Professor não entra

O prédio em Lisboa que estava praticamente pronto a receber professores deslocados continua inabitado, passados mais de sete meses. O objetivo era fixar docentes numa das áreas mais carenciadas da cidade, mas, quase no final de mais um ano letivo, os nove apartamentos continuam sem ser atribuídos.

O problema não é fácil de resolver, mas está identificado há muito tempo: não há, a residir na zona da Grande Lisboa, professores suficientes para as necessidades e o custo especulativo dos alojamentos impede que docentes de outras zonas do país venham leccionar para a capital. Uma das soluções a curto prazo para uma situação que deixa milhares de alunos sem aulas seria, obviamente, proporcionar habitação a custos acessíveis a professores deslocados. E até existem edifícios públicos que podem ser adaptados a este fim. Mas para isso seriam necessários governantes competentes, focados nos problemas reais que têm à sua frente e determinados a resolvê-los.

O caso agora relatado torna-se ainda mais revoltante quando se percebe que até se fez algo de concreto para tornar habitáveis os apartamentos que já deveriam estar ocupados por professores deslocados. Mas na hora das concretizações, os serviços públicos envolvidos preferem dedicar-se ao habitual jogo do empurra, atirando uns para os outros as responsabilidades que, vá-se lá perceber porquê, ninguém quer assumir.

O atual Ministério da Educação afirma que quem deve fazer a atribuição dos apartamentos é o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU). Questionado pela SIC, o organismo alega que, até à data, não recebeu qualquer informação por parte da Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE) ou do Governo.

Plano de emergência para a falta de professores

Em declarações aos jornalistas em Barcelos, distrito de Braga, à margem da tomada de posse de Maria José Fernandes como presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, Fernando Alexandre sublinhou que em meados de março ainda havia 1.172 alunos que tinham pelo menos uma disciplina sem professor desde o início do ano letivo.

“É uma situação gravíssima, um problema que é estrutural e que tem de ser resolvido rapidamente. Vamos apresentar um plano de emergência para resolver o problema da falta de professores em breve”, referiu.

O ministro ressalvou que o problema dos professores “não se resolve de um dia para o outro”, mas adiantou que o Governo, com o plano de emergência que será apresentado em breve, tentará evitar que, no próximo ano letivo, haja uma repetição do que aconteceu este ano.

Problema estrutural, senhor ministro? Até acredito que sim, aliás os professores, esses eternos incompreendidos, andam a dizê-lo há muito tempo: quando a actual geração se aposentar em massa- já está a fazê-lo, e muitos mais irão sair até ao final da década! – não haverá quem os substitua.

Curiosamente, não era assim que o PSD pensava aquando da sua última passagem pelo Governo, ainda não passaram dez anos: Nuno Crato afirmava então, alto e bom som, que tínhamos professores a mais. E toca de mandar embora mais de 30 mil professores qualificados que agora fazem cada vez mais falta.

Quando poderiam ter aproveitado a folga existente para proporcionar melhores condições de carreira, trabalho e estabilidade profissional aos professores, integrando os novos e preparando a saída gradual da geração mais antiga, preferiram eleger o sector da Educação para fazer poupanças orçamentais e engordar, via contratos de associação, os proprietários dos colégios privados. Com menos acinte mas idêntica determinação, deram continuidade à política hostil à classe docente iniciada por José Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues.

O problema é estrutural, diz o ministro, mas a verdade é que este tipo de problemas só se irão agravar enquanto tivermos governos que, na Educação, governam apenas em função da conjuntura. E uma conjuntura curta, ainda por cima, pois raramente se tomam medidas com um horizonte temporal maior do que os quatro anos que é suposto durar uma legislatura.

França indemniza alunos sem professores

A existência de um direito universal à Educação, que o Estado deve garantir, não é compatível com a falta de professores durante longos meses, deixando os alunos sem aulas. Mais: sendo todos os cidadãos iguais perante a lei, como pode o Estado garantir a uns o funcionamento normal da escola, enquanto nega a outros o mesmo direito? Não deverão os lesados ser indemnizados pelos prejuízos que a inacção do Estado lhes causou?

