Reformas em Espanha: telemóveis saem, eduquês fica

Em Espanha, onde o descalabro nos resultados do último PISA foi ainda mais notório do que em Portugal, o Conselho Escolar do Estado, equivalente ao nosso CNE, reuniu com o presidente do Governo e a Ministra da Educação. Resultado, um conjunto de recomendações que em breve serão lei, a aplicar em todas as comunidades autónomas do país vizinho. Lá como cá, mais do que estudar a fundo os problemas, desenvolver conhecimento próprio e espírito crítico, reflectir a diversidade de vivências e perspectivas dos seus elementos, a câmara corporativa da Educação serve acima de tudo para fabricar falsos consensos, caucionando opções políticas que são, no mínimo, altamente discutíveis.

Entre as decisões tomadas, o destaque mediático vai para os telemóveis na escola, onde a palavra de ordem varia entre o restringir e proibir. Proibição total para alunos até ao 6.º ano, uso condicionado apenas nas salas de aula, com objectivos pedagógicos e autorização dos professores, a partir do 7.º Regras mais permissivas, deixadas ao critério da autonomia das escolas, só nos dois anos terminais do secundário, que em Espanha não são ainda obrigatórios.

E pronto: está aqui o engodo para a discussão pública, enquanto de forma mais discreta passam outras medidas que, essas sim, poderão ter maiores impactos nas aprendizagens. Exemplo de medidas positivas serão as aulas de apoio e de reforço curricular, além do desdobramento de turmas numerosas. Mas subsistem dúvidas quanto ao que o Governo estará disposto a gastar nestas medidas, que só poderão ter efeitos significativos se houver um investimento substancial. Mas atrás disto vem a ganga eduquesa, as receitas falhadas de uma agenda educativa que está a levar ao declínio dos sistemas educativos um pouco por toda a Europa, mas em que alguns governos insistem irresponsavelmente…

O Governo quer também conceder um “suplemento económico” para “incentivar” os professores a utilizarem metodologias activas previstas na lei educativa como os projectos, e a terem em conta a perspetiva “sócio-afectiva” da Matemática, para que os alunos reduzam a sua ansiedade em relação à disciplina.

Além disso, a formação dos professores será reforçada: os professores da educação pré-escolar e do ensino básico terão mais conteúdos específicos de matemática e de línguas, e os professores do ensino secundário, que são especialistas, terão mais aulas de didática e pedagogia.

Os professores desconfiam destas medidas porque consideram, por um lado, que estão a ser indiretamente obrigados a aplicar metodologias que “resultaram em insucesso escolar”, segundo o Observatório Crítico com a Realidade Educativa e a Fundação Episteme, pois consideram que “é absurdo submetê-lo à compra de vontades através de prémios monetários equiparáveis ao suborno”.

Por outro lado, os professores vêem “uma contradição” na proposta de formação pedagógica e didática para os professores especialistas do ensino secundário, “que possuem amplos conhecimentos nesta disciplina e que, longe de serem consultados quando se trata de melhorar os resultados dos alunos, devem “reciclar” as suas práticas de ensino com uma maior sobrecarga de formação pedagógica filtrada pelo modelo de competências que o governo defende a todo o custo”.

Pensamento do dia

Em Educação, o anti-intelectualismo nunca é progressista, nem nunca o foi. Democratizar a ignorância não é lutar contra as desigualdades de base, mas sim blindá-las.
A escola pública que não ensina é o sonho húmido de quem se pode permitir aprender fora dela…

Pascual Gil Gutiérrez, daqui.

A festa dos maiatos

Vai realizar-se, entre os dias 6 e 7 de julho, o Encontro Nacional do Projeto MAIA, no Centro de Artes e Espetáculos da Figueira da Foz, contando o mesmo com a presença de Sua Excelência, o Ministro da Educação, de diversos representantes das diferentes estruturas e organismos do Ministério da Educação e de convidados internacionais.

Trata-se de um evento sobre Avaliação Pedagógica, de partilha dos diversos olhares, perspetivas e experiências de diferentes intervenientes de todo o país e conta com os contributos de especialistas de reconhecido mérito internacional, tendo por referência o processo de formação de professores desenvolvido ao longo dos últimos quatro anos.

