É muito difícil ler os clássicos; logo a culpa é dos clássicos. Hoje o estudante faz valer a sua incapacidade como um privilégio. Eu não consigo aprender isto, portanto alguma coisa está errada nisto. E há especialmente alguma coisa errada com o mau professor que quer ensinar tal matéria. Deixou de haver critérios – para só haver opiniões.
Lisboa 11/02/2023 – Manifestação Nacional de Professores em Lisboa (Rita Chantre / Global Imagens)
Para quem, por estes dias, se confessa cansado da luta, recorde-se que o Primeiro de Maio original remonta a 1886. De então para cá, muitas conquistas se alcançaram, mas continuamos a ter uma repartição injusta de rendimentos entre o Trabalho e o Capital. Quase século e meio depois, e quando a globalização neoliberal agrava as assimetrias e desigualdades e a exploração capitalista se tornou a maior ameaça ao futuro do planeta, a luta dos Trabalhadores não só não está terminada como continua a fazer todo o sentido.
Entre os trabalhadores docentes, a greve iniciada pelo STOP, ainda em Dezembro, “por tempo indeterminado”, correspondeu às expectativas frustradas de muitos professores, inconformados e combativos, que há muito não se reviam nas lutas – fofinhas, diziam eles – do sindicalismo tradicional. Desencadeou um processo reivindicativo que, alternando momentos de maior e de menor mobilização e intensidade, ainda não terminou.
Mas ninguém disse que iria ser fácil. A negociação com o ME começou pelos concursos, mas rapidamente a exigência da recuperação integral do tempo de serviço se assumiu como prioridade. Com a fasquia colocada no ponto mais alto, e sabendo-se as voltas que este tema já deu no primeiro e minoritário governo de António Costa, ameaças de demissão incluídas, não seria agora que, dotado de maioria absoluta, o PS iria satisfazer a vontade dos professores. A um objectivo ambicioso, teria de corresponder uma estratégia à altura, capaz de obrigar o Governo, perante uma força e união inéditas da classe, a ceder em algo que não fazia parte das suas promessas, muito menos dos seus planos.
Quanto à estratégia do Governo, ela foi clara desde o início: vencer os professores pelo cansaço. Pouco preocupados com as aprendizagens dos alunos, sabem que a greve representa prejuízo material para os professores. Afinando a estratégia de desgaste, foram surgindo as pressões: primeiro, pondo em causa a legalidade da greve, depois, requisitando serviços mínimos à margem dos critérios legais, que solícitos colégios arbitrais logo concederam, e sempre, pressionando os directores para manterem as escolas abertas.
Ao fim de quase meio ano de lutas, um sentimento de amarga decepção começa a dominar os professores: mexemo-nos muito, alguns mais do alguma vez o fizeram nestas lidas, mas não saímos do mesmo sítio: até agora, nenhuma reivindicação importante dos professores foi alcançada.
É verdade que os professores ainda não foram vencidos. Como costuma dizer-se nos meios sindicais, só é vencido quem desiste de lutar. Mas entre os professores, além dos que nunca lutaram verdadeiramente, começa a avultar o grupo dos desistentes, que não querem perder mais tempo e dinheiro a alimentar o que lhes parece ser uma ilusão inalcançável.
Ressurge também uma velha tendência da classe nos momentos de desânimo, bastando dar uma volta pela blogosfera docente e as redes sociais dos professores, para a encontrar: como os professores não conseguem vergar o Governo, atacam os seus próprios sindicatos. Sempre é mais fácil. Mais difícil é perceber o que esperam ganhar com essa reacção infantil que, curiosamente, não vemos noutras classes profissionais igualmente envolvidas em lutas duras e prolongadas.
Alguns argumentos são extraordinários. Diz-se, por exemplo, que falta união entre os sindicatos. Ora desde que a actual luta se intensificou a quase totalidade dos sindicatos têm actuado conjuntamente numa plataforma que inclui as duas federações. Parte do processo negocial decorreu em mesa única, algo que já não acontecia há décadas. No final, nem um só sindicato assinou qualquer acordo com o ministério. E quanto ao papel de outsider assumido pelo STOP, essa foi uma inevitabilidade ditada pela postura do sindicato e a luta inovadora que quis desencadear, o que foi vivamente saudado pelos sócios e simpatizantes deste sindicato.
