A política da mentira

Há quem pense que mentir faz parte da arte da política, e se um mentiroso descarado dificilmente será bem sucedido no jogo político democrático, já a mentira mais subtil, a das meias-verdades, das insinuações e das omissões, essa tem tido um carreira de sucesso entre nós. E, a avaliar pela recente maioria absoluta conquistada por um partido que se esmera em fazer o contrário do que anuncia, um provável futuro radioso à sua frente.

No campo da Educação, é notória a contradição entre os anúncios de defesa e compromisso com a escola pública por parte de responsáveis políticos e as políticas concretas que promovem, levando à degradação a todos os níveis da qualidade das aprendizagens e da situação profissional dos que nela trabalham. A hipocrisia atinge o cúmulo quando a principal mentora da política de domesticação e proletarização dos professores e de promoção do facilitismo na “escola a tempo inteiro” vem agora chorar lágrimas de crocodilo sobre os problemas da classe docente e da escola pública. Como muito bem explica, no DN, António Carlos Cortez.

Muitos responsáveis políticos esquecem que a governação da res publica implica o rigor e o realismo na avaliação dos problemas e a verdade quanto ao relato dos factos. De há muito a sensação que temos é a de que se navega à vista nos mares encapelados da Educação. De Maria de Lurdes Rodrigues a João Costa, de Manuela Ferreira Leite a Tiago Brandão Rodrigues, a pasta ministerial tem constituído um verdadeiro caso de esquecimento de inúmeras medidas pelos quais são responsáveis todos os ministros e as suas respetivas equipas. Mas foi entre 2005 e 2009, no consulado de Maria de Lurdes Rodrigues, que se feriu de morte a profissão docente. (…)

Os factos: foi a antiga ministra quem criou o cargo de Diretor nas escolas; essa medida que resultou no servilismo de muitos que seguem as diretrizes emanadas do Ministério da Educação, aparelho da ideologia oca. Pergunto: com que verdadeira imparcialidade e rigor se quis criar este cargo? Não se criou um ambiente policial nas escolas? Que falem os professores!! Que digam de sua justiça! Que ponham a nu as perseguições de que são e foram alvo! Pergunto: as escolas, antes de haver o cargo de diretor, funcionavam mal? Foi no consulado de Maria de Lurdes Rodrigues que se criou o modelo de avaliação docente baseado no sucesso obtido pelos estudantes. Tal medida gerou um facilitismo soez que devia ser repudiado por todos, inflacionando-se as classificações com vista à subida de escalão e boa classificação de desempenho. A mentira como moeda de troca na relação pedagógica e na relação entre pares, eis a política de MLR. Assim, é bom professor quem banaliza os Excelentes, os 17, os 18, ou mesmo os 19 e 20 valores. Com Exames Nacionais que visam comprovar o sucesso das avaliações, baixou-se o nível de dificuldade e exigência das matérias a lecionar. Resultado final: todos contentes e os pais também. Depois desta escolaridade obrigatória e das licenciaturas à bolonhesa, temos de perguntar: que país será o nosso? Que conhecimentos têm futuros quadros superiores?

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É ou não é? – o debate

Três contra um configuram um confronto desigual, embora as intervenções à distância, quer dos sindicalistas, quer dos “professores no terreno”, tenham equilibrado um pouco a contenda.

Na senda de uma outra excelente prestação televisiva que comentei há poucos dias, Ricardo Silva mostrou-se eloquente e bem preparado para o debate, aproveitando o tempo de que dispôs para referir quase todos os principais problemas que motivam os professores para a luta, desde a recuperação do tempo de serviço a temas fundamentais que têm permanecido em segundo plano, como a indisciplina ou o excesso de burocracia nas escolas.

As presenças da dirigente da CONFAP, Mariana Carvalho, e da economista da Educação, Ana Balcão Reis, pouco mais foram do que verbos de encher, compondo o ramalhete e debitando generalidades sobre os temas em discussão. Já a eminência parda do situacionismo educativo, Domingos «MAIA» Fernandes, fugiu sempre a assumir o papel de defensor oficioso da política governamental, apesar de ter sido, e continuar a ser, um dos seus principais mentores ideológicos.

