“Computadores e internet”? A sério?…

LX Factory, em Lisboa, recebe versão presencial do Innovators Forum, a 8 de novembro. A nova iniciativa da Sonae tem como tema nesta edição o futuro da educação.

A Sonae não desiste de tentar influenciar, com diversas iniciativas, os rumos da Educação portuguesa, uma área onde vem demonstrando um interesse crescente, e não apenas com fins altruístas. Apesar de iniciativas deste tipo projectarem uma imagem de responsabilidade social que qualquer grupo empresarial da sua dimensão gosta de cultivar, a verdade é que a Educação sempre foi, desde os tempos de Belmiro de Azevedo, uma área de negócios apetecível quando se trata de diversificar investimentos.

Diversidade q.b. será também a chave deste evento agora anunciado, com a curiosidade de confrontar novos projectos educativos de base tecnológica com o modelo construtivista de mestre Pacheco, agora convertido em grande educador da classe burguesa, apadrinhando uma nova versão de escola da Ponte, desta feita só para riquinhos. Mas o que me despertou maior perplexidade, ainda assim, foi o projecto de um indiano que quer revolucionar a Educação com… um computador e internet!…

No palco são esperadas conversas inspiradoras e partilha de tendências, abordagens inovadoras, oportunidades e desafios. Para já, os temas e painel dão garantias. Sugata Mitra, cientista de computação indiano e teórico educacional, conhecido pelo seu trabalho no projeto Hole in the Wall é  O método de aprendizagem desenvolvido por Sugata Mitra é baseado na ideia de que as crianças são naturalmente curiosas e motivadas a aprender, sendo apenas necessário um computador e acesso à Internet. Para o especialista o método de aprendizagem por conta própria apresenta várias vantagens, pois é flexível e adaptável às necessidades individuais das crianças.

Computador e internet? Ora bolas, esta gente não aprendeu nada com a pandemia, o decorrente fecho das escolas e o confinamento forçado de milhões de alunos?

Nessa altura ainda pensei, com alguma ingenuidade, que alguma coisa de revolucionário poderia surgir de meses de confinamento: afinal de contas, tivemos milhões de alunos em casa, boa parte deles, pelo menos nos países desenvolvidos, com bons computadores, internet de banda larga, as necessidades básicas garantidas e todo o tempo do mundo para pesquisar a informação, o conhecimento e tudo o que quisessem em toda a internet. Sendo, como dizem, o lugar onde tudo se encontra e se partilha, uma imensa biblioteca que cresce a cada dia que passa, um ambiente cheio de aplicações e recursos, onde as potencialidades são virtualmente ilimitadas, seria de esperar que assistíssemos a uma explosão de conhecimento, criatividade e partilha como nunca se terá visto. Afinal de contas, os alunos estavam praticamente libertos dos professores chatos, das aulas intermináveis, dos toques de campainha. Poderiam finalmente avançar ao seu ritmo e ao sabor dos seus interesses, sem estarem condicionados pela rigidez curricular nem pela dinâmica castradora da sala de aula.

Como sabemos, nada disso aconteceu. Claro que houve alunos aplicados que continuaram a trabalhar e a aprender, aplicando-se nas tarefas propostas pelos professores e fazendo outras por sua iniciativa. Mas mesmo estes foram os primeiros a admitir que teriam evoluído mais com aulas presenciais. Quanto aos outros, foi, como se sabe, uma desgraça. Sucederam-se os relatórios sobre as “aprendizagens perdidas” e os efeitos psicológicos do isolamento físico dos seus pares. Mesmo sem estudos aprofundados que estão em larga medida por realizar, é hoje reconhecido por qualquer professor atento aos seus alunos que houve claras perdas, a nível cognitivo, vocabular, social e psicomotor ainda não inteiramente recuperadas. Em jeito de moral da história, valorizou-se a escola presencial como raramente se tinha feito anteriormente, e assumiu-se, como palavra de ordem dos tempos pós-pandemia, que ensino à distância nunca mais!