Perceba-se que os sindicatos dos professores reflectem a diversidade de uma classe que nunca foi homogénea. Pode haver unidade entre os representantes se ela está longe de existir entre os representados? Mais, essa unidade constrói-se em torno de quê? Vão todos atrás do primeiro que decidir alguma coisa? Ou opta-se pelo consenso paralisante, que é sempre a melhor forma não comprometer a “unidade”?
Nos últimos dias, não faltou sequer a insinuação torpe, a que o Paulo Guinote decidiu dar injustificado destaque, de que o ME andaria a pagar viagens aos EUA a delegações da Fenprof e da FNE para irem, juntamente com o secretário de Estado da Educação, fazer acordos às escondidas dos professores. Afinal, tratou-se de uma iniciativa anual que reúne a OCDE, representantes sindicais e governamentais para debater a actualidade e o futuro da Educação. A edição de 2018 deu nas vistas porque teve lugar em Portugal e também não faltou quem não gostasse de ver Tiago Brandão Rodrigues e Mário Nogueira sentados lado a lado. Em Washington, António Leite encontrou-se com as delegações sindicais, mas cada um foi, obviamente, por conta da organização que representa. Haver quem pegue nisto para a crítica acintosa e aldrabona aos sindicatos diz bem da forma como alguns de nós olham para quem os representa.
Alguma coisa está mal quando uma classe profissional culta e influente olha os seus sindicatos como corpos que lhe são estranhos. Os sindicatos são formados pelos próprios trabalhadores, algo que, no dia que lhes é dedicado, será sempre bom relembrar. No cerne de todas as grandes conquistas conseguidas pelas classes trabalhadoras estiveram sempre os seus sindicatos, organizando e enquadrando as lutas colectivas por melhores condições de vida e trabalho.
Haver quem declare que, entre mais de 20 sindicatos docentes, nenhum lhe serve, significa apenas, provavelmente, que há quem espere de um sindicato aquilo que ele não lhe pode dar. Não são os sindicatos que fazem as leis, os decretos e os despachos. Não têm o poder de “deixar” o Governo fazer isto ou aquilo. Não são sequer eles que decidem a ordem de trabalhos das reuniões negociais. Têm, em cada momento, apenas a força que lhes é dada pelos trabalhadores que representam e que se dispõem a lutar pelos seus direitos.
Por isso, e porque lutar custa, e cansa, é que ao lado do argumento do “tantos sindicatos” surge a variante do “precisamos de uma Ordem”: o sonho da união eterna e definitiva, imposta por decreto, e de ter um bastonário nosso, “independente de sindicatos e de partidos”, que irrompe com o seu bastão pelo ministério dentro e consegue para a classe, de uma penada e sem esforço, tudo aquilo que ela sempre desejou…
Assinale-se ainda a contradição de fundo que atravessa a luta dos professores: exigimos negociações mas, cansados de humilhações e derrotas, impomos “linhas vermelhas” que um Governo que hostiliza abertamente os professores nunca aceitará. Não veremos, a não ser perante um terramoto político de amplitude inimaginável, o Governo a ceder perante as principais exigências dos professores, entre as quais avulta a contagem integral do tempo de serviço. Mas também nenhum sindicato ousará, perante a mão cheia de nada que lhe é oferecida, assinar algum acordo com o ME em nome dos professores. Estamos assim, pelo menos pelos tempos mais próximos, condenados ao desentendimento.
Não estando em causa desistir, a luta estará então para continuar enquanto houver docentes dispostos a assumi-la. Doseando forças de forma inteligente, diversificando as frentes de batalha e as formas de luta, trazendo-a dos portões e das ruas para dentro das escolas e para a vivência diária da profissão. Aproveitando os momentos e as conjunturas mais favoráveis para pressionar o poder, somando pequenas vitórias que nos darão ânimo, cultivando um espírito solidário e colaborativo e passando o testemunho da luta e da conquista de direitos às novas gerações docentes que começam finalmente a despontar na profissão.
