Penalização levantada

Numa luta intensa e prolongada, mas com poucos resultados para os envolvidos, é curioso notar que os maiores ganhos que os professores têm alcançado nos últimos tempos resultam mais da dificuldade crescente em os arranjar do que da sua presença.

O que tem a sua lógica, perante um ministério que convive bem com uma carreira docente desvalorizada, professores desmoralizados, facilitismo pedagógico e avaliativo, burocracia e indisciplina galopantes, mas lida muito mal com a falta de professores nas escolas e turmas inteiras de alunos sem aulas.

Até podem, entre pandemias, greves, reformas e contra-reformas educativas, pedagogia eduquesa e malabarismos curriculares, não aprender grande coisa. Mas desde que algum professor leve os meninos para a aula, escreva um sumário e se ocupe o tempo de alguma forma, o ME dá-se por satisfeito.

A última novidade vem na forma de mensagens que os directores e candidatos à contratação andam a receber: já não serão excluídos do concurso se recusarem uma colocação que lhes desagrade. A penalização prevista na lei fica sem efeito; e assim sempre são mais uns quantos que se mantêm nas listas de recrutamento. Necessidade, a quanto obrigas!…

João Costa quer ir “mais além”

“Vamos apresentar uma proposta bastante mais além do que aquilo que os sindicatos nos responderam, de reduzir significativamente as zonas pedagógicas para evitar deslocações muito grandes dos professores dentro do território”, referiu João Costa.

Afirmando que o Governo já tinha apresentado propostas concretas nas reuniões anteriores, designadamente sobre a redução da área geográfica dos quadros de zona pedagógica e a definição de critérios para a abertura de mais lugares em quadro de escola, o ministro disse não compreender algumas acusações dos sindicatos.

Acho que não há nenhum professor português que possa dizer que querer ter mais estabilidade, menos mobilidade no território, não seja uma coisa que é positiva para si e para o sistema educativo”, considerou, acrescentando que as duas medidas “curiosamente, não têm estado na discussão”.

“Têm estado mais em cima da mesa coisas que nunca foram afirmadas”, lamentou, afirmando que entre as reivindicações dos professores “disseminaram-se informações que não tinham qualquer fundamento e destaparam-se outros assuntos”.

Ouvido pelos jornalistas em Luanda, onde se encontra em visita oficial, João Costa enviou alguns recados a propósito da luta dos professores e da negociação das alterações ao regime de concursos.

Tenta convencer-nos da sua generosidade: vai dar aos professores, imagine-se, ainda mais do que os seus sindicatos ou eles próprios teriam ousado pedir. Seria comovente, se o discurso não fosse uma vez mais, e como é timbre deste ministro, feito de meias verdades e, como tal, enganador.

Pegando apenas em duas das promessas agora apresentadas, que sublinhei na transcrição parcial da notícia, noto que a redução do tamanho dos QZP pode efectivamente ser boa, se reduzir as deslocações dos docentes aí colocados, mas também poderá ser má, se a contrapartida for, como diversas vezes tem sido anunciado, um professor poder ser obrigado a dar aulas em escolas de mais de um agrupamento.

Quanto à estabilidade, que o ministro tenta apresentar como boa em si mesma, também é relativo: é boa quando o professor fica efectivo na proximidade de casa; é péssima quando o docente é “estabilizado” à força numa escola ou agrupamento a 200, 300 ou mais quilómetros de casa, obrigado a ir para lá trabalhar e impedido de concorrer durante os cinco anos seguintes, a nova periodicidade do concurso interno que o ME pretende impor.

Na cabeça de João Costa, tudo isto parece simples: há professores a mais no norte, escasseiam no sul do país. Para não andarem com a “casa às costas”, mudem-se de armas e bagagens para o Alentejo, o Algarve ou a Grande Lisboa. Só que isto esbarra tanto nas carências do mercado habitacional como na realidade que é estar a lidar com docentes que têm famílias e vidas constituídas há muito na sua área de residência, alguns com doenças incapacitantes, outros com filhos menores ou pais idosos a cargo, que mais facilmente equacionam a mudança de profissão do que a deslocação forçada, sem quaisquer apoios ou compensações, que o ministro lhes quer impor.