O actual presidente do CNE navegou quase sempre no discurso auto-congratulatório dos sucessos educativos, que acabou por resumir a um quadro legislativo avançado e de referência a nível internacional, tendo destacado até essa assombrosa vacuidade, esse naco de prosa neo-eduquesa a que chamam o perfil dos alunos ou, em linguagem de iniciados, o PASEO. O resto foi a mistificação habitual: apontar as redução das taxas de retenção e de abandono como indicadores de sucesso educativo, esquecendo-se o efeito corrosivo do facilitismo que tem entrado em força num sistema educativo sedento de sucesso estatístico obtido a todo o custo e a qualquer preço.

Domingos Fernandes deu de si mesmo a imagem que cada vez mais professores vão tendo dele: um teórico desfasado da realidade, que confia mais no que uma qualquer “investigadora finlandesa” lhe diz acerca do sistema educativo português do que no saber de experiência feito dos professores no terreno. Um académico que debita a mesma cartilha acerca da “avaliação pedagógica” que lhe ouvimos desde as profissionalizações dos anos 90. Um orador diletante, que discorre sobre os temas na base de impressões pessoais e ideias feitas, sem objectividade nem rigor nem nas análises nem nas soluções.

Temos um sistema educativo que abandonou há muito a “cauda da Europa” a que o salazarismo o havia condenado. Mas quando tentamos perceber as dificuldades evidentes em dar o salto qualitativo para o patamar da excelência, a mediocridade dos pedagogos do regime e o seu desprezo pelas escolas e professores “inferiores” surge como resposta óbvia. Indagar as razões levam os decisores políticos do ME a rodear-se deste tipo de gente ajuda a entender o resto.

Imerso nas problemáticas da “avaliação formativa”, Domingos Fernandes não tem, evidentemente, soluções para os problemas reais dos professores e das escolas do século XXI. Quando pressionado nesse sentido, apenas foi capaz de defender, a finalizar o debate, a única coisa que dele se esperaria: mais formação para os professores!

Ainda mais?!…

Para ver ou rever É Ou Não É? – O Grande Debate
PARTE 1 PARTE 2

A sina dos professores

© JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Vimo-lo com José Sócrates, com António Costa volta a acontecer.

Os professores tornam-se vítimas do rolo compressor das maiorias absolutas socialistas, animadas pela política de cortes estruturais na despesa e degradação das condições de trabalho no sector público, em particular no ministério que emprega directamente mais trabalhadores, o da Educação.

A reacção, despoletada por algo que funciona como gota de água que faz transbordar o copo da indignação, surgiu há quinze anos com a ADD e os titulares; em 2023, é o novo regime de concursos, que pretende acabar com o professor com a casa às costas para o colocar, de mochila às costas, a vender aulas de escola em escola.

No meio disto tudo, onde está a oposição política, nomeadamente o que pensa, que compromissos assume, o principal partido da oposição, aquele que se apresenta como alternativa de poder no dia em que os portugueses se cansarem definitivamente dos escândalos, da incompetência e dos desvarios do partido que se diz socialista?

Não hostilizando acintosamente os professores como faz o PS, não é menos vergonhosa a atitude do PSD. Mais exame ou menos exame, provas de aferição mais assim ou mais assado, o PSD alinha no mesmo pântano de consensos que o centrão político desenhou para a Educação portuguesa. Aqui não há lugar para a dignificação, muito menos para a valorização material da carreira e das condições de trabalho dos professores.

A verdade é que, no poder, o essencial da política educativa do PSD não difere substancialmente do que faz o PS. Na oposição, não querem associar-se ao enfrentamento dos professores promovido pelo Governo; mas também não se mostram disponíveis para apoiar de forma clara a luta dos professores.

Numa atitude que já não é inédita, tentam parasitar as greves e manifestações dos professores pelo desgaste que elas provocam no Governo, mas nada contribuem para o seu sucesso. A posição “negociadora” e “responsável” da FNE, cuja direcção é dominada por docentes afectos ao PSD, é disso um sinal evidente.

