Onde está a felicidade?

A pergunta, já a fazia o grande Camilo, quando assim intitulou o seu primeiro grande romance. A bem dizer, a procura da felicidade tem sido, desde sempre, um dos grandes desígnios da humanidade. Gostamos das pessoas, dos ambientes, das situações que nos dispõem bem e nos fazem felizes; evitamos o que nos causa stress, insatisfação, tristeza.

O que é duvidoso é que um estado de felicidade perpétua ou permanente possa existir na vida de todos nós: o que temos, ou tentamos ter ao longo da nossa vida, são momentos de felicidade. Mas terá mesmo de ser assim?…

Ali para os lados de Alcanena, uma das directoras favoritas do ministro João Costa parece ter descoberto a fórmula da felicidade, que diligentemente aplica aos seus alunos. Não revela o segredo, que os eduqueses não gostam de ver os seus créditos por mãos alheias, mas a reportagem lá vai desvendando alguns ingredientes: um termómetro da felicidade, o que quer que isso seja, alimentado por sensores, cubos mágicos, neurociências, caridadezinha. Misture-se tudo e apimente-se a mixórdia, como não poderia deixar de ser nos tempos que correm, com uma pitada de inteligência artificial.

Enfim, homeopatia educativa, servida a contento em visita ministerial, com a doutora Cohen como mestre de cerimónias. Saia então a foto da praxe e digam lá se não estão os dois bem um para o outro…

Todos os dias cada aluno da Escola Básica Integrada Dr Anastácio Gonçalves, em Alcanena, passa pelo termómetro da felicidade ao entrar na sala de aula. Num processo de autorregulação avalia os seus pensamentos, sentimentos e comportamentos, e define as emoções que está a sentir. Lá fora, no pátio, a cada segunda-feira, uma turma faz o lançamento do cubo para descobrir que actividade vai trabalhar ao longo dessa semana como, por exemplo, perguntar aos colegas como se sentem ou levarem roupas para serem distribuídas por crianças carenciadas. Estas são algumas das actividades que integram o projecto pioneiro Escola Feliz que na tarde de sexta-feira, 28 de Abril, foi apresentado ao ministro da Educação, João Costa.

O MAIA vai ao Parlamento

Em vez de se recusarem em massa a produzir as grelhas maiatas, com a mesma vontade e energia que dedicam, e muito bem, aos protestos fora das escolas, os professores preferem confiar nos deputados da Nação para erradicar das escolas uma das maiores aberrações pedagógicas que algum ministério já produziu.

Claro que uma discussão parlamentar pode sempre ser clarificadora, colando o partido que suporta o Governo às más políticas que este leva a cabo, contra o parecer de quem as executa. E não deixa de ser interessante confrontar a retórica da “autonomia das escolas” com a posição de milhares de professores que, por imposição dos respectivos directores, estão a ser forçados a aplicar um projecto em que não acreditam e que, nas suas versões mais malignas, consegue ser um verdadeiro atentado à saúde mental dos professores, sobretudo dos que têm muitos alunos e poucos tempos lectivos semanais. E que, se aplicassem à risca todos os preceitos da avaliação maiata, praticamente deixariam de ter tempo para ensinar o que quer que fosse…

Com cerca de 8400 assinaturas, recolhidas em quatro dias, há mais uma petição lançada por professores que já ganhou direito a ser apreciada em plenário da Assembleia da República. O alvo é agora o chamado projecto MAIA – Monitorização, Acompanhamento e Investigação em Avaliação Pedagógica, que começou a ser aplicado nas escolas em 2019.

Segundo a descrição apresentada pelo Ministério da Educação (ME), este “projecto constitui-se como um esforço concertado a nível nacional” com o objectivo de criar “condições para que a avaliação pedagógica seja integrada nos processos de desenvolvimento curricular e, desse modo, se articule com o ensino e com aprendizagem”.

