Os professores portugueses ganham muito?

As comparações internacionais que por vezes se fazem tendem a colocar os professores portugueses entre os mais bem pagos da Europa. Mas esta é uma afirmação facilmente desmentida pela realidade. Que o digam os professores portugueses a trabalhar na Alemanha, a ganhar pouco mais de metade do ordenado de um colega alemão com o mesmo nível de habilitações e tempo de serviço.

A notícia traça um quadro preocupante do ensino de Português no estrangeiro. O desinvestimento e a falta de visão estratégica fazem com que o número de alunos a optar pelo ensino da nossa língua diminua de ano para ano e que os docentes deste subsistema educativo sejam tratados, na prática, como professores de segunda, tanto nos países onde leccionam como em relação no sistema educativo português.

O resto – promessas não cumpridas em torno da digitalização e recusa ostensiva em ouvir as reivindicações dos docentes – completa o panorama e traduz um modo de estar na política que todos os professores portugueses conhecem, infelizmente, demasiado bem.

Um professor do ensino do português na Alemanha ganha pouco mais de metade do que um colega alemão com igual tempo de serviço, uma parcela da “situação desesperante” denunciada esta quinta-feira junto do Consulado de Portugal em Estugarda.

A situação tanto dos professores como dos alunos portugueses e lusodescendentes no Ensino do Português no Estrangeiro (EPE) “deteriora-se a olhos vistos, sem que se vislumbre qualquer intento de corrigir injustiças ou de garantir um mínimo de estabilidade”, apontam os professores num documento que entregaram ao cônsul-geral, Leandro Amado.

Manifestando-se “solidários” com as reivindicações dos seus colegas em Portugal, os professores do EPE afirmam que no seu caso “a precariedade é a dobrar”, como disse à Lusa a secretária-geral do Sindicato dos Professores nas Comunidades Lusíadas (SPCL), Teresa Duarte Soares, e que para muitos “a situação é desesperante”.

Os maiores problemas derivam de não estarem sob a tutela do Ministério da Educação, mas sim do Camões, Instituto da Cooperação e da Língua (CICL), e do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), que acusam de não demonstrarem disponibilidade sequer para dialogar, e ainda do pagamento de propinas.

(…)

Os vencimentos são baixos — segundo a dirigente sindical um professor do EPE na Alemanha com 15 anos de serviço tem um vencimento líquido de 2.200 euros, enquanto com o mesmo tempo de serviço um professor alemão aufere em média 4.000 euros — e não existem escalões nem progressão salarial, apenas dois grupos remuneratórios, um para quem tem mais de 15 anos de serviço e outro para quem tem menos desse tempo.

Além disso, “como é que se aplica um congelamento de carreira onde ela não existe?”, questiona a dirigente do SPCL, já que “o instituto Camões aplica o congelamento do salário, o que quer dizer que para um professor passar para o grupo dos mais 15 anos de serviço trabalha 22 anos”.

No texto que entregaram ao cônsul-geral, e ao qual a Lusa teve acesso, os professores do EPE colocados na Alemanha resumem as principais reivindicações, que são a progressão salarial e salários justos, o fim do congelamento e da precariedade, estabilidade laboral, recuperação da igualdade nos concursos nacionais e um ensino de qualidade e gratuito.

A Assembleia da República chumbou, em dezembro, os diplomas que visavam um ensino gratuito do português no estrangeiro, com votos contra do Partido Socialista e abstenções, entre outros, do PSD. (…)

O topo é uma miragem

Estado da Educação 2021. Professores têm de trabalhar em média até aos 62 para alcançarem topo da carreira

Em média, professores vinculam-se ao Ministério da Educação com 47 anos de idade e 16 de serviço. Isso faz com que necessitem de 39 anos a dar aulas para alcançarem topo da carreira — aos 62 anos.

Não sei como foram feitas as contas, mas isto é como a história dos dois cidadãos que comeram, em média, meio frango. Na realidade, um deles comeu o frango inteiro e o outro nem o cheirou. Nas progressão da carreira também há situações muito distintas, consoante o posicionamento dos professores aquando dos congelamentos e o tempo que ficaram ou não retidos nas barreiras do 5.º ou do 7.º escalão.

