o futuro no país que desistiu do professor

As políticas inspiradas nuns rapazes de Chicago triunfaram em toda a linha, e o capitalismo democrático tornou-se incapaz de redistribuir melhor e remunerar bem o emprego. Martin Wolf, do Financial Times, resume o desespero: “Estamos numa batalha para convencer as pessoas de que a democracia é o melhor sistema”. O regime está ameaçado a partir do seu interior e do topo. Olhe-se para as eminências instaladas e para os pequenos tiranetes: crescem em número, sentem-se impunes e julgam-se invisíveis. Não se culpem os extremos nem a rua pela corrosão.

A Educação está no centro do turbilhão, e a escola faz escola. Pensar o seu futuro exige recuar à natureza das coisas e às causas da falta estrutural de professores e do aumento brutal das desigualdades educativas: cortes na percentagem do Produto Interno Bruto para a Educação (PIB-Ed); cheque-ensino ou políticas afins, com o Orçamento do Estado (OE) a financiar fracassadas empresas privadas da Educação; carreira de dirigentes escolares organizada em associações de classe e desligada do ensino real; sobreposição dos encarregados de educação nas decisões científicas e pedagógicas do professor; avaliação do professor baseada nos resultados dos alunos em exames – e remunerações em função disso – e com uma insana burocracia de prestação de contas; eliminação das reprovações, sem respostas não administrativas para os alunos “que não queriam aprender”; e racionamento curricular nos saberes humanísticos e artísticos, com quebra na qualidade das aprendizagens.

Em mais uma excelente reflexão no Público (também disponível, sem restrições à leitura, no blogue Correntes), Paulo Prudêncio escreve sobre o desinvestimento na Educação e a irrelevância a que se quer conduzir um sector outrora prioritário e que andará agora, afirma o nosso colega, na terceira divisão do debate parlamentar.

O desprezo pela escola e pela Educação tem números: em vinte anos, uma descida do peso percentual no PIB de 6,3 para 4,6, em linha aliás com a quebra de 30% do poder de compra dos profissionais do sector. A falta estrutural de professores, um fenómeno já recorrente noutros países e latitudes, é hoje indisfarçável em Portugal, um país onde ainda não há muito tempo a retórica oficial garantia haver professores a mais. Mas este é um problema que não motiva os políticos nem, aparentemente, a sociedade, a tomar medidas de fundo: apenas se buscam respostas fáceis e imediatas quando, aqui ou acolá, existem alunos sem aulas por falta de professores ou quando o assunto ameaça tornar-se tema de campanha eleitoral.

A razão da irresponsabilidade e do desinteresse dos responsáveis não é difícil de descortinar: os resultados, em Educação, vêem-se ao fim de décadas; os ciclos políticos não ultrapassam os quatro anos. Quer isto dizer que nenhum governante hoje em funções estará ainda no poder quando os efeitos das suas políticas desastrosas se tornarem evidentes.

Incisivo na crítica, Paulo Prudêncio não se deixa tomar pelo desânimo. E não prescinde de continuar a apontar caminhos que permitam, a prazo, reverter a triste sina da Educação portuguesa…

(…) Recupere-se a escola como o laboratório da democracia, que faz da ética e da idoneidade os valores preciosos à prova de uma justiça que ainda é lenta e ineficaz.

Retome-se a confiança na palavra do professor. A doentia burocracia resultou dessa desconfiança. Prevaleceu uma espécie de “mangas de alpaca 2.0”, que transferiu para o digital a infernal Babel administrativa dos procedimentos repetidos, redundantes ou inúteis.

Reconquiste-se três imperativos democráticos na gestão das escolas: limitação inequívoca de mandatos, colegialidade e cadernos eleitorais abrangentes para sufrágios directos e universais. (…)

Os novos devoristas

As principais estrelas dos devoristas de Novembro de 75 estão reunidas num ato celebratório em Almada, no Congresso do PSD. A data escolhida é muito apropriada. Estão no tempo certo para celebrar o saque que a contrarrevolução lhes proporcionou, mas argumentam com a liberdade ameaçada e o perigo da guerra civil. Seja. Para mim é matéria dada e para eles é matéria recebida. Voltemos aos nossos bolsos, o lugar onde tradicionalmente trazemos a carteira com todos os nossos cartões, os do dinheiro e os que dizem quem somos, o do cidadãos e o do contribuinte. Para o cerimonial dos devoristas ser perfeito, em vez de um pavilhão em Almada deveriam reunir-se na antiga sede do BPN, na rua Marquês de Fronteira, a grande obra dos devoristas, que hoje são oligarcas impolutos. Mas atrás de uma grande fortuna há sempre um crime. A frase é atribuída de Balzac, e convém recordá-la, porque estes crimes não passam no Correio da Manhã. (…)

Carlos Matos Gomes evoca os velhos devoristas – os liberais vitoriosos da Guerra Civil em 1834 que, arvorados em novos donos disto tudo, rápida e vorazmente se lançaram ao assalto dos bens nacionais, vendidos a preço de saldo em hasta pública – para recordar o devorismo vitorioso a 25 de Novembro. Mais do que vitória da “liberdade” ou da “democracia” – que não estavam em causa sob a governação do moderado Pinheiro de Azevedo, primeiro-ministro que sucedeu a Vasco Gonçalves – o golpe militar almejou, com êxito apenas parcial, liquidar todo o espectro político situado à esquerda do PS. Já no plano económico, os novos devoristas foram bem mais eficazes a reconstituir as bases da oligarquia de banqueiros e empresários do regime que atravessou quase incólume as águas agitadas do republicanismo e da formação do Estado Novo, mas que foi fortemente ameaçada pela política de nacionalizações iniciada no período revolucionário.