A grande maioria dos professores que escrevem sobre Educação, entre os quais me incluo, fazem-no geralmente ao correr da pena. Em sentido oposto, a escrita de Paulo Prudêncio é profunda e reflexiva. Convida a ler calmamente e estimula a reflexão. No Público e no blogue Correntes, de parabéns pelos seus 19 anos recém-completados, a pedagogia é convocada para a discussão que interessa ter sobre a importância da escola e dos professores. Um elemento que, apesar de estar no cerne da profissão docente, tem andado arredado do debate público.
Os avanços mais recentes e espectaculares da inteligência artificial evidenciaram uma clivagem que já não é de agora: a simplificação dos currículos e formas de aprender, a massificação dos processos e a automatização da avaliação permitem embaratecer os custos da educação obrigatória. Ao mesmo tempo, escolas com professores qualificados, recursos materiais abundantes, turmas reduzidas e percursos escolares individualizados ficam reservadas às classes mais abastadas, as únicas que poderão pagar por uma educação realmente diferenciadora e cada vez mais ao serviço da auto-perpetuação das elites. Os sinais de que a escola pública, como a conhecemos, está em risco, são evidentes. O processo encontra-se mais adiantado nos países de cultura anglo-saxónica, mas a ideia de uma Educação ao serviço da nova ordem mundial propaga-se activamente à escala global.
De permeio, a pedagogia foi-se igualmente transformando: de teoria inspiradora de melhores práticas pedagógicas, produzida longe das escolas onde é aplicada, enclausurada nos gabinetes e nas academias, é hoje um instrumento ao serviço da subjugação e da menorização dos professores. Enquanto diferentes teses pedagógicas se digladiam, mina-se a autonomia científica e pedagógica dos professores, tidos como incapazes de construir a sua própria cultura profissional e como tal remetidos ao papel de receptores e aplicadores passivos de uma pedagogia do regime cada vez mais ideológica, dogmática e prescritiva.
Neste ponto, dou a palavra a Paulo Prudêncio e recomendo a leitura integral de um texto que aplaudo e subscrevo inteiramente…
Verdade seja dita que se ignorou os avisos (década de 1980) de que a democracia exigia dos professores a selecção dos conteúdos (com conhecimentos, destrezas, valores e atitudes), e das formas de avaliação, que ultrapassaria a relação contraditória com os alunos. Desconstruíram-se três teses que ainda hoje se confrontam: a da harmonia, do psicoterapeuta Carl Rogers, baseada em relações individualizadas e empáticas, mas inaplicável em turmas; e duas de desequilíbrio: magistercentrismo (o professor rei de Alain, Dewey e Durkheim) e pedocentrismo (o aluno rei de Freinet, Montessori e Summerhill).
Além de tudo, e é hoje cientificamente mais claro, há diversos estilos para ensinar, mas é mais correcto falar em ignorância do que em conhecimento no que se refere ao modo como cada um aprende. Se na investigação é imperativa a busca desse conhecimento, nas políticas educativas requer-se equilíbrio e prudência. Inclusivamente, a destemperada centralidade na aprendizagem inscreveu um diabólico aprender a aprender como uma espécie de absurdo assente em desconhecer a desconhecer ou ignorar a ignorar. Confundiu-se ciência com o valor moral positivo dado ao estímulo para aprender, agravado com a hierarquização de estilos de aprendizagem.
A partir de dado momento, não era inclusivo treinar as memórias de médio e longo prazos nem estimular a repetição, o estudo em casa, a atenção nas aulas e até o respeito pelos professores. Nem sequer se valorizava o número de alunos por turma e perdeu-se também a articulação com a sociedade em áreas fundamentais como a saúde mental, as emoções e o sono. Aliás, o ensino superior, que “desapareceu” da formação contínua, impôs, na formação inicial, um vazio no treino de professores que aumentou o desconhecimento sobre estilos de ensino.
Por outro lado, acentuou-se o erro com a generalização nos serviços centrais do Ministério da Educação (foram anos a fio de uma mistura desastrosa de prateleiras douradas com emprego partidário) da cultura antiprofessor e anti-sala de aula.