Na verdade, a maioria dos professores actualmente sexagenários alcançaram ou estão em vias de alcançar o topo da carreira por volta dos 62 anos, mas isso só excepcionalmente acontecerá com os colegas um pouco mais novos, que andam na casa dos cinquentas e que só alcançarão o topo da carreira, na melhor das hipóteses, quando estiverem prestes a aposentar-se. Quanto à geração seguinte, não tenhamos ilusões: a manter-se o actual quadro – não recuperação de tempo de serviço perdido em congelamentos, transições de carreira e listas de espera – só excepcionalmente um ou outro conseguirá atingir o almejado 10.º escalão.

Esta é um dos muitos dados que a imprensa de ontem destacou a partir do relatório anual do CNE sobre o Estado da Educação, uma publicação que se pretende de referência mas cuja análise suscita muito pouco entusiasmo: a informação estatística que por ali se repete ano após ano é completamente previsível, os diagnósticos estão feitos, as projecções para o futuro são conhecidas e a realidade é que quem deveria tomar decisões informadas, com vista a enfrentar os problemas de uma profissão envelhecida e cada vez menos atractiva, prefere empurrá-los com a barriga. Quem vier a seguir que resolva, pensam todos os governantes de turno, e o último que feche a porta…

Estado da Educação 2021

Pelos Açores: revisão negociada do ECD

Concluída na semana passada, a revisão negociada do Estatuto da Carreira Docente aplicável aos professores e educadores da região, vem consagrar alguns direiitos pelos quais os docentes continentais lutam, em vão, há muitos anos: é o caso, nomeadamente, da recuperação integral do tempo de serviço perdido, não só no congelamento, mas também na transição de carreiras e da equiparação dos horários do primeiro ciclo e da educação pré-escolar com os restantes níveis de educação e ensino. Quer isto dizer que estes docentes passam a ter um horário lectivo de 22 horas e a beneficiar das mesmas reduções da componente lectiva de que usufruem os restantes professores.

Fica a notícia, que pode ser complementada com a nota informativa do SPRA e, pela minha parte, a constatação de que os acordos entre sindicatos e governo não têm de ser necessariamente coisa ruim. Havendo vontade e boa-fé negocial, espírito construtivo na busca de consensos e soluções justas, entendimentos em que ambas as partes se revejam tornam-se possíveis.

No continente, porque não são possíveis acordos semelhantes? Não havendo diferenças significativas na postura negocial dos dois principais sindicatos, que seguem a linha político-sindical das federações, Fenprof e FNE, a que pertencem, é a postura dos governos, nacional e regional, que marca a diferença. Enquanto nas regiões autónomas a Educação continua a ser, em larga medida, identificada como um factor estratégico do desenvolvimento e progresso económico e social, no continente ela é vista acima de tudo como despesa a abater. Enquanto em regiões historicamente carentes de recursos humanos qualificados se percebe, ainda hoje, a necessidade de os reconhecer, reter e valorizar, por cá continuamos a dar-nos ao luxo de desprezar, como se de mão-de-obra descartável se tratasse, os profissionais especializados e experientes que asseguram os serviços públicos essenciais.

Os sindicatos de professores nos Açores destacaram hoje a equiparação dos horários dos docentes do pré-escolar e 1.º ciclo com os dos restantes, na revisão do Estatuto da Carreira Docente na região, cujas negociações terminaram esta semana.

“É uma reivindicação nossa dos últimos 15 anos, praticamente desde que terminaram os regimes especiais de aposentação para a educação pré-escolar e do 1.º ciclo, que vemos finalmente ser contemplada no estatuto. É o culminar de uma luta longa”, disse hoje, em declarações à Lusa, o presidente do Sindicato dos Professores da Região Açores (SPRA), António Lucas.