Mas de acordo com a professora de Matemática do 3.º ciclo e ensino secundário que lançou a petição, Dália Aparício, o projecto MAIA “reduz a educação e avaliação a um processo burocrático”. “O excesso de trabalho que este projecto trouxe à escola leva os professores a perderem a autonomia científica e pedagógica, e traduz-se em menos tempo disponível para os alunos e para a preparação das aulas”, especifica nas razões apontadas para solicitar o fim desta experiência e que, no essencial, se repetem, com mais ou menos pormenores, nas 34 páginas de comentários que, ao princípio da noite desta segunda-feira, acompanhavam a petição.

O esquema que faltava

Representação simples da relação entre Perfil do Aluno, aprendizagens essenciais, descritores, competências específicas e critérios de avaliação. Só falta relacioná-los, creio, com os conhecimentos básicos e as situações de aprendizagem.

Finalmente um esquema claro e simples que nos permite por fim compreender o que raio é a educação do século XXI!…

Ser traduzido do espanhol, daqui, apenas demonstra que os nossos medíocres pedagogos do regime não inventaram nada: tal como é evidente no paleio eduquês de nuestros hermanos, também eles fazem copy/paste da agenda educativa que está a ser imposta à escala global.

Um director que deixa a sua marca

Que marca deixou no Agrupamento de Escolas de Colmeias, onde esteve quase 30 anos?
Talvez seja a de ter procurado construir uma escola diferente, que fosse integradora e inovadora, inclusiva e transformadora, assente numa questão que é essencial: nada em educação se faz sozinho. Todo esse processo de construção ao longo dos anos teve o envolvimento das pessoas, numa proximidade e afecto. A escola é sempre um lugar de desafios e de compromissos e procurei desafios, mobilizando e motivando o empenhamento e o desempenho das pessoas. O principal desafio na construção de qualquer escola, e desta em particular, é procurar a melhor forma de aprender: colocar o aluno no centro das aprendizagens. E, sobretudo, colocar as aprendizagens no centro da vida da escola. Procurámos que o sucesso dos alunos fosse pelo seu potencial, pela sua singularidade e pelos seus talentos, nunca orientado para resultados e muito menos por comparação com os outros. Outro grande desafio foi a ousadia. Na educaç ão é importante ser pluralista na linha de pensamento e da acção, mas é muito importante conseguirmos caminhar fora da caixa, sempre de uma forma sustentada e reflectida, procurando encontrar o que é mais essencial. Não podemos ser muito seguidistas. Claro que cumprimos com aquilo que são as orientações superiores e os quadros legislativos. Mas há sempre margens, quer da autonomia quer da dita ousadia, para fazermos prospectivamente algo diferente. A escola só faz sentido se acrescentar valor. Neste caso concreto, foi acrescentar valor na dimensão pedagógica e organizacional, de forma a que pudéssemos ter melhor desenvolvimento integral dos alunos, ajustando o sucesso às suas características, mas também garantindo a satisfação dos agentes educativos. Ao longo dos anos procurei atribuir poder aos outros, dando espaço para que pudessem ser, agir, dar asas à sua arte, empenharem-se com os alunos e nunca desistirem deles. É essencial reconhecer o seu trabalho, competência e empenho, dando- lhe espaço para crescer profissionalmente e sentirem-se parte do projecto. Também tivemos sempre uma preocupação com a equidade, procurando ser uma escola inclusiva. Nunca recusámos um aluno. A escola começou agora a perceber que tinha de sair para fora dos muros e nós já percebemos isso há muito tempo através do relacionamento com vários parceiros.

Quando um director opta pelo auto-elogio indecoroso na hora de fazer o balanço de quase trinta anos de “reinado”, o que faz sentido é, em vez de nos deixarmos enredar nos lugares-comuns do eduquês delicodoce, clarificar a realidade que se tenta encobrir.

Desde logo, surge a perplexidade perante directores que tentam passar por modernos, disruptivos, “fora da caixa”, quando na realidade o que fazem é seguir de forma acéfala e acrítica todas as modas educativas e reptos da tutela ministerial. Estão disponíveis para tudo o que apareça, mesmo o que surge apenas para infernizar os professores, sem ganhos significativos, por vezes com perdas reais, para os alunos.