As mega-fraudes do BPN, Banif e BES/NovoBanco que continuamos a pagar, as privatizações ruinosas que entregaram o controlo de sectores estratégicos da economia nacional a empresas e governos estrangeiros, o autêntico saque às finanças públicas que constituem as parcerias público-privadas: o valor astronómico que atinge esta transferência de riqueza explica a estagnação económica do país e o empobrecimento de boa parte da sua população, que passou, como num passado ainda não muito distante, a ter de emigrar em massa para conseguir viver com o mínimo de dignidade. Mas os novos devoristas continuam insaciáveis…

(…) Este é o retrato do resultado do 25 de Novembro de 1975 que os devoristas, a fação dos negócios da grande frente conservadora está a comemorar como ato de preparação para nova vaga de assalto, agora aos fundos PRR.

É um retrato contabilístico que esquece ganhos políticos e sociais? Não esquece, apenas lembra o que deliberadamente tem sido ocultado. Os ganhos têm sido devidamente celebrados: são apresentados como os benefícios da democracia. Mas foi com um regime democrático que o saque aos bens públicos foi efetuado! E esse facto devia fazer-nos refletir, e a todos os europeus, sobre a qualidade desta democracia. Em que medida a nossa liberdade de expressão de vontade em eleições determina as decisões que permitem a acumulação de riqueza nas mãos de grupos organizados e fora de controlo democrático? Como surgem o BPN e o Novo Banco no regime democrático? Como surgem PPP para autoestradas, pontes e hospitais? Como surgem as administrações dos órgãos de manipulação da opinião pública? Quem controla os cambões entre as grandes cadeias de distribuição de onde saem os preços dos produtos essenciais? Quem controla o aparelho judicial que seleciona os seus alvos?

A grande questão do regime democrático é a tradução da vontade dos cidadãos em atos que determinam a vida da polis. É sobre essa tradução que devíamos estar a discutir. Devíamos, neste 25 de Novembro, como em todos, e nos 25 de Abril refletir como os devoristas chegaram ao poder e não a celebrar o modo como chegaram. (…)

Leitura integral do texto parcialmente transcrito aqui.

Uma «perturbação positiva»

Especialistas em tecnologia educacional defenderam esta quarta-feira que a Inteligência Artificial (IA) “pode perturbar positivamente a Educação”, considerando o ChatGPT “um ótimo apoio para os professores” que pode levar os alunos a tornarem-se melhores aprendizes.

“Uma das coisas que mais me entusiasma na IA é pensar nela como um parceiro de pensamento e como uma forma de ajudar qualquer pessoa. Isso é transversal a todo o espetro, tanto no ensino básico como secundário, e também nos adultos. Há uma série de aprendizagens possíveis”, salientou o presidente executivo (CEO) da tecnológica Mindstone, Joshua Wöhle.

Falando hoje na Web Summit, que decorre em Lisboa entre segunda e quinta-feira, num painel que juntou ainda as especialistas Divya Gokulnath e Tara Chklovski, o empresário lembrou que “não existe um nível de tecnologia adequado para todos”.

“Penso que há um equilíbrio individual entre o que funciona para cada pessoa e o que é necessário para pensar nestas experiências. Começar com o problema em primeiro lugar é algo que não devemos perder de vista, porque é muito fácil colocar a IA no problema (…). Muita tecnologia educativa está a fazer isso neste momento. Penso que isso é um erro. É preciso trabalhar no sentido inverso, ou seja, como é que preparamos os estudantes para enfrentarem os problemas complexos que lhes estamos a colocar agora, quais são as competências necessárias para o fazer e, depois, onde é que a IA pode amplificar isso”, salientou.

Não tenho dúvidas de que a inteligência artificial será o maior desafio que as escolas e os profissionais de Educação terão de enfrentar nos próximos anos. Ferramentas como o ChatGPT e outras ainda mais sofisticadas podem ser poderosos auxiliares do trabalho dos professores, e a quem duvida o melhor conselho que se pode dar é que não negue à partida uma ciência que desconhece.

Da mesma forma, é ilusório pensar que os alunos não irão usar, e em muitos casos abusar, das novas ferramentas. É facílimo pedir ao ChatGPT um trabalho escrito sobre determinada matéria escolar e obtê-lo de imediato. Mais: como não está publicado em lugar algum, não é possível determinar a sua origem através de uma pesquisa no browser; nem se coloca sequer a questão do plágio, pois não existem direitos de propriedade intelectual em relação a textos produzidos por máquinas.