Há uma certa tradição socialista que julga resolver problemas complexos que envolvem a vida e as expectativas das pessoas através de engenharias sociais. Deveriam perceber que não resulta, sobretudo quando decidem as coisas sem se preocuparem em ouvir e perceber as necessidades e os anseios dos directamente visados. A política feita por chicos-espertos tem limitações óbvias; e se algo distingue as pessoas verdadeiramente inteligentes é a capacidade de contar com a inteligência dos outros.

Os logros da contratação local de professores

Esta semana, o Ministério da Educação deixou cair uma reforma importante para a qualidade do ensino público: descentralizar o recrutamento dos professores. Entregar poder de decisão às direções escolares, que conhecem as necessidades locais, permitiria colocar docentes com perfis mais adequados à realidade de cada escola e região. Também melhoraria a vida e a carreira dos professores, oferecendo estabilidade. Se assim é, porque terão os sindicatos recusado a proposta do ministro?

A Educação é, no campo das políticas públicas, talvez a primeira prioridade de um país evoluído: é a base primordial da igualdade, da cidadania, da sustentabilidade e do crescimento económico. Entre o 25 de abril de 1974 e hoje, Portugal fez um percurso notável a este nível. Nas palavras do diretor de Educação e Competências da OCDE, Andreas Schleicher, “Portugal é a maior história de sucesso da Europa” no PISA [teste de referência para comparação internacional do progresso educativo]”. A centralização da estratégia para a Educação foi crucial no sprint pós-revolução para alfabetizar o país, promover o acesso básico e apanhar o comboio da Europa, num país que o Estado Novo mergulhara no obscurantismo. Foi fundamental e funcionou.

Hoje, no entanto, centralizar num gabinete a tomada de decisão sobre questões locais não serve a diversidade do país, nem a excelência de um serviço público moderno. Felizmente, aliás, porque é sinal do progresso. A educação em Portugal evoluiu de uma questão de acesso para uma questão de qualidade.

Henrique Costa Santos parte em defesa da contratação local de docentes, mas confunde alguns pontos relevantes.

O começo não é auspicioso: a costumeira retórica em torno de governantes bem intencionados que querem o melhor para os professores “com a casa às costas”, enquanto os malvados sindicatos os condenam ao centralista e hiperburocratizado concurso nacional. Independentemente do discurso sindical, que neste caso se limita a reproduzir o sentir da classe, o concurso local baseado em perfis é fortemente rejeitado pela generalidade dos professores, a começar pelos que já passaram, num passado recente, por tal experiência. E não é só por causa das cunhas e amiguismos que este modelo favorece: a própria ideia de que os “perfis” docentes devem variar em função da geografia do território contradiz os princípios do currículo nacional e da igualdade de oportunidades que a escola pública deve promover.

Outro argumento descabido – quantidade versus qualidade – é usado para justificar a mudança de paradigma na colocação de professores: a colocação centralizada, que serviu para garantir o acesso à escolarização em todo o país, seria desadequada para assegurar os desafios do futuro. A verdade é que o “caso de sucesso” que foi a evolução da educação no Portugal democrático se alcançou com um sistema de colocações centralista e, acrescente-se a propósito, taxas de insucesso das mais elevadas da Europa. E tal como o facilitismo avaliativo não demonstrou ainda contribuir para um melhoria global das aprendizagens, também está por demonstrar que critérios de colocação local, num país onde amiguismos e caciquismos têm longa tradição, consiga dotar as escolas de mais e melhores professores. Pelo contrário: o que se pretende, acima de tudo, é construir respostas à crescente falta de profissionais abrindo a porta à contratação de candidatos menos qualificados disponíveis localmente.

Pelo caminho, ficam vãs ilusões: a de que a contratação por “perfis” trará professores mais especializados e competentes, num contexto em que faltam candidatos à docência e que só melhorando condições de contratação, carreira e trabalho se conseguirá tornar a profissão atractiva. A de que esses profissionais de excelência se sujeitarão a trabalhar sob os caprichos de directores prepotentes e autarcas incompetentes, não saindo dos ambientes laborais tóxicos à primeira oportunidade.