No fim disto tudo, e quando ainda nem dois anos passaram sobre o fim oficial da pandemia, como explicar o reaparecimento de alienados a defender que o futuro da Educação é… computadores e internet?…

CONFAP quer aulas online para alunos em isolamento

O presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP) queixa-se de não haver uniformidade e de depender de cada escola proporcionar aulas “online” a alunos que se encontrem confinados por causa da Covid-19.

“As orientações que existem não obrigam às aulas ‘online’, ou seja, ficou ao critério das escolas e dos professores poderem ter essas aulas”, explica em declarações à Renascença.

De acordo com Jorge Ascenção, vários pais queixam-se de que o “trabalho autónomo”, através das plataformas digitais, não é suficiente e e, por isso, a CONFAP em manifestado, junto do Ministério da Educação, a importância das aulas à distância como “a melhor opção na impossibilidade de aulas presenciais”.

“Infelizmente, parece que é preciso que as coisas sejam obrigatórias para que exista algum bom senso”, remata.

Também ouvido pela Renascença, o presidente da Associação de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima, diz que as aulas “online” nunca foram um objetivo desta “transição digital”.

Sol na eira e chuva no nabal parece ser o lema do presidente da Confap, uma organização que sempre se bateu pela escola presencial, mesmo em plena pandemia, e que para reforçar a sua exigência nunca se coibiu de denegrir o ensino à distância e o esforço que as escolas e os professores fizeram para conseguir chegar remotamente a todos os seus alunos. Agora que estão os professores a trabalhar a tempo inteiro em aulas presenciais queriam aulas online para os que vão ficando, geralmente por curtos períodos, em isolamento.

Filinto Lima já lhe respondeu, e bem, que nunca foi objectivo, nesta fase final da pandemia, com as escolas a funcionar em pleno, criar um regime de aulas não presenciais para os alunos que não podem vir à escola. A fazê-lo, teria de garantir o mesmo regime, não só aos casos de covid-19 mas a todos os restantes alunos que contraem gripes e outras doenças.

Acrescento apenas que o ME nunca poderia obrigar as escolas a proporcionarem estas aulas, pois sabe bem – ou deveria saber – que não existem condições para as realizar na generalidade das escolas: os professores estão ocupados a dar aulas, e o material informático obsoleto que existe nas salas de aula não permite transmitir para casa, com um mínimo de condições, as aulas que estão a ser dadas presencialmente ao resto da turma.

Aulas online para alunos confinados?

Com dois filhos a frequentarem diferentes anos do 1.º ciclo, numa escola de Lisboa, Nuno Januário encontra energia para se rir da situação actual das crianças, em isolamento e impedidas de se deslocarem à escola por a mãe estar infectada com covid. “Um deles, no 4.º ano, está a ter aulas por Zoom, o mais novo, que está no 2.º ano e anda na mesma escola, não, porque apesar da boa vontade, a escola não tem Internet que funcione no pavilhão onde ele tem aulas”, conta ao telefone. Não é caso único.

Nuno Januário salvaguarda que, apesar desta discrepância, os filhos estão a conseguir acompanhar as aulas, graças às “professoras fantásticas” que ambos têm, mas diz que não pode deixar de chamar a atenção para o que diz ser “o ridículo da situação”. E salvaguarda que, no caso da criança mais nova, a quem é enviado um plano de trabalho diário, para compensar a ausência das aulas, o tempo só não é dado por perdido porque há um acompanhamento permanente por parte da mãe.

Para Carmo Teixeira, com duas filhas a frequentar diferentes níveis de ensino — uma está no 1.º ano a outra no 6.º, em duas escolas do mesmo agrupamento do Porto —, a relação das crianças com as aulas por estes dias também está a ser complicada. Ela e a filha mais nova estão infectadas com covid, a filha mais velha não, mas também não pode ir à escola, por viverem todas juntas. Nenhuma está a ter aulas online. Rita, a mais velha, vai-se desenrascando com os resumos que “alguns” professores enviam do que vão dando nas aulas e com o material que vai sendo colocado na plataforma Classroom. Mas, apesar de o isolamento estar reduzido a sete dias, já percebeu que vai ter de fazer um esforço extra para não ficar para trás. “Os testes estão a aproximar-se. Tenho um de Português no dia 2 de Fevereiro e tenho imensa matéria de gramática que não estou a entender muito bem. Vou ter mesmo de aproveitar as últimas aulas”, diz a aluna, que espera regressar à escola nesta quinta-feira.

