Demissões a pedido?

Entre as iniciativas mais sui generis que fizeram o seu percurso nos primeiros meses de 2023, quando a contestação dos professores estava ao rubro, encontra-se uma petição pedindo a demissão do ministro da Educação.

A voluntariosa iniciativa, que rapidamente conseguiu mais de oito mil assinaturas, assentava no entanto num equívoco incontornável: dirigia-se, como qualquer petição, ao Parlamento, sendo a competência para demitir ministros estritamente do primeiro-ministro.

Sendo certo que a mudança de ministros de pouco ou nada serve se as políticas se mantiverem inalteradas – e a política educativa, na sua componente financeira, há muito que deixou de ser decidida pelo ME – o que a petição estava a propor aos deputados era uma manifesta ilegalidade.

É o que se explica na acta da reunião da Comissão de Educação e Ciência do passado dia 16 de Maio:

Na apreciação da nota de admissibilidade da Petição n.º 141/XV/1.ª – Demissão do Ministro da Educação, interveio o Senhor Deputado Tiago Estevão Martins (PS) explicando que compete à Comissão competente em razão da matéria apreciar «se ocorre alguma das causas legalmente previstas que determinem o seu indeferimento liminar» (alínea a) do n.º 6 do artigo 17.º Regime Jurídico de Exercício do Direito de Petição) e que, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º do mesmo regime jurídico, é motivo de indeferimento liminar sempre que for manifesta a ilegalidade da pretensão deduzida, assim, em conformidade com o estabelecido na Constituição da República Portuguesa que determina de quem é a competência para a demissão ou não de um Ministro (alínea h) do artigo 133.º) a petição deveria ser indeferida. O Senhor Deputado António Cunha (PSD) também considerou que a petição não deveria ser admitida, uma vez que não cabe à Comissão imiscuir-se naquelas que são as responsabilidades do Primeiro-Ministro, no mesmo sentido se pronunciaram os senhores Deputados Gabriel Mithá Ribeiro (CH), Carla Castro (IL) e Manuel Loff (PCP). Foi assim deliberado por unanimidade dos Deputados do PS, do PSD, do CH, da IL e do PCP, registando-se a ausência do BE, a não admissão da Petição n.º 141/XV/1.ª – Demissão do Ministro da Educação, apresentada por João Francisco Lopes Sobreiro e com 8462.

Solidariedades

(c) Rui Manuel Fonseca/Global Imagens

Quando há uns meses a luta dos professores se começou a intensificar não faltaram apelos a demissões em massa de directores escolares. Seria uma forma de se solidarizarem com uma luta que também é deles – pelo menos dos que ainda se identificam como professores – e ao mesmo tempo isolarem e enfraquecerem o ministro e as suas políticas, replicando algo que sucede com frequência, e muitas vezes com bons resultados, entre as chefias hospitalares.

O apelo caiu em saco roto: não comove nem os directores que se identificam com as políticas deste ministro – e que não deverão ser tão poucos como isso, tendo em conta a quantidade de escolas que adoptam as loucuras pedagógicas que vão saindo das iluminadas mentes ministeriais – como os que querem acima de tudo preservar o seu lugar longe da sala de aula. Quanto aos mais afoitos, que até estariam dispostos a oferecer os seus lugares ao ministro, também rapidamente mudam de ideias ao perceberem que isso seria criar oportunidades para mais directores alinhados com o sistema chegarem às direcções escolares.

Resta no entanto uma questão: se assumissem o acto solidário que alguns reclamam, o que poderiam esperar os gestores escolares demissionários dos seus colegas professores?A resposta vem dada, em tom amargo, por Luís Braga, o subdirector que há dias se demitiu em protesto contra a ingerência e as pressões do delegado regional da DGEstE junto do seu director.

Apoio dos órgãos da escola com poder de representação dos professores? Zero.

Nem questionamento. A covardia prospera.

Quem ousou é deitado às feras.

Apoio individual dos professores…pouco e quase clandestino. Com 2 exceções honrosas.

Uma colega que assumiu publica e individualmente posição (e já foi zurzida) e o adjunto que se demitiu na sequência.

Em todo o país, a segunda pessoa de uma equipa diretiva que faz o que tantas pessoas pediam: “direcões demitam-se”. Creio que sente a solidão que eu sinto. Talvez mais, porque teve mais coragem que eu porque não tem a visibilidade que eu tenho.

Sensato é quem não liga aos apelos da ousadia e faz a sua vidinha.