Depois, torna-se pertinente confrontar a excelência destes projectos educativos com os resultados concretos dos alunos, aferidos pelas provas nacionais. Recorrendo ao site oficial, Infoescolas, facilmente se percebe tanto a trajectória descendente da escola nas provas finais do 9.º ano desde que abraçaram de alma e coração as políticas do costismo educativo, como, nas provas de aferição do 8.º, um desempenho médio dos alunos quase sempre inferior ao registado nas escolas com uma população escolar de perfil semelhante.

Os números, vistos com olhos de ver, não mentem. Consultem-se também as páginas relativas ao 1.º CEB e ao 2.º CEB e constate-se o quanto os resultados do agrupamento do director Elias, que nem sequer pertence ao grupo dos de contexto social mais desfavorecido, deixam a desejar.

Lamentavelmente, a ausência de dados a partir de 2020, não nos permite ter a noção real do descalabro. É a pandemia, que impôs a supressão quase total da avaliação externa dos alunos, a ajudar a esconder o embuste em que se tem vindo a tornar, com a cumplicidade e a conivência de demasiada gente, a pedagogia, feita de facilitismos, feiras de vaidades e palavras ocas, do ministro João Costa.

Pensamento do dia

Uma escola erigida na base da ditadura do projecto nunca será uma escola verdadeiramente universal, democrática e tolerante.

O pensamento único em matéria educativa, que alguns gurus da Educação nos continuam a propor, tem subjacente, apesar das vestes participativas e igualitárias, um fundo de totalitarismo, intolerância, por vezes mesmo irracionalidade, que se casa muito mal com as sociedades abertas, plurais e democráticas em que queremos continuar a viver.

Talvez por isso estes projectos de uma escola outra, que já se produzem em pequena escala há mais de cem anos, soçobram miseravelmente sempre que se tenta a sua generalização mais alargada.

É certamente mais fácil reinventar o colégio de elite do que a escola pública livre, democrática, universal e emancipadora.

A escola actual segundo Luís Costa

Graças aos delírios neo-eduqueses de João Costa e seus sequazes, a escola pública vai-se parecendo cada vez mais, pelo menos em certos contextos, com uma câmara de horrores. É pelo menos assim que interpreto o boneco que Luís Costa partilhou no Facebook. Talentoso e inspirado na escrita, mas também nas artes gráficas da fotomontagem…

Aula integral – a última loucura

Estarão no seu perfeito juízo as alminhas pensadoras que engendraram este documento?

Muito se poderia dizer sobre este “Plano de Melhoria”, mas a verdade é que não vale a pena o esforço: basta notar que os propósitos enunciados em metade do documento contrariam os princípios invocados na outra metade. Mas para perceberem isso os seus autores teriam de exercitar os neurónios, em vez de despejarem os chavões do agrado dos comissários políticos que pastoreiam as escolas.

Gostaria de poder identificar a escola onde esta coisa foi produzida, mas os colegas que a vão partilhando nas redes sociais mantêm a origem em prudente anonimato. O que poderá ser, ainda assim, um sinal de esperança: a falta de assinatura pode significar que quem escreve estas coisas tem vergonha do que anda a fazer…

Disse-me um passarinho…

Disse-me um passarinho que – nem tudo podem ser más notícias! – o projecto MAIA iniciou já o lento mas irreversível declínio que levará ao seu falecimento. Dito por outras palavras, serão mais as escolas a abandonar o projecto do que as novas adesões. Será?… Espero bem que sim!

Em boa verdade, quem experimenta, rapidamente se exaspera com o aumento exponencial da burocracia eduquesa inerente à avaliação maiata, com a complexidade de processos, uns inúteis, outros inexequíveis, que aumentam a carga de trabalhos dos professores sem qualquer ganho para os alunos e roubando o precioso tempo que deveria ser dedicado à preparação das aulas, ao efectivo acompanhamento dos alunos e, não menos importante do que tudo isto, ao descanso e à preservação da saúde mental de quem ainda não desistiu de ser professor.