Há, enfim, nestas e noutras intervenções semelhantes, um insuportável paternalismo que ressoa quando se insinua que os professores andam, ano após ano, “com a casa às costas”, por causa do computador “centralista” ou, pior ainda, por não saberem concorrer. Na verdade, são as regras iníquas e cada vez mais desajustadas das necessidades, associadas à falta de vagas em lugares do quadro postos a concurso, que perpetuam a precariedade e fazem da estabilidade profissional uma miragem para jovens e menos jovens professores.

Quem é o mentiroso?

João Costa, presumivelmente agastado com a espera que ontem lhe fizeram os professores em greve, foi directo na acusação: os sindicatos mentem aos professores sobre as intenções do Governo relativamente ao recrutamento dos professores. E estes, claro, são uns ingénuos manipuláveis que caem na esparrela…

Do áudio, que aqui deixo para quem quiser tirar dúvidas, sobressai o discurso melífluo e insidioso, onde com omissões e meias-verdades se tenta falar ao jeito de quem ouve e baixar as defesas dos que ainda querem acreditar nas boas intenções deste ministro.

A verdade é que a questão de saber quem recruta os professores, na qual João Costa centrou o breve discurso, se torna secundária quando os professores, incluindo os actuais quadros de escola, ficarem amarrados a uma zona pedagógica do tamanho, ou pouco inferior, de um distrito, onde a mobilidade de cada um é decidida em função de “perfis” por conselhos de directores enquadrados pelas comunidades intermunicipais.

As linhas gerais do diploma ainda na forja, tal como foram apresentadas aos sindicatos, apontam claramente para um modelo que vai espaçar ainda mais os concursos internos (de 4 para 5 anos), agilizar a extinção de lugares de quadro e a criação de horários-zero e estender aos professores dos quadros de escola e agrupamento o regime aberrante, e que não encontramos em nenhum dos países com que gostamos de nos comparar, dos horários lectivos com aulas em escolas de diferentes agrupamentos.

Em vez de chamar mentiroso a quem não alinha no seu discurso de insinuações e falsidades, era bom que o ministro explicasse claramente como é que quer acabar com os professores com a casa às costas: simplesmente forçando as pessoas a residir na zona onde obtiveram colocação.

Antes de lhe fugir o pé para o chinelo, abandonando o discurso untuoso do linguista habilidoso com as palavras a que nos habituou, conviria que o ministro olhasse para si próprio e respondesse com sinceridade à pergunta que se impõe: quem é que anda, há anos, a mentir aos professores?…

A conferência do ministro

A agenda educativa ficou ontem marcada, não pela nova ronda negocial do ME com os sindicatos, onde foram debatidos temas secundários, sem que nada de novo surgisse a respeito do novo modelo de colocações de professores, mas pela conferência de imprensa em que João Costa surge a deitar água na fervura, denunciando falsidades que, segundo ele, andam a ser propagadas nas redes sociais a respeito das intenções ministeriais.

Num discurso tipicamente de meias verdades, o ministro ensaia um recuo estratégico que lhe permitirá limar as arestas da proposta e voltar à carga, já em 2023, quando as defesas dos professores estiverem mais em baixo. No imediato, terá conseguido também lançar alguma confusão, e consequente desmobilização, nas hostes dos professores mais inconformados.

Fica o vídeo da conferência de imprensa, e o desmentido das informações falsas que, segundo João Costa, andam a circular entre os professores:

  • A graduação profissional vai continuar a ser o critério para a vinculação de professores;
  • Não serão os diretores a escolher quem integra os quadros;
  • A abertura de lugares de quadro será sempre feita através de concurso nacional;
  • A contratação, afetação e vinculação de professores não serão feitas pelas autarquias ou pelas comunidades intermunicipais, nem com base em entrevistas ou testes psicotécnicos;
  • Os docentes em quadro de escola não vão perder esse vínculo nem ser obrigados a concorrer;
  • Os salários dos professores não vão passar a ser pagos através de fundos europeus;
  • O Governo não vai extinguir a mobilidade interna nem o destacamento por ausência de componente letiva;
  • Não haverá técnicos municipais a substituir professores.