Julgo que ninguém saberá ao certo quantos milhares de alunos estão presentemente em confinamento, impedidos de comparecer presencialmente nas aulas que continuam a funcionar. Mas duas coisas parecem certas: são muitos, e o seu número continua a aumentar.

Nestas situações, e embora no discurso oficial se continue a garantir que é pobre e muito limitada a escola à distância, nem pais nem responsáveis ministeriais hesitam em responsabilizar as escolas por encontrar formas de os alunos retidos em casa continuarem a acompanhar as aulas. Uma exigência que, no plano dos princípios faz todo o sentido, mas na prática esbarra em dificuldades por vezes intransponíveis.

Um dos problemas decorre da falta de recursos informáticos. Já tivemos dois confinamentos prolongados, mas nem assim o ME foi capaz de acordar para a necessidade de equipar as escolas com meios tecnológicos dignos do século XXI e da propalada sociedade de informação. A verdade é que não basta ligar uma câmara a um PC obsoleto para passarmos a ter ensino online: é preciso que as ligações tenham velocidade suficiente para garantir a transmissão e que o próprio computador aguente a sobrecarga de tarefas – é que em muitos casos ele já está a ser usado como recurso pedagógico na aula. Aqui, cumpre recordar que o relativo sucesso do ensino online decorreu, entre outros factores, do facto de a generalidade dos professores ter disponibilizado gratuitamente os seus próprios recursos, algo que o ME, numa atitude vergonhosa, nunca foi capaz de reconhecer e valorizar.

Mas há uma outra questão que decorre da gravação das aulas, para que os alunos possam acompanhar em casa: a reduzida eficácia, já amplamente demonstrada, de um ensino à distância que se limita a replicar as aulas presenciais. Garantir a aprendizagem dos alunos confinados, durante o período de isolamento, implicaria o desenvolvimento de planos de trabalho e materiais próprios, algo que todos os professores fizeram durante os confinamentos. Mas que, agora, implicariam para muitos, e à medida que se vulgarizam as idas e vindas dos isolamentos profilácticos, uma insustentável sobrecarga de trabalho. E pergunta-se: justifica-se por uma semana de faltas à escola, que é o tempo que duram quase todas estas ausências?

Não havendo uma resposta definitiva para todas estas questões, talvez um meio termo e alguma sensatez nos levem às melhores soluções: cada escola, turma, disciplina terá as suas condições e especificidades próprias. O que nuns casos é possível fazer, noutros ficar-se-á pelo desejável. O que funciona bem num certo contexto talvez não resulte noutro. Perante as dificuldades e incertezas desta busca apressada de soluções, que tal confiar um pouco, para variar, nas escolas e nos professores?

Aulas podem não recomeçar a 10/Jan

O governo já tinha anunciado o adiamento do início do 2.º período do ano letivo, para que as escolas estivessem encerradas na primeira semana do ano, mas o primeiro-ministro, António Costa, já deixou entreaberta a possibilidade de estender essa “semana de contenção” nas escolas. Só no próximo dia 5 de janeiro, data na qual será feita uma reavaliação da situação epidemiológica do país, se saberá se os alunos regressam mesmo às aulas presenciais a 10 de janeiro ou se a evolução da pandemia, agora acelerada pela variante Ómicron, força a alteração dos planos. Uma dúvida que levanta muitas preocupações por parte da comunidade escolar.

Com os números de novos casos a acelerar, o adiamento do regresso às aulas presenciais parece ter voltado a ser hipótese a considerar. A um mês de eleições legislativas antecipadas, temo que considerações eleitoralistas pesem também na tomada de decisões que deveriam pautar-se, apenas, por critérios pedagógicos e de defesa da saúde pública.