A questão colocou-se em França, onde a falta de professores que não foram atempadamente substituídos já originou a perda de mais de 15 milhões de aulas não dadas e levou alguns alunos e suas famílias a processar, com sucesso, o Estado francês. Em Portugal, ainda não chegámos a tanto, que se saiba mas, a continuarmos pelo mesmo caminho, provavelmente será apenas uma questão de tempo…

França condenada a indemnizar alunos pela não substituição de professores

O Governo francês foi condenado pela “falta de ação” a pagar as horas perdidas pelos alunos devido à não substituição dos seus professores, anunciou hoje o tribunal administrativo de Cergy-Pontoise, na região de Paris.

“O tribunal reconheceu a responsabilidade do Estado em oito processos e condenou-o a indemnizar os oito requerentes pelo prejuízo causado pela perda de oportunidade de os seus filhos terem êxito nos anos letivos e nos programas escolares futuros, em consequência da rutura da continuidade pedagógica”, declarou o tribunal em comunicado.

Doze processos foram apresentados a um tribunal relativos a alunos que “se queixavam de terem sido privados de um volume muito elevado de horas de ausência acumuladas ao longo de um único ano letivo” na academia de Versalhes, a oeste de Paris.

O processo insere-se no âmbito da operação coletiva nacional #NósQueremosProfessores (#OnVeutDesProfs, em francês), que interpôs, em 2022, uma ação judicial contra o Estado em vários pontos do país para que este assegure a organização do serviço público em caso de ausência dos professores.

Segundo o coletivo, que defende que um ensino de qualidade e equivalente a todos os alunos é uma das obrigações do Estado francês, esta ação envolve mais de 340 pedidos em 20 serviços de educação locais.

Coincidências

Em resposta a uma deputada da Iniciativa Liberal, [o ministro da Educação] disse ainda que existem “dezenas de milhares de diplomados a sair (do ensino superior) todos os anos” e defendeu melhores condições para que “esses diplomados possam tornar-se professores”.

Noto alguma ligeireza, que os mais incautos poderão confundir com optimismo, na forma como o novo ministro da Educação parece querer resolver o problema da falta de professores. E não é o único. Entrevistada no Jornal da CNN de 10 de Abril (ver aqui, por volta do minuto 50), Maria de Lurdes Rodrigues, ministra de má memória e infinita desfaçatez, não regateava elogios ao programa do Governo AD para a Educação. E discorria da mesma forma: todos os anos se formam dezenas de milhares de “diplomados” nas universidades e politécnicos: se hoje precisamos de professores temos, ao contrário do que sucedia no passado, onde os ir buscar.

Este raciocínio enferma de três falhas, pelo menos. Em primeiro lugar, apenas uma ínfima parte dos licenciados e mestres que se formam actualmente o fazem em cursos que habilitam para o ensino, pelo que ser professor não estará, à partida, nos horizontes profissionais destes estudantes. Para poder disputar, com o sector privado e com o mercado internacional de trabalho que cada vez mais atrai os nossos jovens, os futuros profissionais da Educação, seria necessário dotar a profissão de uma atractividade que hoje está muito longe de ter.

Depois, há que ter em conta que não é um qualquer “diplomado” que está habilitado a ser professor: para qualquer nível de educação e ensino não superior é exigido o grau de mestre, tendo o futuro professor de possuir tanto a formação científica na área disciplinar a leccionar como a correspondente formação pedagógica. E achar que isto se obtém às três pancadas, numa qualquer formação complementar obtida num semestre ao mesmo tempo que se improvisam umas aulas, é apenas rumar à degradação acelerada da qualidade da educação.

Por último, apostar em recrutar, à falta de professores habilitados, profissionais formados noutras áreas – engenheiros, juristas, profissionais de saúde, técnicos especializados, etc. – será sempre uma aposta arriscada: haverá uma grande probabilidade de estar a recrutar, para o ensino, pessoas que fracassaram na área profissional para a qual se formaram e que encontram na escola uma alternativa de emprego enquanto não conseguem algo melhor. Ora os melhores sistemas educativos são, sabe-se bem, os que apostam na formação e no recrutamento dos melhores para a docência, não os que fazem do ensino o refugo de outras profissões.