Também o presidente do Sindicato Democrático dos Professores dos Açores (SDPA), António Fidalgo, reconheceu que houve uma “melhoria de condições de trabalho dos docentes”, salientando que “os professores de 1.º ciclo e educadores de infância ficaram equiparados aos restantes níveis de ensino”.

Os sindicatos reuniram-se, esta semana, em Ponta Delgada, com a secretária regional da Educação e dos Assuntos Culturais, na terceira e última ronda negocial para a revisão do Estatuto da Carreira Docente na região, que tinha sido revisto pela última vez em 2015.

O SPRA destacou ainda como aspeto positivo a recuperação de três anos de serviço perdidos devido a normas transitórias.

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A proletarização da docência

Na imprensa local, tantas vezes ignorada ou desvalorizada, surgem frequentemente interessantes e bem documentadas reflexões sobre temas pertinentes e actuais. No caso da Educação, enquanto a imprensa de referência e os habituais comentadores vão promovendo a agenda educativa do governo e das instituições e personalidades influentes do sector, podemos encontrar textos como este de António José Alves Oliveira que, no Diário Digital de Castelo Branco, documenta a realidade insofismável da proletarização da docência.

Existe, fruto da acção política de sucessivos governos, um verdadeiro mas nunca assumido pacto de regime em torno da proletarização dos professores. Querem-nos cada vez mais baratos, mas também mais passivos e obedientes, sobrecarregados de trabalho para que não tenham tempo sequer para pensar, deprimidos e albergando sentimentos de culpa por não conseguirem solucionar problemas que os transcendem, desunidos e rivalizando com os colegas na disputa das escassas vagas para progressão numa carreira longa na qual a maioria não chegará ao topo.

Esta é uma política estudada e documentada por diversos especialistas, que foi sendo desenvolvida ao longo de décadas, tendo tido com a maioria absoluta do socratismo e, posteriormente, a crise financeira e os anos da troika, um impulso decisivo.

A proletarização da carreira profissional docente

Nóvoa (2013)  enuncia as razões subjacentes à desmotivação e à insatisfação docente relativas às suas carreiras, referindo que cada vez mais os professores são:

  • responsabilizados pelo estado do ensino, quer pelo poder central, quer pela sociedade; 
  • alvo de uma intensificação do seu  trabalho (gestão escolar, burocracia,  prática letiva com elevado número de alunos,  coordenação de estruturas pedagógicas,  exigência de criação de projetos pedagógicos inovadores,  participação no desenvolvimento de iniciativas de aproximação com a comunidade educativa ou intercâmbios com outras escolas europeias); 
  • objeto de mecanismos de controle, supervisão e de avaliação desajustados às especificidade da sua profissão e em que a sua finalidade, em termos de progressão de carreira, conduz  muitas vezes ao nada; 
  • sujeitos a mudanças constantes na legislação educativa através dos currículos escolares e das orientações para a gestão das escolas, influenciando a organização das práticas de ensino e a aprendizagem dos alunos;
  • culpabilizados pelo fracasso  na relação com os pais dos alunos ou com associações locais ligadas à Educação, muitas vezes resultado de uma falta de cultura de diálogo democrático e de trabalho em parceria/colaboração entre as partes envolvidas;
  • estimulados à frequência massiva  de formação contínua, que nem sempre promove o desenvolvimento de competências  profissionais e consequente  aumento da qualidade do sistema educativo; 
  • sujeitos a condições de trabalho e remuneratórias progressivamente degradantes, quando comparadas a outras profissões com ou sem formação superior.

Ruivo (2008) refere que ao professor é-lhe imputada uma multiplicidade de funções e de responsabilidades  para as quais não foi preparado, mas que o Estado  e a Sociedade  impõem, como forma de compensar a sua  incapacidade  para responder aos problemas contemporâneos. Por outro lado, a falta de formação complementar, a inexistência de estímulos e de incentivos aliam-se a uma descaracterização dos professores marcada pela desilusão, pelo desinvestimento académico, pela desmotivação, pelo  stresse  e  pelo desencanto com a profissão, entregando-se à incompetência passiva face às suas obrigações educativas. Também as condições de saúde pessoal dos professores  são afetadas, tornando-os numa das classes profissionais que mais recorre a serviços de saúde e à dependência de medicação (Figueiredo, 2007).