Em todo o caso, representantes de escolas, professores e pais ouvidos para a reportagem do DN convergem na rejeição de um prolongamento do ano lectivo para acomodar mais uma ou duas semanas de paragem forçada. Se as aulas presenciais não recomeçarem a 10 de Janeiro, como está previsto, então dever-se-á passar, de imediato, ao regime de ensino à distância.

A ideia é sensata, e não vale a pena esgrimir com a habitual defesa da superioridade do ensino presencial em relação ao modo online. Porque com as escolas fechadas o que estará em causa será optar entre ter aulas à distância ou não ter aulas de todo.

Em situação difícil fica, como tem sido habitual, o ME. Os seus responsáveis continuam sem encontrar o registo e o modo certo de actuar perante as contingências da pandemia. Se para as escolas, os alunos e os professores, sucessivos períodos de confinamento ou isolamento já permitiram de certa forma naturalizar o ensino à distância como uma alternativa válida para manter a relação pedagógica e o progresso das aprendizagens, o ME continua sistematicamente a ser apanhado com o passo trocado, para não dizer de calças na mão.

Na verdade, ao fim de dois anos de pandemia, muitos alunos carenciados não dispõem ainda dos muito propagandeados kits digitais para trabalharem em casa. Estão, segundo dados do próprio ME, 600 mil computadores por entregar.

Ainda assim, poder-se-ia alvitrar que a entrega de computadores estaria atrasada porque a prioridade foi equipar as escolas, apostando no ensino presencial. Mas nem isso: de um modo geral, as escolas não dispõem hoje de melhores recursos digitais nas salas de aula do que tinham há meia dúzia de anos atrás, quando a dupla Brandão Rodrigues/João Costa se instalou no ministério. Como sucede em muitas áreas deste governo, sobra em retórica o que falta em investimento e concretização.

Colégios podem ter aulas online em Janeiro

O decreto-lei do Governo publicado este fim-de-semana determina a suspensão das actividades lectivas presenciais nas escolas, durante a primeira semana de Janeiro, mas é omisso sobre o ensino à distância. E há colégios privados que já decidiram que vão mesmo manter as aulas à distância nesse período. “Quem quer pode dar aulas online, e sei que alguns colégios o vão fazer. Outros não”, diz ao PÚBLICO Rodrigo Queiroz e Melo, presidente da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (Aeep).

O artigo 14.º do Decreto-lei n.º 104/2021, publicado na passada segunda-feira, é efectivamente omisso no que diz respeito ao ao ensino à distância. Refere apenas a suspensão das aulas presenciais. Nem sequer explicita a necessidade de compensar as aulas desta semana “perdida”, embora tenha sido já divulgado que essa compensação será feita reduzindo a pausa do Carnaval a um dia e retirando três dias à interrupção da Páscoa. Entretanto, as escolas com calendário escolar próprio estão a ser instadas pelos serviços do ME a redefinir, com urgência, as alterações a fazer ao calendário lectivo.

Aparentemente, as contingências da pandemia irão a servir, novamente, para acentuar desigualdades educativas: enquanto a uns se impõem paragens forçadas e encurtamento ou supressão de pausas no calendário escolar, outros terão a oportunidade de “fazer a diferença”. Uma vez mais, a tão propalada autonomia das escolas fica reduzida a nada, quando a única coisa que se espera é que cumpram as alterações ao calendário escolar superiormente decididas, sem que quaisquer questões de natureza pedagógica tenham sido devidamente ponderadas e acauteladas.

Relativamente a medidas que serão aplicadas a poucas semanas das eleições, também não é de esperar que o Governo queira indispor os dirigentes dos colégios, muito menos as famílias que neles têm os filhos. Pelo que o mais certo é que o ensino privado faça o que entender enquanto as escolas públicas cumpram o que lhes mandam.