O que é que, neste discurso sinuoso, fica por dizer? Muitas coisas, sendo algumas delas de primordial importância:

Nunca se pensou que o ME quisesse dar a directores e autarcas, e que estes a aceitassem, a responsabilidade de recrutar e colocar todos os professores do país. O que pretendem, isso sim, é alguma autonomia estratégica para movimentar este ou aquele, seja para cativar a determinada escola alguém que por lá é desejado, seja para recorrer, de forma mais ou menos discricionária, aos DACL, para pôr a andar para outro lado um ou outro que desagrade. E aqui cai por terra uma das afirmações peremptórias do ministro: os professores do QA/QE poderão ser obrigados a concorrer, sim, tal como já sucede actualmente. Basta que lhes seja atribuído um horário-zero. E sabemos como alguns grupos de recrutamento têm sido especialmente martirizados a este nível.

Outra imprecisão, chamemos-lhe assim, do senhor ministro, tem a ver com os fundos europeus a pagar salários docentes: não é “não vão passar a ser pagos”; a frase pode conjugar-se no presente, afirmando-se que parte dos professores que leccionam os cursos profissionais já estão a ser pagos através dos fundos europeus. Tendo em conta o subfinanciamento e a desorçamentação crónicos no sector da Educação, haverá razões para crer que, no futuro, será diferente?

Voltando os DACL, também conhecidos como horários-zero, o ministro confirmou ontem que continuarão a existir. O que não disse é qual a área geográfica a que serão obrigados a concorrer. O mais certo, no novo quadro em preparação, é que se esteja a pensar numa mobilidade dentro do “mapa de pessoal” de toda a CIM correspondente, o que nalguns casos pode levar o docente para mais de cem quilómetros da escola onde estava colocado, algo que o ministro não desmentiu.

Outra coisa de que o ministro não falou foi da mobilidade por doença – será para extinguir, ou para restringir ainda mais? – nem das consequências da nova filosofia dos concursos: as pessoas devem ir morar para onde são colocadas; nem pensar que o ME tem de andar a pagar deslocações ou a subsidiar rendas de casa… Dentro deste princípio, a contrapartida dos QZP mais pequenos será a obrigatoriedade de os professores aceitarem colocação dentro do QZP de provimento.

Também não explica, o ministro, como é que vai aumentar a fixação dos professores às escolas e agrupamentos alargando ainda mais, passando de quatro para cinco anos, o intervalo entre concursos de mobilidade interna: no quadro actual, em cinco anos podem chegar a aposentar-se metade, ou mais, dos docentes do quadro de algumas escolas. Não faria sentido que estes lugares de quadro fossem sendo postos a concurso à medida que vão ficando disponíveis, contribuindo para estabilizar de forma duradoura, tanto os QA/QE como as vidas adiadas de tantos professores?

“Se não agirmos com firmeza, seremos cilindrados.”

Como é público, o Ministério de Educação quer alterar as regras do concurso nacional de professores. A narrativa vigente é a de que essa alteração ajudará a mitigar a falta estrutural de professores. Obviamente que só acredita nesta versão dos factos quem não estiver atento ao que na realidade se quer fazer. O objetivo último é entregar às câmaras municipais o controlo total dos concursos de professores, juntamente com a possibilidade de serem estas a nomear para todos os cargos existentes nas escolas: diretores, coordenadores de departamento e de escola e todo e qualquer cargo de liderança associado a um qualquer projeto.

No fundo, aquilo a que estamos a assistir, sem que se veja uma reação coincidente com a perigosidade da questão, é a uma tentativa de a política tomar de assalto as escolas e os seus cargos para distribuir por todos os boys partidários. Estamos a falar de mais de 5000 escolas e mais de 800 agrupamentos. Não é coisa pouca.