Na perspetiva de facilitar o acesso ao evento por parte de todos os interessados, o mesmo será transmitido via streaming, na página da DGE: https://dge.mec.pt/videodifusao

Programa do Encontro Nacional do Projeto MAIA.

Maiatos por convicção ou por obrigação, eventualmente vindos de todas as partes do país em busca da experiência das suas vidas, bebendo as palavras sábias dos “especialistas de mérito internacional”, assistindo ao auto-elogio desbragado dos responsáveis e ao desenrolar de “boas práticas” que infernizam a vida dos professores nas escolas maiatas. No final, em apoteose magnificente, Sua Excelência [sic] dará um ar de sua graça, abrilhantando o encerramento da festa.

Já quem não se comove com estas beatitudes pedagógicas, continuará a debater-se com o argumento da autoridade e da prepotência. E com perguntas que continuarão sem resposta:

  • Se para os louvaminheiros há sempre lugar, onde está o espaço para o contraditório sério, numa ciência imperfeita como é a pedagogia, onde serão sempre mais as dúvidas do que as certezas?
  • Quem esperam ainda convencer com o discurso hipócrita da “adesão voluntária” quando, na generalidade dos casos, quem decide a participação colectiva são os directores e a sua entourage?
  • Porque se persiste na imposição de soluções falhadas, na avaliação e no resto, em vez de se ouvir e valorizar o conhecimento e a experiência dos profissionais no terreno?…

Onde está a felicidade?

A pergunta, já a fazia o grande Camilo, quando assim intitulou o seu primeiro grande romance. A bem dizer, a procura da felicidade tem sido, desde sempre, um dos grandes desígnios da humanidade. Gostamos das pessoas, dos ambientes, das situações que nos dispõem bem e nos fazem felizes; evitamos o que nos causa stress, insatisfação, tristeza.

O que é duvidoso é que um estado de felicidade perpétua ou permanente possa existir na vida de todos nós: o que temos, ou tentamos ter ao longo da nossa vida, são momentos de felicidade. Mas terá mesmo de ser assim?…

Ali para os lados de Alcanena, uma das directoras favoritas do ministro João Costa parece ter descoberto a fórmula da felicidade, que diligentemente aplica aos seus alunos. Não revela o segredo, que os eduqueses não gostam de ver os seus créditos por mãos alheias, mas a reportagem lá vai desvendando alguns ingredientes: um termómetro da felicidade, o que quer que isso seja, alimentado por sensores, cubos mágicos, neurociências, caridadezinha. Misture-se tudo e apimente-se a mixórdia, como não poderia deixar de ser nos tempos que correm, com uma pitada de inteligência artificial.

Enfim, homeopatia educativa, servida a contento em visita ministerial, com a doutora Cohen como mestre de cerimónias. Saia então a foto da praxe e digam lá se não estão os dois bem um para o outro…

Todos os dias cada aluno da Escola Básica Integrada Dr Anastácio Gonçalves, em Alcanena, passa pelo termómetro da felicidade ao entrar na sala de aula. Num processo de autorregulação avalia os seus pensamentos, sentimentos e comportamentos, e define as emoções que está a sentir. Lá fora, no pátio, a cada segunda-feira, uma turma faz o lançamento do cubo para descobrir que actividade vai trabalhar ao longo dessa semana como, por exemplo, perguntar aos colegas como se sentem ou levarem roupas para serem distribuídas por crianças carenciadas. Estas são algumas das actividades que integram o projecto pioneiro Escola Feliz que na tarde de sexta-feira, 28 de Abril, foi apresentado ao ministro da Educação, João Costa.

O MAIA vai ao Parlamento

Em vez de se recusarem em massa a produzir as grelhas maiatas, com a mesma vontade e energia que dedicam, e muito bem, aos protestos fora das escolas, os professores preferem confiar nos deputados da Nação para erradicar das escolas uma das maiores aberrações pedagógicas que algum ministério já produziu.

