Vai-se a ver e o novo aluno irá ingressar numa turma do 1.º ano, é nepalês (não percebe nem fala uma palavra de Português) e é autista.
Para um burocrata da educação, parece simples, basta cumprir o “54”: identifica-se o caso à EMAEI, esta avalia a situação, decide as medidas a aplicar e cumpre-se o que for determinado.
O problema, claro, é aquele que todos os que trabalham, não em gabinetes de burocratas eduqueses mas em escolas a sério, já estão a antever: a falta de recursos das escolas para lidar com estas problemáticas, o que faz com que os RTP se tornem letra morta em muitas situações. Se em casos relativamente triviais os meios ao dispor já são claramente insuficientes, o que dizer de uma situação em que a comunicação com o aluno é virtualmente impossível e o estado de perturbação da criança a torna imprevisível?
A denúncia de Alberto Veronesi e Susana Mendes é esclarecedora e poupa-me a mais considerações.
Chegou um mail à escola, dizendo que viria mais uma criança, desta feita nepalesa, para o primeiro ano do ensino básico. Sem mais. Depois veio a criança, com tudo.
Este tudo é bem pesado para os que têm da Educação uma visão personalista. Mas leve, leve, para os idiotas úteis que pariram o Decreto-Lei nº 54/2018.
Deixem, caro Leitor, que lhe apresentemos, sumariamente, a última criança que a nossa escola recebeu. Sim, o que vai ler a seguir não é ficção. Passa-se na nossa escola. Na escola onde já não sabemos se ensinamos, se nos arrastamos penosamente como escravos das idiotices pedagógicas portuguesas, as do século XXI.
No primeiro dia do seu “despejo” na escola, correu pelos corredores, rebolou no chão, bateu nas paredes e portas que encontrou, entrou pelas salas, atirou-se para o chão, gritou, chorou, mordeu e bateu em todos os professores e auxiliares que a queriam ajudar.
Atualmente, dois meses depois, promovidas as medidas que os burocratas de serviço vazaram no citado Decreto-Lei nº 54/2018, a aluna começa a estar “incluída”, “integrada”: anda desorientada nos recreios; não compreende, como é óbvio, uma palavra de português; não pede para ir à casa de banho; se a professora não adivinha, faz as suas necessidades onde está, tendo inclusive defecado no chão do recreio, à frente dos colegas; algumas vezes já urinou na sala de aula, à frente de todos; durante as aulas grita, risca, rasga, morde e come (literalmente, sim, come) o material de trabalho dela e dos colegas; quando não é atendida imediatamente, sai do seu lugar, agarra a professora e bate-lhe; quando consegue acabar alguma tarefa, rebola na cadeira e vai para debaixo da mesa; quando ouve barulhos externos à sala, sai espavorida, sem dar cavaco à professora; quando, na hora do lanche, vai comer, aquilo de que não gosta deita para o chão; não sabe lavar as mãos sozinha; ao almoço come com as mãos e, muitas vezes, coloca aquilo de que não gosta no prato dos outros.
Sim, caro Leitor, foi feito o que a lei consigna!
Continuar a ler no Observador ou em acesso livre, no VozProf…