Concursos, colocações e propaganda

Na sua crónica às terças-feiras no DN, Paulo Guinote desmonta a propaganda enganadora do ME, vertida, a propósito dos últimos concursos e colocações, em diversas “notas informativas” e comunicações à imprensa.

O governo que agora proclama estabilidade nas colocações é o mesmo que, durante oito anos, alimentou a instabilidade, mantendo mais de 20 mil professores em QZP sobredimensionados em vez de promover a sua estabilização, quer pela aproximação progressiva à residência, quer pela criação de incentivos à fixação daqueles que quisessem reorganizar a sua vida longe do local de origem. Pelo que faz todo o sentido questionar porque não fizeram há mais tempo o que, em tom triunfalista, anunciam agora.

Para o leigo que lê ou escuta o discurso propagandístico da equipa ministerial que agora cessa funções, tudo isto parece maravilhoso: mais umas dezenas de milhares de professores a entrar no sistema, entre novos quadros de escola, novos vinculados aos QZP e novas contratações? Nada disso, pois praticamente todas estas transições de quadros serão feitas por docentes que já estão há longos anos, nalguns casos há décadas, no sistema educativo. O problema de fundo, atrair novos professores entre os que abandonaram a docência nos últimos 10 ou 15 anos e tornar a profissão atraente para jovens que agora iniciam estudos superiores continua, em larga medida, por resolver.

(…) Quando, em nova nota governamental, datada de 22 de março, se afirma que esta é a “maior fixação de docentes em mais de uma década”, é útil compreender-se que durante mais de oito anos a governação esteve entregue a estes mesmos responsáveis. Se ao fim deste tempo decidiram, por fim, resolver parte do problema que alimentaram, pode dizer-se que mais vale tarde do que nunca, mas pouco mais.

Nessa nota, acrescenta-se que “a passagem para os novos 63 Quadros de Zona Pedagógica permite agora que os professores vejam reduzidas as suas deslocações internas no QZP”, mas logo a seguir vem a parte que revela a armadilha da chamada “vinculação dinâmica”, pois esta é uma “colocação transitória na medida em que todos estes professores poderão concorrer às 20853 vagas de Quadro de Escola abertas”. Vagas distribuídas por todo o país a que os docentes terão de concorrer obrigatoriamente. O que fez muita gente não concorrer. Para além disso, caso não aceitem a colocação nas listas agora publicadas, ficam sujeitos à “anulação da colocação e instauração de processo disciplinar”, conforme nota informativa da Direcção Geral da Administração Escolar de 22 de Março. 

Isto significa duas coisas: primeira: estas colocações não correspondem a novos docentes que possam suprir as falhas que já existem ou as que se adivinham perante o acelerar das aposentações, pois as regras deste concurso implicavam que fossem docentes já em exercício; segunda: a criação de 63 QZP mais pequenos do que os anteriores é apenas uma fase transitória, antes dos docentes agora colocados serem obrigados a concorrer a TODO o país. É o que significa aquela parte da nota em que se afirma que “serão menos 13 712 docentes em QZP”.

E significa ainda outra coisa muito grave: a falta de professores em sala de aula vai agravar-se nos próximos anos, mesmo com o recurso a pessoas que ocupam o lugar de professores, apenas porque foram reduzidos os critérios de acesso ao exercício da docência.

Dois períodos sem aulas

O segundo período terminou e ainda há alunos sem aulas a pelo menos uma disciplina desde o início do ano. Outros já conheceram, entre temporadas sem aulas, dois, três, às vezes mais professores. O problema, que sucessivos governos tentaram minimizar ou ignorar, agrava-se de ano para ano e as soluções, ou melhor, os remedeios, existem. Mas qual deles o pior: turmas do 1.º ciclo partidas e divididas pelas restantes, professores coagidos a aceitar horas extraordinárias, contratação de quem apareça, mesmo que sem formação científica e pedagógica adequada, para substituir os professores em falta.

No horizonte próximo, as provas finais do 9.º ano e os exames do secundário, que um número indeterminado, mas significativo, de alunos, terá de enfrentar sem ter tido as aulas necessárias à aprendizagem de todas as matérias. Será que, no ministério, há alguém seriamente preocupado?