Onde se faz referência à televisão, bastaria acrescentar as redes sociais. De resto temos um texto escrito há mais de meio século que é completamente premonitório do que aí vinha e continua perfeitamente actual…
Um indivíduo inculto tem apenas um horizonte de pensamento limitado e quanto mais o seu pensamento estiver limitado a preocupações materiais, medíocres, menos ele se pode revoltar. É necessário que o acesso ao conhecimento se torne cada vez mais difícil e elitista… que o fosso se cave entre o povo e a ciência, que a informação dirigida ao público em geral seja anestesiada de conteúdo subversivo. Especialmente sem filosofia. Mais uma vez, há que usar persuasão e não violência direta: transmitir-se-á maciçamente, através da televisão, entretenimento imbecil, bajulando sempre o emocional, o instintivo.
Vamos ocupar as mentes com o que é fútil e lúdico. É bom evitar que, com conversa fiada e música incessante, a mente se interrogue, pense, reflita.
Vamos colocar a sexualidade na primeira fila dos interesses humanos. Como anestesia social, não há nada melhor. De um modo geral, vamos banir a seriedade da existência, escarnecer de tudo o que tem um valor elevado, manter uma constante apologia à leveza; de modo que a euforia da publicidade, do consumo se tornem o padrão da felicidade humana e o modelo da liberdade.
Assim, o condicionamento produzirá tal integração, que o único medo (que será necessário manter) será o de ser excluído do sistema e, portanto, de não poder mais aceder as condições materiais necessárias para a felicidade. O homem em massa, assim produzido, deve ser tratado como o que é: um produto, um bezerro, e deve ser vigiado como um rebanho. Tudo o que permite adormecer a sua lucidez, a sua mente crítica é socialmente bom, o que arriscaria despertá-la deve ser combatido, ridicularizado, sufocado…
Qualquer doutrina que ponha em causa o sistema deve ser designada como subversiva e terrorista e, em seguida, aqueles que a apoiam devem ser tratados como tal.
Para este ministro e os seus apoiantes, parece que sim. A primeira reacção, a mais visceral, que sai aos defensores da burocracia pseudo-pedagógica do MAIA é chamar ignorantes aos seus detractores: não conhecem o projecto, como se eles próprios se interessassem por mais alguma pedagogia além da que é emanada pelo ministério; não sabem o que é “avaliação pedagógica”, como se qualquer avaliação escolar pudesse não o ser; usam a formação, na modalidade de mais do mesmo, como um castigo a aplicar aos recalcitrantes, como se a persistência no erro fizesse de alguém melhor profissional.
Vem isto a propósito de uma colega, maiata irritada e irritante que, descontente com a petição Fim do Projeto MAIA e as perto de doze mil assinaturas que já conseguiu reunir no momento em que escrevo estas linhas, resolveu fazer também uma petição. Esta a pedir mais formação para quem desdenha de um projecto tão brilhante que até o seu principal mentor o abandonou.
A argumentação, ou falta dela, não se desvia muito do que já ficou dito e parte, como toda a medíocre teoria da “avaliação pedagógica”, de pressupostos errados: a de que com uma avaliação mais rigorosa os alunos obtêm melhores resultados. Que o problema do insucesso é a falta do “feedback” adequado. Que com a magia do MAIA todos os alunos aprendem, mesmo os que não querem aprender.
Na verdade, o que o MAIA faz é burocratizar a avaliação, na tentativa de generalizar procedimentos que, podendo ser válidos e eficazes numas disciplinas, não o são noutras; e ignorando não só as especificidades inerentes às diferentes áreas disciplinares mas também as disparidades ao nível da carga horária de cada uma. É possível avaliar da mesma forma trabalhando em monodocência e com apenas uma turma ou tendo sete, oito, ou ainda mais, como sucede frequentemente a partir do 2.º ciclo, com uma ou duas centenas de alunos?