Claro que uma discussão parlamentar pode sempre ser clarificadora, colando o partido que suporta o Governo às más políticas que este leva a cabo, contra o parecer de quem as executa. E não deixa de ser interessante confrontar a retórica da “autonomia das escolas” com a posição de milhares de professores que, por imposição dos respectivos directores, estão a ser forçados a aplicar um projecto em que não acreditam e que, nas suas versões mais malignas, consegue ser um verdadeiro atentado à saúde mental dos professores, sobretudo dos que têm muitos alunos e poucos tempos lectivos semanais. E que, se aplicassem à risca todos os preceitos da avaliação maiata, praticamente deixariam de ter tempo para ensinar o que quer que fosse…

Com cerca de 8400 assinaturas, recolhidas em quatro dias, há mais uma petição lançada por professores que já ganhou direito a ser apreciada em plenário da Assembleia da República. O alvo é agora o chamado projecto MAIA – Monitorização, Acompanhamento e Investigação em Avaliação Pedagógica, que começou a ser aplicado nas escolas em 2019.

Segundo a descrição apresentada pelo Ministério da Educação (ME), este “projecto constitui-se como um esforço concertado a nível nacional” com o objectivo de criar “condições para que a avaliação pedagógica seja integrada nos processos de desenvolvimento curricular e, desse modo, se articule com o ensino e com aprendizagem”.

Mas de acordo com a professora de Matemática do 3.º ciclo e ensino secundário que lançou a petição, Dália Aparício, o projecto MAIA “reduz a educação e avaliação a um processo burocrático”. “O excesso de trabalho que este projecto trouxe à escola leva os professores a perderem a autonomia científica e pedagógica, e traduz-se em menos tempo disponível para os alunos e para a preparação das aulas”, especifica nas razões apontadas para solicitar o fim desta experiência e que, no essencial, se repetem, com mais ou menos pormenores, nas 34 páginas de comentários que, ao princípio da noite desta segunda-feira, acompanhavam a petição.

O esquema que faltava

Representação simples da relação entre Perfil do Aluno, aprendizagens essenciais, descritores, competências específicas e critérios de avaliação. Só falta relacioná-los, creio, com os conhecimentos básicos e as situações de aprendizagem.

Finalmente um esquema claro e simples que nos permite por fim compreender o que raio é a educação do século XXI!…

Ser traduzido do espanhol, daqui, apenas demonstra que os nossos medíocres pedagogos do regime não inventaram nada: tal como é evidente no paleio eduquês de nuestros hermanos, também eles fazem copy/paste da agenda educativa que está a ser imposta à escala global.

Um director que deixa a sua marca

Que marca deixou no Agrupamento de Escolas de Colmeias, onde esteve quase 30 anos?
Talvez seja a de ter procurado construir uma escola diferente, que fosse integradora e inovadora, inclusiva e transformadora, assente numa questão que é essencial: nada em educação se faz sozinho. Todo esse processo de construção ao longo dos anos teve o envolvimento das pessoas, numa proximidade e afecto. A escola é sempre um lugar de desafios e de compromissos e procurei desafios, mobilizando e motivando o empenhamento e o desempenho das pessoas. O principal desafio na construção de qualquer escola, e desta em particular, é procurar a melhor forma de aprender: colocar o aluno no centro das aprendizagens. E, sobretudo, colocar as aprendizagens no centro da vida da escola. Procurámos que o sucesso dos alunos fosse pelo seu potencial, pela sua singularidade e pelos seus talentos, nunca orientado para resultados e muito menos por comparação com os outros. Outro grande desafio foi a ousadia. Na educaç ão é importante ser pluralista na linha de pensamento e da acção, mas é muito importante conseguirmos caminhar fora da caixa, sempre de uma forma sustentada e reflectida, procurando encontrar o que é mais essencial. Não podemos ser muito seguidistas. Claro que cumprimos com aquilo que são as orientações superiores e os quadros legislativos. Mas há sempre margens, quer da autonomia quer da dita ousadia, para fazermos prospectivamente algo diferente. A escola só faz sentido se acrescentar valor. Neste caso concreto, foi acrescentar valor na dimensão pedagógica e organizacional, de forma a que pudéssemos ter melhor desenvolvimento integral dos alunos, ajustando o sucesso às suas características, mas também garantindo a satisfação dos agentes educativos. Ao longo dos anos procurei atribuir poder aos outros, dando espaço para que pudessem ser, agir, dar asas à sua arte, empenharem-se com os alunos e nunca desistirem deles. É essencial reconhecer o seu trabalho, competência e empenho, dando- lhe espaço para crescer profissionalmente e sentirem-se parte do projecto. Também tivemos sempre uma preocupação com a equidade, procurando ser uma escola inclusiva. Nunca recusámos um aluno. A escola começou agora a perceber que tinha de sair para fora dos muros e nós já percebemos isso há muito tempo através do relacionamento com vários parceiros.

