O procurador-geral do Missouri anunciou que este estado conservador dos Estados Unidos se tornou o “primeiro” a proibir interrupções voluntárias da gravidez, na sequência da decisão desta sexta-feira do Supremo Tribunal, que revogou o direito ao aborto.
“Este é um dia monumental para a santidade da vida”, disse Eric Schmitt numa mensagem na rede social Twitter acompanhada de uma imagem que o mostra a ratificar o texto que “verdadeiramente” acaba com o aborto no Missouri – um estado que na realidade só tinha uma clínica que permitia tal procedimento. […]
O Supremo Tribunal dos EUA anulou hoje a proteção do direito ao aborto em vigor no país desde 1973, numa decisão que permitirá a cada Estado decidir se mantém ou proíbe tal direito, sendo que dos 50 Estados norte-americanos metade deve aproveitar a oportunidade para impedir a interrupção voluntária da gravidez a curto ou longo prazo.
Vivemos acostumados à ideia de progresso, a todos os níveis, da Humanidade: acreditamos que a vida é melhor hoje do que no passado e, pelo menos os mais optimistas, que o futuro será ainda melhor do que o presente. Mas a verdade é que, se existem mudanças que, em termos históricos, são irreversíveis, há também conquistas que, parecendo definitivas, na verdade não o são. Se não permanecermos vigilantes e decididos na sua defesa, a qualquer momento se podem reverter.
Até há pouco tempo atrás, a despenalização, primeiro, e a legalização, depois, da interrupção voluntária da gravidez por decisão da mulher, aparentava ser um caminho sem regresso, na senda da emancipação feminina, da autodeterminação das mulheres em relação ao seu próprio corpo e do pleno direito à saúde sexual e reprodutiva. Afinal, bastou a chegada ao poder de Trump para que este, fazendo uso da prerrogativa presidencial de nomeação de juízes para o Supremo Tribunal, impusesse ali a maioria conservadora que agora revogou a protecção federal do direito ao aborto.
O caso é lamentável, desde logo pela desprotecção a que ficam sujeitas as mulheres desfavorecidas, nos estados mais pobres e conservadores, que queiram abortar, e que poderão ver-se forçadas a fazê-lo na clandestinidade e a ter de enfrentar a perseguição legal. As mais afortunadas, essas terão sempre a hipótese de viajar para outro estado para aí pôr termo à gravidez.
Preocupante é também o exemplo que os EUA estão a dar ao mundo: uma país tradicionalmente coeso na sua diversidade mostra-se cada vez mais dividido e fracturado entre liberais e conservadores, dois mundos paralelos cada vez mais distantes e com óbvias dificuldades em se entenderem. A última vez que tal sucedeu, há mais de 150 anos, o resultado foi uma guerra civil que deixou marcas profundas na sociedade e no modo de vida americano. Desta vez não creio que se chegue a tanto; mas que há aprendizes de feiticeiro a libertar demónios e a embriagar-se com o seu próprio poder, isso é bem evidente…
Se gostou de ler, partilhe...
Gostar disto:
Gosto Carregando...