A ideia de atribuir a responsabilidade de selecionar os professores aos conselhos locais de diretores, que serão coincidentes com as CIM, substituindo os atuais QZP, é uma forma de estes poderem, como admitiu a Fenprof, concorrer a fundos estruturais europeus, através de projetos, e assim escolherem quem entenderem ter o “perfil” adequado, pagando com os fundos um valor que poderá até ser diferenciado de projeto para projeto.

O que está em causa é o fim dos concursos nacionais na forma como os conhecemos, deixando de parte a graduação profissional como primordial forma de seleção, passando essa seleção a ser feita com base em perfis subjetivos e pouco transparentes.

Alberto Veronesi traça um quadro sombrio das intenções do Governo, no que ao novo regime de contratação e mobilidade dos professores diz respeito. Embora um ou outro ponto possa ser suavizado em futuras reuniões negociais, para dar a ilusão de que haverá cedências face à “inflexibilidade sindical”, a verdade é que, se não houver uma reacção forte e determinada dos professores, tudo o que aqui foi enunciado irá cair-nos em cima. E não adianta pensar que os mais antigos, os do quadro de escola, os “primeiros do grupo”, estarão a salvo. Já hoje é assim nos mega-agrupamentos, o director movimenta o pessoal docente conforme entende entre as escolas do agrupamento.

No futuro, o que se pretende é que o professor com horário-zero ou que simplesmente não se enquadra no “projecto educativo” da escola onde está, possa ser deslocado para outra escola, de outro concelho. O que o ME pretende fazer não tem paralelo com quaisquer outras carreiras da administração pública, e compreende-se agora que a benesse de não incluir o pessoal docente no pacote da municipalização trazia água no bico: estavam a guardar-nos para a intermunicipalização, um quadro ainda mais gravoso e atentatório dos direitos dos professores.

A esta provocação ministerial, o STOP reagiu com a marcação de uma greve prolongada, uma decisão apoiada na consulta às bases, mas não concertada com outros sindicatos nem, é legítimo supor, devidamente ponderada em todas as suas condicionantes e implicações. Ainda assim, é até agora a única forma de luta em cima da mesa. Pelo que, para Veronesi, não sei se para milhares de professores que ainda não perceberam bem a dimensão do que aí vem, a decisão é simples:

Na essência, estas regras correspondem ao fim dos concursos nacionais, à municipalização da gestão de professores, ao fim de um estatuto da carreira docente. Se não for agora, já não haverá nada a fazer. Estamos num ponto em que, se não agirmos com firmeza, seremos cilindrados.

[…] O Sindicato S.TO.P. convocou. Agora é a nossa vez. Está nas nossas mãos.

Dos fracos não rezará a história. Organizemo-nos nas nossas escolas e demos conta da nossa força e união!

O fim dos concursos

A grande maioria dos professores parece continuar a leste das implicações do novo modelo de recrutamento e gestão dos professores proposto pelo ME: basicamente deixam de existir concursos, passando os docentes a ser colocados, dentro da respectiva CIM, pelo conselho de directores escolares, conforme as necessidades. E não se diga qoe os professores do quadro de escola ou agrupamento estarão livres destas movimentações: basta que um director considere que determinado docente não tem perfil para certo projecto a implementar, para que ele seja deslocado para outra escola, ao critério dos directores, e de acordo com o seu “perfil” – o que quer que isso seja.

Claro que a proposta ministerial ainda não está oficializada em documento escrito – o que existem são umas ideias apresentadas oralmente, com apoio num powerpoint, aos sindicatos. Também é natural que algumas cedências calculadas já estejam previstas, em face da contestação. Mas o essencial das intenções do ME está bem definido nesta imagem, que para os mais desinformados pode funcionar melhor do que mil palavras. Porque é bom que todos os professores abram a pestana: se não protestarmos vigorosamente, é mesmo isto que nos vai cair em cima…

Imagem daqui.