O resultado é o que alguns comentadores mais lúcidos têm apontado: os professores lideram presentemente a oposição ao Governo, enquanto os anões políticos do PSD esperam que o poder lhes caia, de maduro, no regaço…

A oposição ao Governo está nas manifestações diárias dos professores

O fim de semana arrancou com uma amostra do que seriam os dias seguintes: professores numa manifestação em Lisboa com, garantiu o sindicato S.T.O.P., mais de 100 mil pessoas. O que não foi confirmado pela PSP, que se ficou pelos 20 mil participantes. A verdade é que, números à parte, o setor da educação tem sido um dos mais ativos nas últimas semanas na contestação às políticas do governo. A tal ponto que, neste mesmo dia, o primeiro-ministro, António Costa, na “pele” de secretário-geral do PS, garantiu na reunião da Comissão Política do partido que é uma prioridade concluir as negociações sobre o modelo de vinculação, a recuperação do tempo de serviço congelado e o combate à precariedade dos professores. Certo é que, entre promessas e contestações, a vida do ministro da Educação, João Costa, não está nada fácil.

Aula magistral

Clareza, assertividade, autenticidade: as razões da luta dos professores explicadas a quem não sabe e aos sabem, mas andam a fazer-se de totós.

Exemplar o nosso colega Ricardo Silva a desmontar a desinformação e as manhas de um governo que continua a ignorar e a adiar a resolução dos problemas, confiando no discurso untuoso, feito de falsas promessas e conversa de treta, para enganar os professores, as comunidades educativas e a opinião pública.

Numa exposição toda ela verdadeiramente magistral, onde nem as miseráveis condições de carreira e salários dos assistentes operacionais ou o facilitismo nos currículos e nas avaliações foram esquecidos, apreciei especialmente o apelo, olhos nos olhos, aos pais: a nossa luta também é a vossa. Juntem-se à luta dos professores!

Marcharemos pela escola pública!

De expressão de protesto e revolta dos professores, a manifestação marcada pelo STOP para o próximo sábado transforma-se em grande marcha de defesa da escola pública, granjeando apoios cada vez mais alargados na sociedade civil.

Eis uma resposta à altura ao assomo legalista dos poderes do regime, agora subitamente preocupados com a eventual ilegalidade de uma greve cujo problema não é, nunca foi, o respeito da lei, mas sim o de estar a fazer efeito.

E dispensam-se mais comentários, pois o manifesto fala por si…

Marcharemos pela escola pública no dia 14 de Janeiro de 2023, em Lisboa

Como trabalhadores, de vários quadrantes e formações distintas, consideramos que a escola pública deve ser de excelente qualidade e para todos. 

A degradação a que temos assistido – pese embora, nós trabalhadores, seja de que área for, pagarmos cada vez mais impostos –, tem levado muitos daqueles que ainda podem a estratégias como o recurso a explicações privadas, auxiliarem os filhos no fim de um dia de trabalho intenso, colégios privados e ATLs e centros de estudo. 

Crianças e jovens a quem deveria estar garantido um ensino excelente numa parte do dia, para poderem também brincar e socializar, são obrigadas a prolongar o dia de estudo. As cada vez mais deficientes condições de trabalho impostas aos professores contribuem não só para que os alunos fiquem 8 horas na escola, mas também para deficiências na aquisição de conhecimentos essenciais e para a degradação óbvia e geral de um serviço – a educação pública, gratuita e de qualidade – constitucionalmente garantido, que pagamos, mas a que perdemos acesso. 

Muitos dos nossos filhos abandonam (mesmo que passem administrativamente) as aprendizagens científicas, filosóficas e artísticas, desistem de ser mais, de sonhar, de conquistar saberes que deveriam ser de acesso democrático a todos, trocando-os por cursos sem valor, de formação medíocre, ou por um ensino, dito profissional, que leva os nossos filhos para profissões mal qualificadas e mal pagas e os aparta do acesso ao saber humanizado. 

Temos consciência de que não existe boa escola pública sem segurança e qualidade de trabalho dos professores e, por isso, dia 14 marchamos ao seu lado, ao lado dos professores e funcionários das escolas, pela segurança na contratação, escolha livre da escola e lugar onde pretendem trabalhar, acesso a uma carreira que lhes forneça sentido de percurso, justiça sem avaliações “falsas” que apenas pretendem cortar a progressão e que hoje são comuns a todos os trabalhadores, em sistemas de trabalho antidemocráticos, de gestão tóxica e autoritária, que a todos nós desmotiva e mesmo desgasta e adoece, como é frequente no caso dos professores. 