Este cenário de desprofissionalização e de proletarização da profissão tem levado os professores à perda de autonomia e de responsabilidade para se tornarem, através da formação inicial e contínua, numa lógica mecanicista,  executantes preferencialmente perfeitos, das orientações pedagógicas delineadas e controladas por especialistas ligados aos centros de decisão política (Perrenoud, 1993). A   proletarização na docência, como sublinha Loureiro (2001), resulta  de vários fatores: a regulação da profissionalização docente dependente da intervenção e do controlo do Estado; a degradação do seu estatuto socioeconómico (baixos salários e desprestigio social); a associações sindicais e profissionais incapazes de defender as aspirações e as necessidades da classe docente; a falta de um código deontológico/Ordem de Professores; a variabilidade do sistema de credenciamento institucional para o exercício da profissão e o acesso ao mercado de trabalho; a ausência forçada na definição e  implementação das reformas educativas. 

Estrela (2010, p.18) considera que o novo contexto em que se encontram os professores portugueses, diferencia-se pela proletarização ideológica, na qual os professores não controlam  os “objetivos e as finalidades do seu trabalho” e a proletarização técnica, com a “perda de controlo sobre os aspetos técnicos do seu trabalho”. Neste sentido, o professor “deixa de ser um intelectual apto, para se tornar um assalariado com  níveis de inaptidão externamente provocados (…), aceitam  mais funções e, simultaneamente, piores condições de trabalho”(Ruivo, 2008, p.2).

Continuar a leitura e aceder às referências bibliográficas presentes no texto…

Esclarecimentos para totós

Querem mudar agora o regime de concursos, como antes mudaram a organização curricular ou a avaliação, e nem sempre para melhor, antes pelo contrário.

Nos problemas de fundo, sentidos por quem trabalha nas escolas, nestes não querem mudanças. Bloqueios na carreira, salários comidos pela inflação, as despesas de deslocação e os horários incompletos, aposentação tardia, tempo de serviço sonegado, vinculação difícil: é falso que o governo queira mexer nisto, e quem insinuar o contrário está, obviamente, a mentir…

Imagens retiradas, com a devida vénia, daqui.

Contra-inauguração do IP3

Continua na mesma a estrada cuja requalificação urgente, há quatro anos atrás, implicava o sacrifício de seis anos e meio da carreira dos professores.

Professores dos distritos de Coimbra e Viseu e outros sobreviventes diários desta estrada da morte assinalam hoje o quarto aniversário de um roubo declarado, feito em nome de uma promessa não cumprida.

Quem são os professores-deputados?

Foi com enorme pesar e vivo repúdio que a FENPROF assistiu ontem (24 de junho) à não aprovação pela Assembleia da República de duas Resoluções e um projeto de Lei, apresentados, respetivamente, por PCP, BE e PAN, que visavam eliminar o regime de vagas na progressão dos docentes aos 5.º e 7.º escalões. O “chumbo” destas importantes iniciativas parlamentares deveu-se ao facto de o PS e a IL terem votado contra, sendo ainda de registar negativamente a abstenção do PSD. Foi particularmente repugnante assistir à votação de deputados e deputadas que são docentes, mas, em nome de interesses partidários, decidiram trair os seus colegas de profissão.

Confirma-se quem são os inimigos dos professores e educadores; quem são os que, apesar de responsáveis pelo roubo de anos de serviço cumprido pelos professores, não hesitam em manter um mecanismo administrativo que já impede mais de cinco mil professores de progredirem a escalões a que já deveriam ter progredido há cerca de dez anos.

A desvalorização da carreira e consequente quebra dos salários dos professores é um dos principais fatores do afastamento desta profissão e da crescente falta de professores nas escolas. Mas os responsáveis por esta grave situação sentida nas escolas, ao invés de investirem na profissão docente, decidem prosseguir a sua desvalorização, enquanto procuram formas desqualificadas de substituir os muitos milhares de profissionais que se aposentarão nos próximos anos.