Até há quem confesse que não leu a carta. Alguns dos vários que se apresentavam ao portão para não parecer mal.

(…)

Para quê ser solidário?

Para mim, a luta como conceito coletivo e reflexivo acabou.

Ganhou a coligação instalada do barulho sem rumo, com a abstenção de agir.

Eu perdi. E só é derrotado quem desiste de lutar.

O incómodo de João Costa

Insistentemente confrontado pelos professores nas suas incursões pelo país real, João Costa sente-se desconfortável. Incomodado com as esperas que lhe são feitas à porta das escolas que resolve visitar, decidiu partir para o contra-ataque: estão aí muito chateados com o Governo que até vos vai dando umas esmolas, mas não vos vi protestar quando outros governos vos cortaram rendimentos, aumentaram impostos e mantiveram a carreira docente congelada.

Que dizer de ministros de governos democráticos, neste caso socialista e tudo, que não gostam de protestos? Como diria outro Costa, o que está acima deste na hierarquia governamental: habituem-se!

A questão é que os tempos da troika, de que nenhum professor tem saudades, foram colectivamente assumidos como tempos de crise. Que embora gerida e agravada no seu impacto social por um governo PSD-CDS, teve a sua origem na espiral de despesismo e corrupção alimentada pelos governos de José Sócrates. Hoje o país tem uma situação económica e financeira incomparavelmente melhor, mas nem por isso melhorou a gestão dos seus recursos, investindo em sectores estratégicos como a Educação.

Sucede que os professores, tal como o resto da sociedade, estão mais exigentes. António Costa e os seus sequazes andaram sete anos a empurrar problemas com a barriga. Esta é a altura em que já todos nos fartámos das palavras vãs e das promessas não cumpridas. Queremos um país melhor para todos, não apenas para os detentores do cartão partidário. Desta vez, até o director escolar ousou lembrar ao ministro a necessidade de paz nas escolas, que nunca poderão funcionar bem com a desmotivação e o mal-estar generalizados entre professores e funcionários…

O ministro da Educação, João Costa, respondeu esta sexta-feira a mais um protesto de professores em Vinhais, afirmando que não viu manifestações quando ficaram sem subsídios e tiveram que pagar uma sobretaxa.

“Um grupo de professores do Norte”, como se apresentaram os contestatários, gritou hoje nesta vila do distrito de Bragança palavras como “demissão” e “respeito”, concentrado à entrada da sede do Agrupamento de Escolas de Vinhais, onde o ministro inaugurou as instalações reabilitadas com recurso a quase quatro milhões de euros.

“Os que estavam ali à porta viveram períodos em que não tinham subsídio de férias, subsídio de Natal, tinham uma sobretaxa de IRS (Imposto sobre o Rendimento Singular), não me lembro de manifestações nessa altura”, respondeu o ministro, quando questionado pelos jornalistas sobre o protesto.

Um saneamento selvagem

Depois de dois ativistas ucranianos acusarem o professor Vladimir Pliassov de espalhar propaganda russa no Centro de Estudos Russos (CER) da Universidade de Coimbra, o reitor determinou a sua exoneração imediata, mesmo tratando-se de um cargo a título gracioso, já que o docente estava reformado daquela instituição. Pliassov foi docente da FLUC durante 35 anos. Ensinou literatura e cultura russas e criou o Centro de Estudos Russos em 2012, na Universidade de Coimbra.

A exoneração imediata do professor russo está a levantar indignação junto da comunidade académica de Coimbra, sobretudo por não lhe ter sido dado o direito de resposta. Por essa razão, uma petição pública está a decorrer online a pedir ao reitor a reintegração do docente na direção do CER.

A guerra na Ucrânia parece estar para durar, e o seu desfecho é incerto. Para além da imensa tragédia que fez abater sobre dois povos, os ucranianos invadidos na sua própria terra e os russos arregimentados como carne para canhão por um ditador sem escrúpulos, esta guerra teve o condão de despertar, um pouco por toda a Europa, algo que nem a invasão israelita da Palestina, a ocupação marroquina do Saara Ocidental ou alguma das guerras civis que regularmente vão assolando o Médio Oriente e a África Central conseguiram: uma virtuosa e incondicional solidariedade com a Ucrânia e a forte determinação colectiva de defender o país da invasão russa.