Faltaram computadores no E@D, diz o Tribunal de Contas

Uma auditoria do Tribunal de Contas divulgada esta quinta-feira, 22 de julho, diz que a autorização para a aquisição de 386 milhões de euros em meios digitais para as escolas “foi tardia”. Aconteceu “já só no final do ano letivo 2019/20, e condicionada à aprovação de fundos comunitários”. Consequência? “ Esses meios só começaram a chegar aos alunos no ano letivo 2020/21 e a mais de 60% só chegará no ano letivo seguinte”.

O Tribunal concluiu ainda que as despesas orçamentais da Educação com a pandemia respeitaram, essencialmente, a equipamentos de proteção individual. Em 2019/20 foram gastos 3,5 milhões de euros e no ano letivo 2020/21, a verba ascendeu a 11,5 milhões.

“O Tribunal observou também que, para evitar o desinvestimento a médio prazo, não existia um plano estratégico para a substituição dos meios digitais (vida útil limitada) adquiridos para as escolas”. De igual modo, assinala que “não foram implementados procedimentos centralizados de controlo preventivo da duplicação de apoios em meios digitais, o que retira eficácia à sua distribuição prioritária aos alunos mais carenciados e aumenta o risco de desperdício de dinheiros públicos”.

A resposta do Ministério da Educação à pandemia da Covid-19 que fez deslocar 1,2 milhões de alunos dos ensinos básico e secundário da escola para casa em vários momentos ao longo dos anos letivos 2019/20 e 2020/21 foi, segundo a instituição, “rápida e adaptada à pandemia, mas limitada pela insuficiência de competências e meios digitais a requerer investimentos”.

O TdC assinala o “esforço significativo” de todos os envolvidos no Ensino a Distância (E@D), em especial dos alunos e professores, numa situação que pôs a nu a falta de competências digitais e de computadores (4 em 5 alunos não tinham), revelou dificuldades no acesso à Internet e a existência de escolas com  meios digitais obsoletos. Em muitos casos, as dificuldades foram mitigadas pelo apoio (doação/empréstimo) de autarquias locais, associações e entidades privadas, mas não foram totalmente supridas.

O Tribunal de Contas confirma algo que quem acompanha de perto os assuntos da Educação está cansado de saber: o Ministério da Educação é bem mais despachado a decidir o que devem fazer os que dele dependem, do que a assumir as suas responsabilidades e a cumprir, em tempo oportuno, as suas obrigações.

Outra coisa que fica evidente nesta auditoria é o subfinanciamento crónico do sector educativo e o recurso aos financiamentos comunitários para assegurar o grosso dos investimentos. A compra de computadores não foi excepção e o resultado não surpreende: compra-se quando o dinheiro de Bruxelas fica disponível e não quando é realmente necessário. E apesar de serem bens com uma expectativa de vida limitada, tendo em conta o desgaste do material e a rápida evolução da tecnologia, não se acautelou, nem se está a acautelar, a necessidade futura de substituição dos equipamentos.

Claro que o planeamento em cima do joelho leva a que nem sempre sejam feitas as melhores aquisições nem rentabilizado da melhor forma o dinheiro do contribuinte. No final, perante a falta de capacidade de resposta do ME, acabaram por ser as escolas a conseguir, com a colaboração de autarquias, empresas e instituições locais, a conseguir emprestar alguns computadores aos alunos mais carenciados.

Contudo, se os primeiros computadores só começaram a chegar às escolas no fim do segundo confinamento – ou seja, quando deixavam de ser necessários para o ensino à distância, onde gastou o ME a verba orçamentada para manter o sector a funcionar em tempo de pandemia? Feitas as contas, o Tribunal de Contas dá a resposta: quase todo o dinheiro foi gasto em gel desinfectante e máscaras sociais…

Educação em tempo de pandemia: o estudo do CNE

A implementação do ensino remoto de emergência foi dificultada pelo número insuficiente de dispositivos digitais e de uma ligação à internet de qualidade. A maioria das escolas em Portugal (92%) não dispunha de equipamentos em número suficiente nem de ligação de internet com qualidade. E numa percentagem expressiva de escolas (80%), a falta desses dispositivos por parte dos alunos e famílias afetou o trabalho realizado. A conclusão é de um inquérito promovido pelo Conselho Nacional de Educação junto de diretores e professores com funções de coordenação nas escolas e retrata o forte impacto da pandemia de covid-19 no ensino em Portugal.