Todas as semanas as direções das escolas lançam concursos e refazem horários para as baixas que vão surgindo ao longo do ano ou para os lugares que ficaram por preencher desde o início letivo. Quando não há candidatos, as horas extra sobram para os professores já colocados nas escolas.

O problema afeta alunos do 1º ao 3º ciclo e as matérias curriculares serão difíceis de recuperar para turmas que, desde o início do ano letivo,
estão sem professor a uma ou mais disciplinas das mais variadas, em que se incluem o Português e Matemática, com exames nacionais no 9.º ano.

Sabe-se que o problema se concentra na região de Lisboa e no Algarve e tem sido difícil de resolver.

De acordo com dados do Ministério da Educação, avançados pelo jornal Expresso, entre setembro e a primeira semana de março, foram contratados 23.800 docentes, quase 3.900 não tinham formação específica para dar aulas. O número, no final do segundo período, é já superior às contratações nos três periodos dos dois anteriores anos letivos.

Sem que a formação de novos professores consiga colmatar os que saem, a situação agrava-se. Em média, até 2030, o estudo sobre as necessidades de recrutamento indica que, a cada ano, serão precisos 3.500 novos professores.

Nas contas da Fenprof, o segundo período finaliza com cerca de 44 mil alunos sem professor a, pelo menos, uma disciplina.

Reformas de professores aceleram

A previsão aponta para cerca de 5 mil aposentações até ao final do ano e o ritmo, até ao final da década, não deverá diminuir. Com as listas das reservas de recrutamento cada vez mais desfalcadas de candidatos, substituir cada um destes docentes que saem com o ano lectivo a decorrer pode revelar-se tarefa difícil e demorada.

Mas no ministério ainda há quem pense que resolve estes problemas contratando pessoal não habilitado ou obrigando os vinculados, no concurso nacional, a deslocarem-se para trabalhar em sítios para onde não querem ir.

Andaram oito anos, no ministério, a brincar aos currículos, aos jogos florais do PASEO e a construir monstros burocráticos como o famigerado MAIA. Descobrem agora, a custo, que os problemas estruturais da escola pública não têm solução atazanando a vida dos professores: pelo contrário, só com uma carreira valorizada e condições de trabalho adequadas e motivadoras poderão atrair e manter na profissão docente os profissionais qualificados de as escolas necessitam como de pão para a boca.

Num momento em que há mais de 40 mil alunos sem professor a pelo menos uma disciplina, cada vez mais docentes deixam as escolas por motivo de aposentação. Em abril, vão passar à reforma mais 241 professores, de acordo com os dados disponibilizados nesta semana pela Caixa Geral de Aposentações. Fazendo as contas aos primeiros quatro meses do ano, aposentam-se 1290 docentes. São mais 256 do que em igual período do ano passado. Em apenas quatro meses saem da profissão quase tantos professores e educadores de infância como no total dos anos de 2106 e 2017.

No ano passado atingiu-se um recorde da última década, com 3521 profissionais a aposentarem-se. Este ano, as previsões apontam para 4705 docentes aposentados – o número mais alto desde 2012. No entanto, tendo em conta os dados dos primeiros meses de 2024 e a manter-se a média mensal, o número de reformados poderá ultrapassar os 5000, estima Mário Nogueira, secretário-geral da Federação Nacional dos professores (Fenprof).

Também tu, Pedro Nuno?

O secretário-geral do Partido Socialista (PS), Pedro Nuno Santos, afirmou, esta segunda-feira, que quer incentivar os professores aposentados a darem aulas para responder às necessidades atuais da escola pública.

“Enquanto nós não conseguirmos ter os professores que nós precisamos, nós vamos incentivar que quem já se aposentou possa ainda dar aulas para tentarmos dar resposta às necessidades que a nossa escola tem hoje em matéria de professores”, anunciou o secretário-geral do PS.