Um pouco de pensamento “reflexivo” – que para alguns se reduz a obedecer cegamente aos reptos do ME e dos seus comissários políticos – deveria fazer-nos compreender a profunda contradição que grassa na pedagogia do regime entre o desenvolvimento curricular e a “avaliação pedagógica”: enquanto naquele se privilegia uma visão “holística” do currículo, exortando-se os professores a quebrar as compartimentações do saber entre as disciplinas tradicionais, reorganizando o currículo com base nos projectos educativos e na “autonomia das escolas” e promovendo a interdisciplinaridade através dos DAC, na avaliação prevalece a rigidez conceptual que coloca avaliação formativa e sumativa em compartimentos estanques e que na prática representa um claro retrocesso em relação aos avanços das últimas décadas e a uma aplicação plena do princípio, esse sim eminentemente pedagógico, da avaliação contínua.
Ao contrário dos pedagogos de cátedra ou de gabinete, não tenho pretensões a teorizar sobre avaliação. Mas preocupo-me em aplicar o que os livros e a experiência me foram ensinando no dia a dia da profissão. E cada vez encontro menos vantagens em separar o formativo do sumativo, ou o avaliar do classificar. Romper o cerco em que as formulações maiatas nos querem encerrar reconduz-nos à avaliação verdadeiramente pedagógica que deve estar presente em todo o processo de ensinar a aprender. Esta visão integrada é que nos permite também, fugindo a excessivos formalismos avaliativos, aproveitar o máximo de tempo disponível para o que verdadeiramente interessa, que é o processo de aprendizagem.
Por exemplo, uma ficha formativa pode servir para o aluno rever matérias, superar dificuldades, obter feedback sobre os seus inconseguimentos. Mas também permite ao professor verificar como o aluno trabalha, avaliando a forma como pesquisa ou relaciona informação, como aplica conhecimentos adquiridos ou o empenho e a persistência que demonstra no seu trabalho. Da mesma forma que um teste sumativo pode e deve ter um carácter formativo: seria um desperdício de tempo que um teste servisse apenas para classificar os alunos, sem lhes proporcionar qualquer aprendizagem real.
Tudo isto, claro, são meras reflexões de um professor a pensar fora da caixa, tentando ir um pouco além das teorias que norteavam a formação de professores nos anos 90 e nas quais alguns parecem ter cristalizado. Muitos colegas de ofício certamente me entenderão, mas que não sei se estas heterodoxias alcançarão as alturas onde planam as mentes formatadas de alguns doutores da pedagogia.
Quando, a meio de uma luta que sempre se soube que não seria curta nem fácil, se notam sinais de desorientação e radicalismo nas hostes dos “professores em luta”, talvez seja oportuno relembrar algumas noções meio esquecidas.
Não são os sindicatos que legislam, executam ou aplicam as leis. Estes poderes são exercidos pelo Parlamento, o Governo e os tribunais e é a eles que deveremos pedir contas.
Os sindicatos têm a força reivindicativa que os seus associados e representados lhes conferem. Uma classe profissional em que grande parte dos seus membros se dedicam a denegrir os sindicatos que a representam só pode queixar-se de si própria quando constata que não é levada a sério pelo governo em sede negocial, nem obtém deste o “respeito” que insistentemente reclama.
Uma negociação séria, como vem sendo exigida, não é um jogo de tudo ou nada. Terá de haver cedências mútuas para que possa haver ganhos de parte a parte. As expectativas devem ser realistas, mas um entendimento justo também não pode ser obtido a qualquer preço.
Que o Governo se mostra relutante em encontrar margens para cedências, já todos percebemos. Que a seriedade negocial está, da sua parte, praticamente a zero, também já todos constatámos. Resta saber se estamos dispostos, com a nossa desunião, a facilitar-lhe a vida.
Debata-se causas e encontre-se caminhos livres de preconceitos. O mundo mudou e, acima de tudo, é imperativo que os professores reconstruam o ambiente democrático da escola. Use-se o adjectivo para o que é comum e público. Não se receie. A propósito, e como é fundamentada a crítica à falta de debate sobre a transformação da escola a pensar no futuro, a recuperação do clima democrático trará ambição, visão e governo.
E antes do mais, recorra-se a Confúcio. Quando perguntado, por Sima Quan, se era um homem culto e instruído, respondeu: – De modo nenhum, simplesmente descubro o fio da meada.