Fazer avaliação contínua, diversificar instrumentos de avaliação, valorizar a oralidade e o trabalho na sala de aula, ter em conta os diversos domínios da aprendizagem que se faz na especificidade de cada disciplina: isto foi o que todos aprendemos quando nos profissionalizámos como docentes e é o que se faz em todas as escolas, sem necessidade da abelha MAIA. Com as conhecidas limitações impostas pelo tamanho das turmas, a carga horária das disciplinas e o número de turmas e alunos atribuídos a cada professor. Aqui sim, onde seria importante mexer, claro que não se mexe…

Pelo meio, há já quem tente salvar a face do mentor desta treta descomunal, entretanto promovido a presidente do CNE, recorrendo ao conhecido argumento de que não era nada disto que o prof. Fernandes pretendia, que quem implementou o projecto é que andou a complicar. Discordo, e a minha atribuição de culpas e responsabilidades é geral e democrática: acuso os pedagogos que continuam a teorizar no vazio e a papaguear a fraca ciência que aprenderam há três ou quatro décadas, sem perceber que a escola e a sociedade evoluíram, nem tentar compreender as condições reais em que hoje se trabalha nas escolas; os decisores ministeriais que continuam a desprezar os professores e a fazer tábua rasa da sua experiência e cultura profissional, os directores que continuam a preocupar-se mais em ficar bem vistos pela tutela do que em proporcionar as melhores condições de ensino e aprendizagem aos professores e alunos das suas escolas e os professores que acolhem de braços abertos – e impõem aos colegas – toda e qualquer moda educativa, por mais inútil e insensata que demonstre ser – e no caso do MAIA isso topa-se à légua!…

Escola à João Costa

Eis o prato do dia servido diariamente numa escola pública perto de si. Menu aclamado internacionalmente, ainda que indigesto para estômagos mais sensíveis.

Transcrevo, com a devida vénia, a receita que tem vindo a ser aplicada com sucesso, desde o tempo de Brandão Rodrigues à frente do tasco educativo, mas já com João Costa como incontestado chef dos cozinhados curriculares.

Ingredientes:

1 bengala;

1000 litros de mel (abelha MAIA);

500 gramas de Aprendizagens Essenciais;

30 dúzias de 54;

Uma pitada de professores (opcional);

1 mesa digitalizadora;

Coronas a gosto;

E@D e PADDE qb.

Preparação:

1) Parta as 30 dúzias de 54 e separe as Medidas Universais das Seletivas. De seguida, bata as Universais em castelo de modo a ficarem bem firmes. Reserve as Seletivas numa taça e leve ao frigorífico.

2) Numa sala de aula, adicione um professor a seu gosto, 50 gramas de Aprendizagens Essenciais, meia tonelada de domínios e 100 kg de mel abelha MAIA. Misture tudo muito bem e polvilhe com E@D e PADDE a gosto.

3) Repita o passo anterior por todas as salas de aula da escola até se esgotarem os ingredientes. Se faltar algum professor, não desespere, o resultado final será o mesmo.

4) Depois de preenchidas todas as salas de aula, despeje tudo na escola e misture muito bem. Poderá usar um “fouet” ou, se quiser um resultado mais rápido, uma batedeira elétrica.Quando estiver tudo muito bem misturado, junte as Universais em castelo e mexa bem até ficar cremoso.

5) Coloque a mistura nos licenciados não-educação e leve ao Ministério da Educação, a 220 graus, durante um ano.

6) Retire do Ministério da Educação os licenciados com a Escola à João Costa já cozida e coloque em cima da mesa digitalizadora. Decore com Coronas a gosto.

7) Por fim, dê três traulitadas com a bengala em cima da iguaria e faça de conta que nunca a viu.

Bon apetit! 👌👨‍🍳

© Ó Pressôre

Pensamento do dia

Alguém observou, há muitos anos, que a Teologia foi inventada para que os religiosos que deixam de ter Fé pudessem continuar ligados à Igreja. Já não como crentes, mas como uma espécie de cientistas da religião.

Também no mundo dos eduqueses é bem acolhido, como “cientista”, o professor que se fartou de dar aulas, não gosta de alunos nem do ambiente escolar, mas não quer ir tratar de vida para outro lado.