O director do PS

[Filinto Lima] vê com bons olhos “a possibilidade de as escolas poderem escolher alguns dos seus professores”. Contudo, sustenta que este não deve ser um tema “tabu, como pretendiam alguns sindicatos”. “A boa-fé dos líderes das escolas, e das suas equipas, não deverá ser posta em causa. A tutela deverá criar regras de escolha de professores pelas escolas cujos critérios ajudem a adequar o projeto educativo ao perfil do professor”, conta. Perante as críticas de sindicatos que dizem temer o recurso à “cunha” na escolha de professores, o presidente da ANDAEP diz lamentar “a forma como tratam os diretores e as equipas diretivas, que também são professores, pois em vez de os defenderem duvidam da capacidade de liderança, colocam em causa a idoneidade de profissionais de excelência, seus colegas, alguns até sócios dos sindicatos que representam. Talvez por isso seja enorme a estupefação relativamente à possibilidade em atribuir a um conselho local de diretores a tarefa que julgavam ser de cada escola. Apanhados de surpresa, que argumentos válidos irão apresentar os sindicatos para rejeitar a proposta?”, questiona.

Na mesma peça em que se reproduzem as críticas e a oposição de outros gestores escolares e da Fenprof ao fim anunciado dos concursos de professores e à sua substituição por uma gestão administrativa de “mapas de pessoal” feita pelos directores, Filinto Lima posiciona-se em defesa do novo modelo.

Uma posição cada vez menos sustentável: Filinto tem almejado durante anos o dom da ubiquidade, mas estas coisas têm limites. O director escolar, presidente de uma associação de directores – o que lhe permite falar em nome destes – ecomentador regular na comunicação social é também, desde 2021, autarca eleito pelo PS, mais concretamente presidente da Junta de Freguesia de Oliveira do Douro. E é desde logo esta proximidade ao poder socialista que lhe retira a necessária isenção quando intervém em defesa de um projecto polémico e que não parece reunir apoios, nem entre os professores, nem entre os directores que o ME, com a atribuição de novas responsabilidades, pretende lisonjear.

Claro que nestas coisas a última palavra pertence aos associados, e até admito que alguns directores da ANDAEP se sintam agradados com a ligação ao partido no governo do seu dirigente máximo. Contudo, em nome da transparência dos actos da organização, e da autonomia tantas vezes reclamada, talvez ganhassem em fazer-se representar por alguém não enfeudado politicamente ao poder e que represente efectiva e exclusivamente os directores. Ou em alternativa, e para que ninguém vá ao engano, assumirem-se como associação de directores do PS…

António Costa não quer professores “com a casa às costas”

“Esperamos chegar a acordo com os sindicatos para que seja possível acabar, de uma vez por todas, com os professores com a ‘casa às costas’ e que possam, assim que sejam contratados, vincular-se na escola onde estão e só saírem de lá se um dia o desejarem”, disse.

António Costa falava na Covilhã, no XX Congresso Federativo do PS Castelo Branco, numa intervenção que foi acompanhada online nos congressos federativos socialistas de outras regiões, que também estão a decorrer neste sábado.

Durante a sessão, o líder socialista e primeiro-ministro reiterou o compromisso com a execução de “reformas estruturais”, destacando a situação dos professores e a necessidade de mudar o modelo de vinculação.

Costa lembrou que já foi aberto um processo de negociação sindical para alteração do modelo de vinculação dos professores e assumiu que “não há nenhuma razão” para que esta seja “a única carreira em todo o Estado” que tem de se apresentar a concurso de quatro em quatro anos.

Ao fim de sete anos de costismo, se há coisa que os mais atentos já perceberam é que devem entrar em estado de alerta sempre que o governo afirma convictamente algo que agrada aos interessados e à generalidade dos cidadãos: o mais provável é estarem a preparar-se para fazer exactamente o oposto, usando o “falar ao jeito” para baixar as defesas de quem, no fim, levará com a pancada.

Como é aqui o caso da estabilidade profissional dos professores. Falando para uma plateia partidária onde certamente se incluíam docentes – sim, por estranho que possa parecer, ainda há professores militantes e apoiantes do partido dito socialista – António Costa sentiu necessidade de acalmar os ânimos e iludir os incautos.