É urgente que os nossos impostos sirvam para pagar salários dignos que lhes permitam uma vida com qualidade. Não toleramos assistir ao pagamento obsceno de gestores da res publica ao mesmo tempo que se paga vergonhosamente mal aos professores, uma profissão essencial. 

Temos, finalmente, consciência, que os problemas da escola não se resolvem só na escola. Sem trabalho digno e seguro para os nossos filhos e netos, impedindo-os de ter acesso a uma vida independente, casa própria, vida conjugal e afectiva livre, qualidade na alimentação e no lazer, o resultado é a crescente dependência familiar ou a emigração e eles deixarem de ver sentido na escola. 

Por isso lutamos ao lado dos professores, e marcharemos com eles no dia 14 de Janeiro em Lisboa (Marquês de Pombal), às 14h, por um país que invista na riqueza social, na democracia, na qualidade de vida, com salários decentes.

Anabela Mendes, professora aposentada da ESBAL 

António Baptista Lopes, Editor 

António Carlos Cortez, professor, poeta, ensaísta

António Galopim de Carvalho, Geólogo

António Garcia Pereira, advogado e professor associado aposentado 

António Pinho Vargas, compositor e professor aposentado da ESML

Cláudia Biscaya Fraga, Professora aposentada

Eduardo Rêgo, Professor aposentado matemática, FCUP

Elisa Costa Pinto, Professora

Elísio Summavielle, gestor cultural 

Fabiane Santana Previtali, professora titular da Universidade Federal de Uberlândia – UFU/Brasil 

Filomena Oliveira, dramaturga, escritora 

João Areosa, professor Instituo Politécnico de Setúbal

João Reis, operário da AutoEuropa

Joel Neto, escritor

José António Antunes, Médico

José Fanha, poeta

João Pascoal, Mudar Bancários

Manuela Gonzaga, escritora, jornalista 

Maria Cantinho, professora, filósofa 

Miguel Real, ensaísta, escritor 

Pamela Peres Cabreira, professora, historiadora 

Raquel Varela, historiadora, professora FCSH/UNL 

Roberto della Santa, professor auxiliar convidado Uni Aveiro, investigador

Rita Garcia Pereira, advogada e docente universitária 

Victor Pinto , Linguista , Porto 

Pedro Vicente, arquitecto 

José Santana Henriques, activista sindical CGTP 

Adriano Zilhão, economista 

Mário Tomé, coronel e capitão da revolução de Abril 

José Casimiro, activista sindical e laboral, Solidários 

Isabel Roque – Investigadora CES-UC e activista social 

Isabel Louçã, professora aposentada 

Fernando Bessa, professor 

Carlos Marques, activista social, Solidários 

Nuno Geraldes, dirigente sindical do STCC 

Sindicato dos Trabalhadores do Sector Automóvel (STASA)

Sindicato dos Trabalhadores dos Call Centers (STCC)

Um ministro em negação

Com o sistema educativo a abrir brechas por todos os lados, a contestação de professores e funcionários nas ruas e o caos burocrático nas escolas que seguiram às cegas as orientações de um ministério onde a desorientação e o desvinculação da realidade são rainhas e senhoras, o que faz o ministro?

Homem de letras, supostamente culto, inteligente, com mundo suficiente para entender o que se passa à sua volta e a urgência do que deve ser feito, será que pára para pensar, ouvir para além do coro de cortesãos de que se faz rodear, reflectir, aceitar os professores como parceiros, ensaiar novos rumos para o governo da Educação? Parece que não: todos os sinais que vamos tendo apontam em sentido contrário. Sentindo-se acossado, o ministro ensaia a fuga para a frente, ignorando reptos e apelos e insistindo em fazer dos professores e de cada vez mais directores descontentes lacaios dos seus projectos insensatos.