Contratar professores já aposentados que queiram voltar a leccionar, para combater a crescente falta de professores: a proposta de Pedro Nuno Santos já tinha sido apresentada pela IL, e convenhamos que não é grande ideia. Os professores que se aposentaram nos últimos anos saíram, quase todos, saturados e cansados de uma profissão que perdeu, ao longo das duas últimas décadas, o estatuto, a dignidade e a autonomia que já teve.

Sobretudo a partir de José Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues, sucessivos governos aumentaram os horários de trabalho e o tempo de permanência na escola, afogaram os professores em burocracia, grande parte dela redundante e estupidificante, cercearam a liberdade científica e pedagógica dos professores em nome de uma mirífica “autonomia da escola” que pouco mais é do que a submissão aos projectos do senhor director, dos pedagogos ministeriais e, mais recentemente, das autarquias locais. Impuseram o facilitismo e o hedonismo como ideais da nova pedagogia, castigando com ainda mais burocracia os professores que tentaram manter padrões de rigor e exigência na leccionação e na avaliação dos alunos. Alongaram a carreira, criando barreiras e entraves à progressão e impuseram à classe uma avaliação do desempenho punitiva e vexatória. Como se tudo isto não bastasse, quiseram fazer dos professores exemplo de uma classe que saía cara aos contribuintes, ganhando muito e trabalhando pouco, e roubaram-lhe mais de nove anos de serviço na progressão das carreiras, dos quais nem um terço recuperaram. Os professores aposentados que agora tentam seduzir passaram por isto tudo, saindo desencantados e desgastados de uma escola com que se deixaram de identificar. Espera-se agora que voltem, sacrificando eventualmente os últimos anos de vida activa e saudável, ao serviço de uma escola que tanto os desprezou?

Não sei ao certo que impacto teve idêntica medida tomada em relação aos médicos. Duvido que esteja a ter a eficácia que alguns apregoam, tendo em conta as carências cada vez mais graves que encontramos no SNS. Mas não tenho dúvidas de que, em relação à Educação, o caminho tem de ser outro. Haverá, números da Fenprof, cerca de 20 mil docentes profissionalizados em idade activa que abandonaram a profissão. E são estes profissionais, não os que já gozam a mais que merecida reforma nem os que carecem de habilitação profissional para a docência, que devem ser a prioridade dos novos recrutamentos. Como é que se atraem esses ex-professores? Naturalmente, tornando mais aliciantes a carreira e as condições de recrutamento e de trabalho nas escolas. Com menos controleirismo, menos eduquês e mais autonomia, responsabilidade e confiança no trabalho dos professores. Com uma carreira valorizada e dignificada, em diálogo com os representantes da classe, e uma profissão mais focada no trabalho com os alunos e na sala de aula, em vez da burocracia insana e da ditadura dos projectos. Simples e eficaz, como vêem, conselhos dados de borla e com toda a boa vontade do mundo. Nem precisam de contratar consultores tipo-OCDE para saberem o que há para fazer!

59 recomendações contra a falta de professores

Em setembro de 2022, realizou-se, por iniciativa de António Guterres, a “Cimeira para a Transformação da Educação”. Uma das principais decisões desta cimeira foi a criação de um Painel de Alto Nível da Nações Unidas sobre a Profissão Docente – a primeira iniciativa a nível mundial para os professores desde a Recomendação de 1966. Agora, este painel de alto nível lança recomendações importantes para acabar com a falta de professores a nível mundial e reforçar a profissão docente.

O painel trabalhou um conjunto de 59 recomendações, apresentadas na África do Sul (26/fev), no âmbito do 14.º Fórum de Diálogo Político sobre a resolução do problema da falta de professores a nível mundial. Incluídas nessas recomendações estão questões como:

  • um reconhecimento claro de que a falta de professores só será revertida se houver vontade política para resolver problemas como salários não competitivos, cargas de trabalho incomportáveis, condições de trabalho inadequadas e práticas laborais precárias;
  • a reafirmação da necessidade de um financiamento adequado e previsível do ensino público;
  • o apelo a uma ação governamental urgente para garantir que os professores e as suas organizações são chamados a participar no diálogo social e na negociação coletiva, e que este quadro de colaboração é o principal meio para desenvolver políticas na área da educação, do ensino e da profissão docente.  