É nesse sentido que urge partir de quatro eixos – carreira, avaliação, gestão e burocracia – e discutir propostas sustentáveis com um ponto prévio: a carreira implicará investimento e as outras reduzirão despesa.
Fugindo à espuma dos acontecimentos e procurando novos ângulos de abordagem para as polémicas do momento, Paulo Prudêncio analisa os bloqueios desastrosos do poder político à classe docente, que conduziram tanto à sistémica falta de professores como à recente e avassaladora onda de greves e protestos. Para concluir que, se a reabilitação da carreira docente custará sempre mais dinheiro do que manter tudo como está, a resolução deste problema poderá reduzir despesa noutras vertentes, melhorando substancialmente a qualidade do sistema educativo. Contas bem feitas, o país terá muito mais a ganhar do que a perder com a valorização dos seus professores.
Na verdade, uma carreira horizontal, com um pleno desenvolvimento tornado acessível a todos os professores que cumpram zelosamente os seus deveres profissionais, sem quotas, vagas ou outros bloqueios artificiais, permitiria não só reduzir despesa mas também melhorar a qualidade do serviço educativo, as condições de trabalho nas escolas e os níveis de realização pessoal dos professores:
uma avaliação do desempenho formativa em vez de punitiva, centrada na reflexão crítica e na partilha de boas práticas, em vez do auto-elogio dos relatórios para avaliador ler;
a recuperação dos princípios da gestão democrática, colegial e participativa e do primado da gestão pedagógica sobre a administrativa, reposicionando a escola, em vez do mega-agrupamento, como unidade de gestão;
a desburocratização da organização escolar, substituindo a desconfiança sistémica em relação ao trabalho dos professores por uma relação de confiança assente na autonomia pedagógica e científica dos docentes e numa natural prestação de contas sobre o que se ensina e a forma como se avalia quando necessário.
Os bloqueios, as injustiças e a burocracia kafkiana em torno das progressões na carreira docente em Portugal não encontram paralelo nas carreiras profissionais dos países com que gostamos de nos comparar. A perversidade e a imprevisibilidade com que sucessivos governos gerem a profissão afastam da docência as novas gerações. Tal como se encontra organizada, a escola extenua e adoece os professores, a começar pelos mais comprometidos e dedicados. E não teria de ser assim. Será tão difícil entender o óbvio?…
A escola só é útil a todos se for contrafactual, Mas só pode ser contrafactual se se separar o suficiente da sociedade para poder criticá-la, questioná-la e melhorá-la. A escola morre quando tenta mimetizar a sociedade.
As reflexões sempre estimulantes de Paulo Prudêncio convidam-nos a olhar a Educação para além da espuma dos dias, o que faz todo o sentido num sector onde, como oportunamente nota o autor, as mudanças se fazem a um prazo muito mais longo do que o dos ciclos eleitorais. O que hoje é decidido terá os seus efeitos, não no imediato mas dentro de 15 ou 20 anos.
Assim, se quisermos perceber os problemas actuais da Educação e como chegámos aqui, nada como olhar as más políticas educativas que começaram a ser desenhadas há duas décadas atrás: a desqualificação da formação de professores e dos estágios pedagógicos, o encerramento das pequenas escolas e a perda de autonomia pedagógica e organizacional de muitas das de média dimensão, cilindradas pelo rolo compressor do gigantismo burocrático dos mega-agrupamentos, a redução e desorçamentação de despesa através da municipalização e do recurso aos fundos europeus para, através de criativas engenharias financeiras, pagar uma quantidade crescente de despesas correntes, a desvalorização material da carreira dos professores e do seu estatuto, bem como a sua paulatina transformação em burocratas da Educação, em vez dos profissionais autónomos, críticos e reflexivos que nunca deveriam deixar de ser.