Ensaiando uma comunicação mais simples e acessível com o público interessado, o CNE traduz numa linguagem visual e gráfica, em princípio mais apelativa, as principais conclusões do inquérito promovido junto das escolas no final do primeiro confinamento. Baseando-se, como vem sendo regra neste tipo de trabalhos, mais nas percepções dos respondentes do que na pesquisa de dados quantitativos concretos – o que implicaria algum trabalho no terreno, saindo dos gabinetes e descendo das torres de marfim – há ainda assim algum interesse neste tipo de estudos: se não trazem propriamente novidades a quem conhece a realidade das escolas e dos alunos portugueses, servem pelo menos para a evidenciar perante o país.

Ensino a distância não contou para a nota?

Escolas deram notas sem contar com o trabalho feito ao longo do 2.º período

É “frustrante”, dizem alunos. “Desmerece a evolução” dos estudantes, comentam pais. E é “errado”, reconhecem directores. No entanto, em muitas escolas, sobretudo do ensino secundário, o trabalho feito à distância durante o 2.º período quase não contou para as notas dadas aos alunos. Entre as razões para esta prática está o papel central que os testes escritos continuam a ter na avaliação e os receios quanto à sua fiabilidade no modelo de ensino remoto.

Como era previsível, a avaliação de um 2.º período maioritariamente leccionado online trouxe algum descontentamento a alunos e famílias. Neste contexto, é complicado avaliar com rigor, equidade e justiça. Sobretudo no ensino secundário, onde continua a ser usada a anacrónica escala de 0 a 20 valores e o ingresso no ensino superior é determinado, maioritariamente, pela média das notas obtidas nas diversas disciplinas.

Antevendo as dificuldades, houve até quem propusesse transformar o segundo momento de avaliação numa avaliação qualitativa, sem atribuição de classificações ou níveis, como sucedeu aliás nas escolas onde vigora a avaliação por semestres. Mas o ministério fez ouvidos de mercador, adoptando a atitude hipócrita e cobarde que já se vai tornando a sua imagem de marca: primeiro reiterou inteira confiança na autonomia das escolas, dando-lhes inteira liberdade para definirem os critérios de avaliação que entendessem. Mas vendo surgir as críticas, veio de imediato demarcar-se, sentenciando à posteriori o que deveria ter sido feito.

À partida, não é difícil concordar com a tese aparentemente consensual: embora à distância, alunos e professores continuaram a trabalhar, e esse trabalho deve ser avaliado, sob pena de estarmos a desmotivar quem se esforça, em benefício de quem pouco ou nada fez. Não com testes presenciais, por razões óbvias, mas buscando alternativas, seguindo a tendência no sentido da diversificação dos instrumentos de avaliação. O problema é que isto é fácil de enunciar, mas difícil, nalguns casos praticamente impossível, de concretizar.

Não foi em vão que se insistiu, antes e durante o confinamento, na ideia de que nada substitui o ensino presencial. Isso é também verdade em relação à avaliação: a fiabilidade e o rigor necessários para obter uma classificação, como é exigido no secundário, não se conseguem obter plenamente com os alunos fisicamente distantes do professor. Sendo inútil exigir milagres, também não adianta mandar substituir os testes por outra coisa qualquer, porque as alternativas, sejam fichas, questões-aula, trabalhos escritos ou produção oral, necessitariam que o professor controlasse as condições em que são realizadas pelos alunos. Esta observação directa é fácil de fazer na sala de aula, mas de um modo geral impraticável no ensino online.