O mundo educativo mudou, a realidade é outra, o respeito imerecido que grangeou dos mais ingénuos vai-se desvanecendo a olhos vistos, o próprio governo de maioria sólida a que pertence desacredita-se e esboroa-se de dia para dia, a olhos vistos. E o homem acredita que está tudo na mesma? Será que pensa, como a antecessora do seu actual secretário de Estado na direcção da DREN, que os professores são como esparguete, que basta juntar água para os amolecer e dobrar com toda a facilidade?

Luís Sottomaior Braga faz uma análise muito lúcida e objectiva de um ministro em estado de negação…

Governar não é ser Mensageiro de um mundo de fantasia

Não estive na reunião de Dirigentes das escolas com o Ministro, ontem, na Maia.

Mas contaram-me: o Ministro e seus acólitos estão em negação.

Continuam a fazer pseudo-propaganda das suas fantasias e fetiches governativos de eleição. Recuperação de aprendizagens, Plano digital, etc

Mas recusam falar do que interessa.

Não querem ver e ainda não perceberam que as regras do jogo mudaram.

Em Coimbra, o ministro acenou um adeuzinho, com ar sério, aos manifestantes.

Coisa curiosa, mas que mostra a disfuncionalidade do seu olhar. Aquele adeus era o que queríamos ver… mesmo…..

Os seus adjuntos e conselheiros são profundamente incompetentes. Aquele aceno é um sinal disso.

E, por exemplo, não reparar como nas reportagens dos protestos há variedade de gente a falar (bem) e a explicar o que nos move. Os porta vozes dos professores não são os do costume. Somos nós, em cada escola.

Nem Maria de Lurdes Rodrigues teve protestos como tem havido. E Costaomenor não sabe lidar com a situação.

A sua mente volúvel de linguista não dá para gerir o caos político do protesto, que implica um olhar mais clínico e preciso.

Que está a existir do lado dos professores mas não dos governantes.

Manter a negociação tardia, com o governo a desfazer-se a largar peças, é pouco sensato do ponto de vista do governo.

Hoje e dia 14 de Janeiro há que mudar-lhe o olhar.

Tem de começar a responder aos protestos sem ser só com acenos ridículos.

É estranho dizer isto: precisávamos de um ministro que, em vez de enrolar com histórinhas e jogos de linguagem…. Governasse.

Está há 7 anos em funções, mas é visível que é profundamente impreparado.

Governar é reagir e resolver, não inventar mundos de sonho e falar deles. É ação, não uma figura de retórica.

Até poderá ser um linguista razoável (não sei, não sou da área) mas ser catedrático não chega para saber governar.

Sampaio da Nova ontem explicou-lhe isso.

Fantasiar perfis sonhados para a educação não é gerá-los, em especial se quem os produz anda tão descontente.

Sete anos de joão-costismo

Subscrevo integralmente, e republico com a devida vénia, as palavras da colega Paula Sousa: ministro há menos de um ano, João Costa não é um novato no ministério. Foi, na verdade, o grande timoneiro das políticas educativas nos últimos sete anos. O ensino facilitista, os programas mínimos, as homeopatias educativas e as burocracias kafkianas construídas em torno da avaliação, da flexibilidade e da inclusão são a outra face de uma política que amesquinha, humilha, desvaloriza e desgasta os professores.

Afinal de contas, desqualificar a educação pública é condição necessária para desqualificar também o recrutamento, a carreira e as condições de trabalho dos seus profissionais. A luta por concursos justos, recuperação do tempo de serviço, revalorização das carreiras e das aposentações é indissociável da luta por uma escola pública de qualidade.

É IMPORTANTE PERCEBER QUE JOÃO COSTA JÁ ANDA NISTO HÁ 7 ANOS

João Costa tem estado há 7 anos no Ministério da Educação criando tonterias como a filosofia Ubuntu, o Projecto MAIA, o trabalho em rede, as Aprendizagens Essenciais, o Projecto de Autonomia e Flexibilidade Curricular.

João Costa tem, de há 7 anos para cá, posto de lado o conhecimento assente na ciência, no pensamento, na argumentação, substituindo-o por uma avaliação que sujeita os alunos a cada vez menores exigências e menos conhecimentos. Os alunos hoje trabalham menos, revelam menos conhecimentos e exibem comportamentos mais indisciplinados. E João Costa tem sido, de há 7 anos para cá, o timoneiro da implementação desse ensino facilitista.