Mas esta solidariedade está a levar a perigosos exageros. Na Faculdade de Letras de Coimbra, o fundador do Centro de Estudos Russos, um académico já aposentado que continuava, graciosamente, a leccionar no centro, foi sumariamente despedido pelo reitor da Universidade, depois de dois activistas ucranianos terem denunciado o professor Vladimir Pliassov como agente de propaganda do governo russo. Isto sucedeu sem que o professor fosse sequer ouvido a respeito das acusações feitas, o que representa a negação do mais elementar direito à justiça e se mostra ainda mais grave pelo facto de o professor afastado não ser um ilustre desconhecido: com décadas de serviço à Universidade de Coimbra, e independentemente das razões objectivas que pudessem justificar o seu afastamento, seria merecedor de consideração e respeito daquele a quem a academia coimbrã gosta de designar “Magnífico Reitor”. Que aqui agiu como um verdadeiro autocrata, condenando sem provas e sem conceder ao acusado a mais pequena hipótese de se defender.

Obviamente que condenar a invasão russa da Ucrânia e denunciar a ditadura de Putin não pode traduzir-se no cancelamento da milenar cultura russa e do seu inestimável contributo para a civilização europeia. No tempo conturbado em que vivemos, as universidades deveriam ser um exemplo de tolerância, liberdade de pensamento, elevação ética e cívica, em vez de embarcarem, precipitada e insensatamente, em derivas censórias e fundamentalistas.

Está a correr um abaixo-assinado lançado por iniciativa de professores da Faculdade de Letras que não se conformam com a atitude prepotente e injustificada do reitor da Universidade de Coimbra.

Leia-se também a entrevista ao professor proscrito pela russofobia politicamente correcta do senhor reitor:

Vladimir Pliassov: «Até os nazis tiveram direito a ser ouvidos»

Um sumidouro de méritos

A legislação sobre avaliação de desempenho docente não mudou, mas a DGAE decidiu fazer uma interpretação criativa das leis vigentes que tem, entre outros, o efeito prático de poder reduzir substancialmente o número de docentes a alcançar, em sede de ADD, as classificações ditas de mérito, Muito Bom e Excelente.

O truque está em dividir o total de menções de mérito a atribuir pelos diversos universos avaliativos, ao mesmo tempo que se ordenam todos os avaliados numa lista única. Desta forma, além das condições que a lei determina para conseguir um Muito Bom ou um Excelente, há ainda a considerar as classificações obtidas pelos docentes dos restantes universos avaliativos.

Exemplificando para que se perceba melhor, e o exemplo é dado na própria apresentação usada nas formações da DGAE: com as regras agora impostas, uma escola com 35 docentes avaliados terá 9 menções de mérito para atribuir, divididas em 7 Muito Bons e 2 Excelentes:

Contudo, aplicando as novas regras pode suceder que apenas atribua 5 Muito Bons e nenhum Excelente, bastando que a distribuição das notas seja semelhante ao que aqui se apresenta:

Dirão os formadores avençados, provavelmente, que tudo isto se subentende do quadro legal vigente desde 2012. Que a lei sempre foi clara, as escolas é que a aplicavam erradamente. A verdade é que não tem sido este o procedimento comummente adoptado, como confirmava ontem o habitualmente bem informado blogue do Arlindo.

Depois de tudo o que tem sido a miserável actuação deste ministério contra a carreira e os direitos dos professores, só um tolo é que não verá aqui a intenção clara de apertar o funil que permite o acesso directo ao 5.º e ao 7.º escalões, dificultando ainda mais as progressões na carreira por via de uma avaliação do desempenho punitiva, que nunca quis melhorar práticas nem valorizar a profissão, mas tão somente castigar os professores, esticando ainda mais uma carreira já demasiado longa e impedindo mais uns milhares de alcançar o topo antes da aposentação.

O documento citado encontra-se disponível no site da DGAE, podendo ser acedido directamente por aqui.

A caravana dos professores

A caravana “Pela Profissão Docente e pela Escola Pública” cumpriu hoje o seu quarto dia. Sempre ao longo da EN2, deixou o distrito de Viseu em Santa Comba Dão e atravessou o distrito de Coimbra, com paragem e mini-comício em Penacova, em frente à sede do agrupamento de escolas.

A luta continua, e os professores das escolas da região marcaram presença.

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A jornada de amanhã começa bem no centro de Portugal, em Vila de Rei, e termina em Ponte de Sor, com paragens no Sardoal e em Abrantes.

Greve às provas de aferição vai até 9 de Junho

O STOP – Sindicato de Todos os Profissionais de Educação confirma o pré-aviso de greve para a semana de 5 a 9 de junho, a todo o serviço que envolva as provas de aferição.