Quando um director opta pelo auto-elogio indecoroso na hora de fazer o balanço de quase trinta anos de “reinado”, o que faz sentido é, em vez de nos deixarmos enredar nos lugares-comuns do eduquês delicodoce, clarificar a realidade que se tenta encobrir.

Desde logo, surge a perplexidade perante directores que tentam passar por modernos, disruptivos, “fora da caixa”, quando na realidade o que fazem é seguir de forma acéfala e acrítica todas as modas educativas e reptos da tutela ministerial. Estão disponíveis para tudo o que apareça, mesmo o que surge apenas para infernizar os professores, sem ganhos significativos, por vezes com perdas reais, para os alunos.

Depois, torna-se pertinente confrontar a excelência destes projectos educativos com os resultados concretos dos alunos, aferidos pelas provas nacionais. Recorrendo ao site oficial, Infoescolas, facilmente se percebe tanto a trajectória descendente da escola nas provas finais do 9.º ano desde que abraçaram de alma e coração as políticas do costismo educativo, como, nas provas de aferição do 8.º, um desempenho médio dos alunos quase sempre inferior ao registado nas escolas com uma população escolar de perfil semelhante.

Os números, vistos com olhos de ver, não mentem. Consultem-se também as páginas relativas ao 1.º CEB e ao 2.º CEB e constate-se o quanto os resultados do agrupamento do director Elias, que nem sequer pertence ao grupo dos de contexto social mais desfavorecido, deixam a desejar.

Lamentavelmente, a ausência de dados a partir de 2020, não nos permite ter a noção real do descalabro. É a pandemia, que impôs a supressão quase total da avaliação externa dos alunos, a ajudar a esconder o embuste em que se tem vindo a tornar, com a cumplicidade e a conivência de demasiada gente, a pedagogia, feita de facilitismos, feiras de vaidades e palavras ocas, do ministro João Costa.

Pensamento do dia

Uma escola erigida na base da ditadura do projecto nunca será uma escola verdadeiramente universal, democrática e tolerante.

O pensamento único em matéria educativa, que alguns gurus da Educação nos continuam a propor, tem subjacente, apesar das vestes participativas e igualitárias, um fundo de totalitarismo, intolerância, por vezes mesmo irracionalidade, que se casa muito mal com as sociedades abertas, plurais e democráticas em que queremos continuar a viver.

Talvez por isso estes projectos de uma escola outra, que já se produzem em pequena escala há mais de cem anos, soçobram miseravelmente sempre que se tenta a sua generalização mais alargada.

É certamente mais fácil reinventar o colégio de elite do que a escola pública livre, democrática, universal e emancipadora.

A escola actual segundo Luís Costa

Graças aos delírios neo-eduqueses de João Costa e seus sequazes, a escola pública vai-se parecendo cada vez mais, pelo menos em certos contextos, com uma câmara de horrores. É pelo menos assim que interpreto o boneco que Luís Costa partilhou no Facebook. Talentoso e inspirado na escrita, mas também nas artes gráficas da fotomontagem…

Aula integral – a última loucura

Estarão no seu perfeito juízo as alminhas pensadoras que engendraram este documento?

Muito se poderia dizer sobre este “Plano de Melhoria”, mas a verdade é que não vale a pena o esforço: basta notar que os propósitos enunciados em metade do documento contrariam os princípios invocados na outra metade. Mas para perceberem isso os seus autores teriam de exercitar os neurónios, em vez de despejarem os chavões do agrado dos comissários políticos que pastoreiam as escolas.

Gostaria de poder identificar a escola onde esta coisa foi produzida, mas os colegas que a vão partilhando nas redes sociais mantêm a origem em prudente anonimato. O que poderá ser, ainda assim, um sinal de esperança: a falta de assinatura pode significar que quem escreve estas coisas tem vergonha do que anda a fazer…