A crescente, e nalguns pontos do país já dramática, falta de professores poderá levar a adoptar, em tempo recorde, medidas há muito tidas como necessárias: revalorização dos estágios profissionais, revisão das habilitações para a docência e da formação em serviço, reforço dos quadros de escolas e agrupamento para garantir estabilidade e tornar atractiva a profissão. Lamentavelmente, nada indica que outras reformas, não menos essenciais, estejam a caminho – redução da burocracia e do controleirismo, com o retorno de uma gestão de proximidade e do recentrar da autonomia escolar na sua dimensão pedagógica e nos locais onde deve ser exercida: a escola e as salas de aula.
A tutela tem de criar condições para resolver estes problemas, não é com a transferência das competências de contratação de professores para as escolas ou câmaras. A principal solução está em tornar atrativa a carreira docente, valorizando os membros da comunidade educativa em todos os sentidos. Só assim se podem cativar professores que trabalham noutras áreas para o regresso à educação, assim como aliciar os atuais estudantes para o ingresso em cursos de educação.
Os professores têm de ser valorizados, a escola tem de ser valorizada, o rumo tem de ser alterado. Não é com as palavras vãs dos últimos anos que alguma coisa vai mudar. Sãp precisas ações e não divagações. A palavra de escuteiro aqui não resulta.
É necessário devolver autoridade à escola, é necessário devolver o bem-estar aos professores, acabar com as burocracias inúteis e mudanças de paradigmas/modelo a toda a hora, devolver o tempo de serviço, acabar com cotas de progressão entre escalões, acabar com este tipo de avaliação docente.
Urge tornar esta profissão atrativa ou corre-se o risco de um futuro sem professores. Nos dias que correm continua-se a assistir, mais uma vez, à discriminação dos professores nas negociações salariais para o próximo ano.
O mesmo país, mas situações diferentes entre continente e ilhas ao nível da recuperação do tempo de serviço, ao nível das condições de trabalho.
Percebo muito bem o problema atual da falta de professores. Não há motivação para se seguir esta carreira. Os problemas prolongam-se no tempo, a falta de estabilidade ao nível das colocações, a necessidade de andar com a casa às costas assim como a dificuldade em arranjar habitação. Os vencimentos que são vergonhosos e que em muitas situações não chegam para suprir as despesas do mês. O trabalho que nunca está acabado, o excesso de documentos e grelhas para preencher. O trabalho efetuado em casa fora de horas. Para qualquer professor as 35h semanais de trabalho são largamente ultrapassadas, muitas das vezes à custa de sacrifícios pessoais e familiares.
Eu não quero esta escola para os meus filhos. Eu não quero esta escola para os filhos dos outros. Eu não quero esta escola para todos os que lá trabalham.
Numa prosa inspirada e sentida na primeira pessoa, André João Ventura escreve, na condição pai, sobre o maior dos problemas que enfrenta o sector da Educação: a falta de professores. É curioso como pessoas que não pretendem ser “especialistas em Educação”, nem têm interesses políticos, económicos, profissionais ou académicos a defender, sendo apenas movidos pela defesa do direito dos seus filhos à Educação, têm uma visão mais clara e objectiva da situação e um discurso bem mais honesto e escorreito do que os aldrabões que ganham a vida a repetir a lengalenga da escola do século XIX e dos professores do século XX.
A verdade é que a carreira não é atractiva, a profissão está atolada em burocracias inúteis e desgastantes e muitos dos direitos consignados no ECD são letra morta para directores prepotentes e uma administração que lhes dá cobertura. A precariedade é regra instituída no acesso e nos primeiros quinze a vinte anos de profissão, ao ponto de muitos a abandonarem precocemente depois de sentirem, amargamente, o quanto investiram em vão num sistema educativo que se serve deles mas não os respeita nem valoriza. E logo aqui está a causa número um da actual carência de docentes habilitados. Não precisamos, no imediato, de formar muitos mais – nem tal seria possível a curto prazo. Mas é possível atrair milhares de professores com formação e vocação que nas últimas duas décadas abandonaram o ensino. Claro que lhes teríamos de oferecer condições um pouco melhores do que as que tinham quando saíram para outras actividades. Mesmo assim, é seguro que cada um deles ficaria muito mais barato do que o recém-licenciado que a Vieira da Silva júnior contratou para o seu gabinete ministerial, a ganhar mais do que um professor no 10.º escalão…