A Fenprof tomou posição sobre a rejeição, por uma maioria parlamentar formada pelas bancadas do PS e da IL, de três propostas que pretendiam eliminar os bloqueios à progressão na carreira dos 5.º e 7.º escalões.

Além das críticas óbvias aos partidos que optaram pelo voto contra e ao habitual nim do PSD sempre que estão em causa as questões da carreira e da profissão docente, a Fenprof levanta uma questão antiga, mas incómoda, que estas votações suscitam: tem havido, em todas as legislaturas, um número significativo de deputados que são professores de profissão. O que leva estes deputados a agir contra o que supostamente seriam os seus próprios interesses, e os da classe a que pertencem? É um voto com convicção, ou limitam-se a obedecer ao respectivo directório partidário?

Claro que a resposta, pelo menos em parte, não é reconfortante: a maioria destes deputados-professores estão no Parlamento não para contribuir para a resolução dos problemas e bloqueios que afectam a carreira docente pela razão simples e prosaica de que não querem ser professores. E a forma de conseguirem na política uma carreira alternativa à docência depende de seguirem fielmente as orientações de voto ditadas pelo partido. Defendendo hoje, na AR, exactamente o oposto do que muitos deles reclamavam há poucos anos, quando exerciam ainda a profissão.

Ainda assim, os 230 deputados são os nossos representantes: exercem o poder legislativo e demais competências que a Constituição lhes confere em nome de todos os cidadãos. É justo por isso, e prática habitual em democracias consolidadas, que se vejam obrigados a justificar, perante os cidadãos, as suas opções políticas. Faz assim todo o sentido a promessa da Fenprof: divulgar a lista actualizada dos deputados-professores para que todos, docentes e não só, lhes possamos pedir contas…

O salário importa

Há dias, uma colega já aposentada, dizia-me, com mágoa, que a filha, também professora, não aceitara ser colocada no Algarve, onde faltam professores, porque, feitas as contas, pagaria para trabalhar e, já estando a chegar aos 40 e sendo mãe, optara por aceitar emprego, à porta de casa, em caixa de grande superfície. Dias antes recebera email de colega do distrito do Porto que dizia ter descartado colocação em Lisboa, onde faltam professores, porque, consideradas as despesas, ganhava mais nas AEC do seu concelho do que em escola a mais de 300 quilómetros, ainda que, aos 32 anos, se mantivesse a viver com a mãe.

Sobre salários, afirmava o ministro João Costa, em entrevista, que não sendo elevado, apesar de tudo, no setor público o salário é superior ao do privado. É verdade, mas isso acontece porque no privado o salário de professor é ainda menos encomioso.

Vem isto a propósito de, para a falta de professores, políticos, académicos e alguns comentadores que participam em espaços de debate considerarem que o problema se resolverá com alterações nos regimes de formação inicial e de recrutamento. Principalmente os políticos com funções governativas evitam falar de outras causas.

Mário Nogueira escreve, no Público, sobre o caminho de pedras que se perfila perante os candidatos à docência. Com números e factos, traça o retrato de uma carreira longa e desvalorizada, em que a maioria dos docentes hoje no activo não atingirá o topo. Uma precariedade extrema, que exige andar 15 ou mais anos a tapar buracos, percorrendo escolas por todo o país, até ter finalmente a perspectiva de uma vinculação num QZP ainda assim, na maior parte dos casos, distante da residência familiar. Entre ganhar o salário mínimo na caixa de um hipermercado perto de casa, ou um pouco mais do que isso a dar aulas a centenas de quilómetros, só o muito amor à profissão, junto com a possibilidade de se dar ao luxo de trabalhar para aquecer, poderão justificar a aceitação de uma colocação nessas condições.

O problema é evidente, mas o ministro, e quem o rodeia, não o vê. O que até se percebe: depois de uma política de décadas que visou deliberadamente proletarizar a docência, reduzindo direitos, cortando salários e tempo de serviço, impondo uma avaliação injusta e vexatória, destruindo as perspectivas de carreira, como admitir agora que o problema da falta de professores se resolve devolvendo-lhes o estatuto e a dignidade perdida? E, consequentemente, pagando-lhes mais?