Até podemos acreditar na bondade da ideia de estabilizar os professores que andam “com a casa às costas”. Entenda-se no entanto que isto só se faz porque perceberam que cada vez menos professores aceitam colocações distantes, que não pagam nem a despesa nem o sacrifício na vida pessoal e familiar. E com uma contrapartida: que o professor se instale, de armas e bagagens, onde a administração decidir colocá-lo, em vez de ir tentando, a partir de uma colocação distante, aproximar-se da residência habitual. Uma jogada arriscada: no final, continuarão a ter falta de professores nas regiões e escolas para onde eles não querem ir, mas entretanto estragaram a vida a muitos profissionais com um modelo que irá agravar as iniquidades e injustiças que já hoje se praticam.

O resto são as habitais imprecisões e meias-verdades próprias do discurso político generalista: não são todos os professores que são obrigados a concorrer de quatro em quatro anos, como afirma Costa, apenas os QZP. Mas há uma profunda injustiça neste modelo que nunca é assumida: o Estado que impõe um prazo de quatro anos – futuramente cinco – ao concurso externo é o mesmo que se arroga o direito de obrigar um professor a concorrer todos os anos, se preciso for, caso esteja na situação de horário-zero.

Por último, a desfaçatez de chamar negociação à apresentação aos sindicatos de um modelo de colocação de professores que estes não podem senão rejeitar liminarmente, pois subverte completamente as regras estabelecidas, fazendo tábua rasa dos direitos dos professores e de princípios básicos de equidade e justiça nos concursos. Se é que se pode chamar tal coisa à elaboração de “mapas de pessoal” de acordo com critérios e conveniências definidos por um conselho de directores.

Mapas de pessoal substituem concursos

O Ministério da Educação pretende transformar os concursos nacionais de professores em procedimentos municipais, agrupando os docentes do quadro em mapas intermunicipais e limitando assim a sua colocação às regiões onde estão vinculados. Esta é a base da proposta apresentada aos sindicatos nas sessões de negociações que se realizaram entre esta segunda e terça-feira, explica ao PÚBLICO o dirigente da Federação Nacional de Professores (Fenprof) Vítor Godinho.

“Fomos para a reunião com baixas expectativas, mas saímos de lá desconcertados”, comenta o sindicalista a propósito desta alteração, que se traduzirá numa “transformação profundíssima do recrutamento de docentes em relação a qualquer modelo que já foi aplicado”.

Depois de agrupados nestes mapas de docentes intermunicipais, os professores serão seleccionados por conselhos locais de directores de agrupamentos em função de perfis de competências que estes considerem adequados a cada escola. Com este modelo, os directores poderão escolher quase todos os seus professores e não apenas 1/3 como veiculado inicialmente pelo ministro da Educação, uma vez que não parece viável existirem em simultâneas listas municipais e listas nacionais de colocação, aponta Vítor Godinho.

As baixas expectativas em relação ao projecto de revisão da legislação dos concursos ficaram ontem confirmadas nas reuniões negociais com a Fenprof e a FNE. Se as ideias expostas aos sindicatos forem avante, acabaram-se os concursos tal como os conhecemos e passaremos a ter meros mapas de pessoal, elaborados em reuniões locais de directores. A cenoura é a redução substancial do tamanho dos QZP, mas não haja ilusões: pertencer a um dos novos mini-QZP implicará ficar colocado, não onde se pretende ou se teria direito de acordo com a posição na lista ordenada, mas pela “conveniência de serviço” decidida pelo conselho dos senhores directores, num processo semelhante à distribuição de docentes pelas várias escolas dos agrupamentos.

Quanto à dimensão futura dos QZP, a ideia parece ser fazê-los coincidir com as comunidades intermunicipais e as áreas metropolitanas, de forma a facilitar a contratação de professores adstrita a determinados projectos ou investimentos com financiamento comunitário, criando uma complexa engenharia financeira que poderá permitir o recurso aos fundos europeus para pagar salários a professores. Esta e outras conjecturas são feitas por Mário Nogueira, à saída da reunião de ontem no ME, num vídeo que se recomenda a quem quiser perceber melhor o que andarão a tramar…