Num universo de incertezas – ninguém será hoje capaz de fazer uma antecipação rigorosa do que será, dentro de meia dúzia de anos, um mundo dominado pela inteligência artificial – há pelo menos uma certeza razoável que os palestrantes na Web Summit sublinharam: a IA tem potencial para alavancar a educação a patamares de eficácia e melhoria de resultados nunca antes alcançados. No ambiente elitista e futurista da conferência, é uma reflexão pertinente e que faz todo o sentido.

No mundo real da Educação, da escola pública universal, obrigatória e inclusiva, é mais complicado. Aqui, a questão será sempre a de saber se queremos usar a inteligência das máquinas para trabalharmos a partir dela, ou se aceitaremos que ela nos substitua nas árduas tarefas intelectuais. Estudantes de excelência optarão resolutamente pela primeira opção. A dura realidade é que a grande maioria dos alunos que temos, e continuaremos a ter, desejarão ser empenhados e cumpridores, mas não ambicionam ser excelentes alunos. Nem haveria forma, no modelo de sociedade que vamos construindo, de recompensar tanta excelência…

Perplexidades

Um primeiro-ministro demite-se por suspeitas de corrupção envolvendo pelo menos um ministro e membros do seu próprio gabinete, restando apurar até que ponto o chefe do Governo estaria ao corrente das maroscas.

Se fossem sérias as suspeitas sobre António Costa, então a sua saída de funções deveria ser imediata. Não o sendo, tratar-se-ia apenas de fazer o que o bom-senso vem há muito recomendando, a substituição das “maçãs podres” do Governo.

O que não faz sentido é a urgência súbita de demitir o Governo e dissolver o Parlamento dar lugar, no dia seguinte, à manutenção em funções de um governo politicamente diminuído por mais quatro longos meses, mantendo os alegados suspeitos com a mão na massa e inteira liberdade de acção política.

A necessidade de aprovar um Orçamento para 2024, sendo discutível, é ainda assim compreensível, tendo em conta a quantidade de problemas que o desgoverno dos últimos anos tem vindo a avolumar. O que não se percebe é como se mantém muito para além disso, dotado de plenos poderes, um governo a prazo, com eleições anunciadas e suspeições graves em relação a vários dos seus membros. Não se percebe que há um inevitável apodrecimento da situação política que estas crises à portuguesa potenciam? Dois meses não seriam tempo mais do que suficiente para os partidos que ambicionam o poder arrumarem a casa e apresentarem-se a votos?

A única explicação lógica para a opção do Presidente é ninguém estar a levar muito a sério as investigações da Procuradoria que, pelo que se vai sabendo, continuam a trazer à tona muita parra e pouca uva: umas conversas soltas, dinheiro vivo encontrado aqui ou acolá, contrapartidas públicas pela concessão de licenciamentos privados são coisas corriqueiras. Poderão ser indícios de práticas criminosas, que precisam de ser provadas, mas só por si não constituem crimes. E em matéria de criminalidade económica, já se deveria saber que uma investigação preguiçosa ou inconsequente acaba sempre, quando chega aos tribunais, em águas de bacalhau. Como os casos mais recentes de políticos absolvidos, ou com os processos remetidos para as calendas, têm demonstrado.

Pensamento do dia

Com o agudizar da luta dos professores, a exigência de demissão dos responsáveis políticos começou a ser vista e ouvida com crescente insistência entre a classe docente.

Afinal, parece que nos fizeram a vontade. Aí estão, demissionários, não só o ministro da Educação que cai por arrastamento, tal como o resto do Governo, mas o próprio primeiro-ministro.

Porque é não sinto a satisfação generalizada dos muitos que exigiram: «Demissão!»?

Porque é que esta crise política, inesperada na forma como surgiu, nos deixa tão inquietos e pessimistas em relação ao futuro?

Porque é que, estando nós mal, nos fica sempre a sensação de que com um novo governo poderá ser ainda pior?…

Leituras: A mercantilização do saber

Não me parece que as empresas procurem um determinado modelo de educação e de competências, parece-me ser-lhes indiferente, porque o que procuram são licenciaturas em universidades de prestígio que ofereçam alunos com percursos aceitáveis, quer pela sua origem social, quer pela seleção prévia dessas instituições.

O que acontece é que se criaram protocolos globais que tentam homogeneizar a formação imitando o imaginário das universidades de “excelência” (que na realidade, dado que já seleccionaram os alunos “excelentes”, costumam ser muito mais abertas do que o resto das imitadoras).

O que se criou foi uma enorme burocracia que vive da imposição de indicadores de qualidade que inventa para a sua própria existência. Infelizmente, este é um mal que afecta não só a educação, mas todas as instituições (a protocolização dos cuidados de saúde, de todos os serviços públicos, etc.). Na realidade, nada disto tem a ver com a economia real, mas sim com a economia imaginária (as empresas de consultoria estão a fazer coisas semelhantes com as empresas). Não há receitas fáceis para inverter este processo, mas há formas de resistir, fazendo da sala de aula um espaço e um tempo de liberdade, de crítica e de compromisso com a verdade e o conhecimento.

Fernando Broncano