O pré-aviso de greve abrange professores e pessoal não docente.

Com níveis de adesão muito díspares – vamos sabendo de escolas onde nenhuma prova se tem realizado, pois os professores escalados fazem greve, enquanto noutros lados tudo corre dentro da normalidade, por vezes com alguns abusos e prepotências à mistura, o que nos tempos que correm também já faz parte do novo normal!- a greve às provas de aferição prossegue, sem serviços mínimos, e alargada agora à semana de 5 a 9 de Junho.

Ignorada pelos maiores sindicatos, envolvidos na caravana que percorre o país pela EN2 e que hoje andou pelo interior da região centro, receio que esta iniciativa do STOP não esteja a ter a adesão que mereceria. Será que a grande maioria dos professores estão cansados da luta?…

Seja ou não o desânimo e o cansaço a tomarem conta dos ânimos docentes, a verdade é que a conivência envergonhada de tantos professores com as contestadas provas de aferição se traduz uma oportunidade perdida para, a custo zero, infligir uma derrota política ao ME, boicotando umas provas que, nos moldes actuais, em nada beneficiam os alunos, servindo apenas como bandeira política do ministério.

Em jogo está, afinal de contas, uma profunda contradição que tem atravessado toda a contestação recente dos professores: mostraram-se surpreendentemente afoitos, imparáveis, críticos e imaginativos nas manifestações e concentrações à porta das escolas. Mas portões adentro continua a reinar, na grande maioria das escolas, a quase total subserviência às hierarquias e procedimentos estabelecidos.

Levar a luta das ruas e das praças para o interior das escolas continua a ser o calcanhar de Aquiles do movimento dos professores. Qual o sentido de fazer voz grossa nos protestos de rua e obedecer e cumprir como cordeirinhos, dentro das escolas, até com aquilo a que não somos obrigados? Talvez devesse tornar-se caso de estudo em matéria de relações laborais…

Tina Turner (1939-2023)

“Uns gajos merdosos”

Está combinado com o Medina eles apresentarem uns gajos merdosos para garantirmos as nossas juntas.

A investigação do caso Tutti Frutti revela um país governado por “gajos merdosos” de dois partidos que garantem mutuamente a ida ao pote do poder. Corrupção, nepotismo, tráfico de influências, haverá para todos os gostos, neste corrupio de boys and girls que querem dinheiro na conta ao final do mês mas, como reconhecem nas conversas privadas que têm entre si, se “estão a cagar” para o trabalho e as responsabilidades de que são incumbidos.

Desengane-se, no entanto, quem pense que isto vai dar mais do que deram as acusações a Sócrates no caso Marquês. Os favorecimentos, os jobs for the boys e o descaminho de dinheiros públicos topam-se à légua perante os factos já divulgados. Difícil será, diz-nos a experiência, fundamentar e provar tudo isto em tribunal.

De qualquer das formas, o mal não nasce apenas nas máquinas partidárias corruptas e clientelares, da quais qualquer cidadão competente e bem formado fugirá, nos dias de hoje, a sete pés. O que permite e incentiva estas negociatas é haver uma imensa maioria de eleitores que, das duas uma: ou não vota porque “os políticos são todos iguais” ou, quando o faz, só consegue descortinar, no boletim de voto, os quadradinhos do PS e do PSD.

Negoceiam os votos porque a maioria dos eleitores continua a votar neles, e eles sabem-no. E enquanto assim for, as coisas só poderão piorar. Ou alguém consegue descobrir sinais de regeneração nos dois maiores partidos?

Em 40 anos – todos os que já levo de cidadão eleitor – nunca abdiquei de votar. E nunca votei no PS nem no PSD. Sim, é possível: à esquerda, ao centro e à direita, existem outros partidos.

Está mais do que na altura de os eleitores portugueses deixarem de encarar as eleições para o governo das cidades e do país como se de mais um clássico Benfica-Porto se tratasse.

Pensamento do dia

É muito difícil ler os clássicos; logo a culpa é dos clássicos. Hoje o estudante faz valer a sua incapacidade como um privilégio. Eu não consigo aprender isto, portanto alguma coisa está errada nisto. E há especialmente alguma coisa errada com o mau professor que quer ensinar tal matéria. Deixou de haver critérios – para só haver opiniões.

Philip Roth, in A Mancha Humana

Texto e imagem daqui.