No lançamento destas recomendações, António Guterres instou todos os países, sindicatos de professores e outros parceiros a analisarem as recomendações com cuidado e a encontrarem caminhos para lhes dar vida nos seus países. “Tal como os professores nos apoiam a todos, é tempo de os apoiarmos a eles. Certifiquemo-nos de que têm o apoio, o reconhecimento e os recursos de que precisam para proporcionar uma educação de qualidade para todos”.

Lendo atentamente as recomendações do painel especializado da ONU, percebe-se que o problema da falta de professores, que afecta global e transversalmente a generalidade dos países, não é nem uma inevitabilidade nem uma fatalidade: era mais do que previsível, face ao desinvestimento na escola pública e nos seus profissionais. Mas a situação – eis uma boa notícia! – pode ser revertida, caso se invista seriamente na profissão, tornando a carreira docente mais atractiva e melhorando as condições de trabalho nas escolas.

Na parte do “que fazer?”, o essencial do trabalho está pronto: qualquer governo que siga, com determinação, as recomendações, no geral bastante lúcidas, objectivas e realistas, que a ONU agora apresenta, poderá começar a ver bons resultados a breve trecho. A questão é se há mesmo uma forte vontade política de investir numa escola pública de qualidade, geradora de cidadãos cultos e dotados de espírito crítico, quando as elites políticas e económicas tendem a colocar os seus filhos em escolas privadas e projectos educativos escolhidos a dedo e se sabe que massas incultas são mais facilmente influenciáveis, tanto por políticos populistas, como pelos apelos do consumismo.

Professores-fantasma

Um problema real – e antigo – no arquipélago dos Açores, mas também comum noutras zonas periféricas do país e, cada vez mais, nas grandes áreas metropolitanas: os professores efectivam nas vagas abertas nestas escolas, mas não chegam a ocupar os lugares. E os alunos têm aulas com quem aparece, muitas vezes docentes sem habilitação profissional.

Claro que está tudo justificado, as mobilidades fazem-se ao abrigo dos procedimentos legais, os docentes destacados acabam, melhor ou pior, por ser substituídos. O problema não reside aí, mas em sucessivos regimes de concursos que não dão resposta adequada às necessidades, tanto dos professores deslocados como das escolas que deles precisam. O que só se consegue com uma política de incentivos, que naturalmente custa dinheiro, e garantias de estabilidade profissional a quem aceita reorganizar a sua vida noutra parte do país.

O desfile de Carnaval da Escola Básica e Secundária (EBS) da ilha das Flores, nos Açores, na semana passada, serviu de mote para um protesto de professores e alunos, com o apoio dos pais, contra o regulamento de concursos de docentes em vigor, contestando, principalmente, a extinção da norma que determinava a obrigatoriedade de permanência por três anos na escola de colocação.

Ao Notícias ao Minuto, Rosa Maciel, professora de matemática naquela escola há 28 anos e uma das responsáveis pelo protesto revelou que está nesta “luta” há cerca de sete anos mas que, “nos últimos dois ou três” a situação piorou muito.

Dos cerca de 90 professores em quadro de escola e em quadro de ilha, segundo Rosa Maciel, “48 nunca puseram os pés, para trabalhar, nas Flores” e a maior parte deles está colocada “por afetação” nas ilhas de São Miguel e Terceira.

“O ano passado eram 43 professores fantasmas, este ano são 48”, disse a docente ao Notícias ao Minuto, sublinhando, tal como os participantes no desfile fizeram questão de deixar claro, que nada tem contra os professores que “aproveitam esta oportunidade para se integrar na carreira docente”, mas sim contra a legislação em vigor.

“É natural que, quem se puder melhorar, assim o faça. O problema está na legislação que o permite, aprovada pelos deputados eleitos para terem assento na ALRAA [Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores]. Imagine-se que na saúde se passava o mesmo, que os médicos, os enfermeiros e todos os outros técnicos desta área podiam ocupar vagas de quadro numa unidade de saúde, podendo ficar a trabalhar noutra. Se assim fosse, estariam os utentes do Serviço Regional de Saúde caladinhos?”, realçou a docente.