Não querendo valorizar a carreira dos professores, a jogada do ministério é outra, e por isso a insistência em mexer na formação inicial de professores e nas habilitações para a docência: em vez de melhores professores e de uma carreira mais atractiva, preferem abrir a profissão a candidatos não profissionalizados, que ganharão ainda menos do que os actuais.

No entanto, o problema é incontornável, e o Governo não tem dificuldade em o admitir quando exorta os empregadores privados a aumentarem os salários médios: são injustos os baixos salários que se pagam na maioria dos empregos em Portugal, que não têm em conta nem o aumento progressivo do custo de vida nem o acréscimo de despesas a que muitos trabalhadores têm de fazer face para poderem trabalhar, como é o caso evidente dos professores que o próprio ME condena à precariedade. Pagar salários dignos, premiar o mérito, dar perspectivas de carreira à medida que se evolui profissionalmente, tudo isto são exigências que devem ser feitas às empresas, num país que precisa, para ter futuro, de abandonar o modelo dos baixos salários e do trabalho temporário. Mas o Estado deve dar o exemplo: não se pode pôr de fora deste desígnio colectivo.

Mais depressa se apanha um mentiroso…

…do que um coxo – diz o velho ditado.

Pela minha parte, não gostaria de ser deselegante com o ministro Costa, que por sinal parece sofrer de alguns problemas de mobilidade, mas a verdade é que as campanhas sujas contra os professores, que tiveram o seu auge nos tempos de Sócrates e Lurdes Rodrigues, estão ainda muito presentes na nossa memória. Seria por isso avisado pensar duas vezes antes de dizer mentiras e atoardas acerca da carreira docente e dos seus profissionais. É certo que não nos terá em grande conta nem em elevada estima, mas deveria ao menos perceber a necessidade de ganhar alguma confiança dos profissionais que constituem o principal activo do seu ministério: é que sem professores não há escolas nem educação.

Ou então, se pretende insistir em atoardas mentirosas, que dê um pouco mais de polimento à mentira. Quanto a esta, bastou ao Polígrafo recorrer aos próprios dados do ME para facilmente identificar a falsidade.

Nem recuperação da carreira, nem do IP3

Quando estamos a decidir fazer esta obra, estamos a decidir não fazer evoluções nas carreiras ou vencimentos.

Trago esta peça de arqueologia política porque passei pelo IP3 a caminho do Congresso da FENPROF em Viseu. E está bom de ver que nem obras no IP, nem carreira dos profs.

A caminho de Viseu, onde desde ontem decorre o 14.º Congresso Nacional da Fenprof, Joana Mortágua, a deputada do BE que habitualmente acompanha os temas educativos, constatou uma realidade bem conhecida de milhares de utentes de uma estrada com mais movimento do que a maioria das auto-estradas do interior do país: as obras, anunciadas com pompa e circunstância em 2018 pelo primeiro-ministro, e que na altura serviram de justificação para não aumentar salários ou devolver tempo de serviço aos professores, alternam entre a paragem e o avanço a passo de caracol.

Passados praticamente quatro anos, nem um só quilómetro com perfil de auto-estrada foi acrescentado, e mesmo nas zonas onde estão previstas intervenções mais profundas, a estrada continuará apenas com três faixas de rodagem. Não se consideraram, como seria recomendável, traçados alternativos para os troços, como aquele que bordeja o rio Mondego entre Penacova e a barragem da Raiva, onde se irá gastar dinheiro apenas para melhorar as condições de segurança estrutural, sem aumentos de velocidade nem de capacidade de uma via há muito saturada.

Quatro anos depois, os milhões anunciados por Costa foram efectivamente, e ao que parece de forma definitiva, subtraídos à recomposição da carreira dos professores continentais. Mas também não se traduziram em obra feita, e mil vezes prometida, no IP3. Para onde foram?…