Perante estes constrangimentos, e na ausência de orientações claras, cada escola procurou a solução avaliativa mais adequada às circunstâncias. Mais ousada e confiante, nas escolas do ensino básico, onde assume um carácter predominantemente formativo; mais prudente no secundário, onde as notas têm consequências determinantes no futuro académico dos alunos. E sempre com a consciência de se estar a jogar com um pau de dois bicos: valorizar em demasia o trabalho feito durante o período do confinamento escolar iria penalizar não apenas os alunos que não trabalharam porque não quiseram, mas também aqueles que ficaram privados das condições e apoios de que necessitariam para trabalhar autonomamente.

Virada esta página, para a frente é que é o caminho. Mais do que apontar o dedo às discrepâncias entre escolas e professores, é importante que o 3.º período possa servir para repor alguma normalidade avaliativa, recuperando, consolidando e valorizando as aprendizagens feitas a distância.

Pandemia e desigualdade

A pandemia, educacional e pedagogicamente falando, tem contribuído quer para aumentar as desigualdades entre os alunos, acentuando as dificuldades de aprendizagem, quer para afetar um número significativo de alunos que não reúne em casa as condições de realização das atividades mediadas pela tecnologia.

Se o ensino à distância, através de plataformas digitais, foi largamente utilizado, numa transposição direta do ensino presencial para o ensino síncrono, o que ficou para trás – na grande maioria dos países, incluindo os que têm um rendimento per capita mais elevado, como consta do Relatório da UNESCO/UNICEF e do Banco Mundial, de 2020, sobre o impacto da covid-19 na educação – foi o apoio pedagógico aos alunos com mais dificuldades e aos alunos em situações de emergência.

Tal como aconteceu com o furacão Katrina, aquando da sua passagem por territórios do sul dos Estados Unidos, o mesmo está a acontecer com a pandemia de covid-19: a desigualdade existente foi desocultada, revelando ser ainda mais desigual do que seria expectável, pois a realidade social nem sempre é totalmente capturada no seu lado mais excludente pelos dados estatísticos.

Como foi referido, no PÚBLICO, de 18 de janeiro último, pela Presidente do Conselho Nacional da Educação, “descobrimos as desigualdades que já existiam. Foram desocultadas, até parece que ninguém tinha dado por elas antes. Isso tornou-se muito mais evidente agora. Mas além dessa desocultação de uma coisa que já existia, é evidente que também nos demos conta que isto veio agravar as desigualdades”.

O conceito de escola enquanto instituição reprodutora das desigualdades leva décadas a ser combatido através do investimento na escola pública de qualidade, universal e gratuita. Espera-se que na escola se derrubem barreiras e discriminações sociais. Exige-se que, mais do que tratar todos por igual, alcance a equidade, dando a cada um o que precisa e mobilizando maiores recursos para os alunos com maiores necessidades.

No entanto, o encerramento das escolas, forçado pela pandemia, e o recurso improvisado às aulas à distância trouxeram de novo à tona as desigualdades que, na verdade, nunca desapareceram. E se o confinamento prolongado traz prejuízos a toda uma geração, é certo que esses danos serão incomparavelmente maiores e mais difíceis de recuperar pelos alunos à partida mais carenciados: aqueles que não têm estrutura e apoio familiar que possa compensar o que a escola deixou de lhes poder dar.

É um ponto positivo a capacidade de reconhecer, como já vamos vendo, que não foi a pandemia que trouxe a desigualdade: apenas agravou e tornou mais visível uma realidade pré-existente. Mas enquanto as exigências que são feitas às escolas continuam em alta, há uma questão incómoda que continua por responder: será possível um combate vitorioso contra a desigualdade, que é estrutural no modelo de economia e sociedade em que vivemos, travando-o apenas no interior da instituição escolar?

Dito por outras palavras, pode a escola promover a igualdade num mundo globalizado onde as desigualdades não cessam de aumentar? O frenesim reformista das escolas e dos sistemas educativos parece ser um sinal evidente de que queremos mudar a escola porque colectivamente nos faltam a força, a vontade e a coragem para lutar pela mudança realmente necessária: a construção de uma sociedade mais justa e solidária.

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