E, de há 7 anos para cá, os professores têm vindo a aceitar, com reverência e comodismo, políticas, imposições e normativos que são um crime pedagógico.

E, de há 7 anos para cá, multiplicaram-se as formações, os colóquios, as comunicações presenciais ou digitais sobre todos esses Projectos. Os Centros de Formação de Associação de Escolas (CFAE) concentraram as suas preocupações prioritárias nos temas da avaliação/classificação, capacitação digital de docentes, na Escola Inclusiva e passaram a desprezar ainda mais as ações de formação de professores dedicadas às áreas científicas específicas (História, Português, Matemática).

Mas todos sabemos que estas «políticas» pedagógicas não produzem melhores cidadãos, mas sim súbditos mais iletrados e amorfos.

Por isso, a luta de hoje, na Escola Pública, é também pela mudança dessas políticas educativas. É também por um ensino exigente e rigoroso.

O próximo a sair?

Imagem em circulação nas redes sociais

Ideia tentadora, mas pouco realista.

E pouco inspiradora, também. No governo desde 2015, o actual ministro personifica bem a política educativa da qual é agora o primeiro responsável. Mas desengane-se quem pensa que os congelamentos da carreira, o roubo de tempo de serviço, os entraves às progressões, a burocracia e o controleirismo, disfarçados de “autonomia das escolas”, a pautar o quotidiano docente são teimosias deste ou daquele ministro. Na verdade, fundamentam uma política educativa que é partilhada por todos os partidos que controlaram o ME nas últimas décadas.

Costumava dizer-se, na linha de um “sindicalismo tradicional” hoje, ao que parece, fora de moda, que o importante não é mudar os políticos, mas sim as políticas. Ora a verdade é que a política para a Educação é isto mesmo que temos visto, poupança orçamental como prioridade absoluta, ainda que à custa da degradação da escola pública e da proletarização e precarização da classe docente. Que o dinheiro, já se sabe, é hoje preciso para pagar os buracos da gestão ruinosa da TAP – mas com gestores bem recompensados pelo seu trabalho! – como no passado recente se financiaram os desvarios e desfalques da banca e se continua, agora e sempre, a pagar os elevadíssimos encargos da dívida pública e das parcerias público-privadas.

Estamos naquela altura em que é de bom tom desejar um feliz Ano Novo, mas na verdade o desgoverno do país e a falta de gente à altura para enfrentar os desafios do presente não permitem grandes optimismos quanto ao futuro…

A proletarização da docência

Na imprensa local, tantas vezes ignorada ou desvalorizada, surgem frequentemente interessantes e bem documentadas reflexões sobre temas pertinentes e actuais. No caso da Educação, enquanto a imprensa de referência e os habituais comentadores vão promovendo a agenda educativa do governo e das instituições e personalidades influentes do sector, podemos encontrar textos como este de António José Alves Oliveira que, no Diário Digital de Castelo Branco, documenta a realidade insofismável da proletarização da docência.

Existe, fruto da acção política de sucessivos governos, um verdadeiro mas nunca assumido pacto de regime em torno da proletarização dos professores. Querem-nos cada vez mais baratos, mas também mais passivos e obedientes, sobrecarregados de trabalho para que não tenham tempo sequer para pensar, deprimidos e albergando sentimentos de culpa por não conseguirem solucionar problemas que os transcendem, desunidos e rivalizando com os colegas na disputa das escassas vagas para progressão numa carreira longa na qual a maioria não chegará ao topo.

Esta é uma política estudada e documentada por diversos especialistas, que foi sendo desenvolvida ao longo de décadas, tendo tido com a maioria absoluta do socratismo e, posteriormente, a crise financeira e os anos da troika, um impulso decisivo.

A proletarização da carreira profissional docente

Nóvoa (2013)  enuncia as razões subjacentes à desmotivação e à insatisfação docente relativas às suas carreiras, referindo que cada vez mais os professores são:

  • responsabilizados pelo estado do ensino, quer pelo poder central, quer pela sociedade; 
  • alvo de uma intensificação do seu  trabalho (gestão escolar, burocracia,  prática letiva com elevado número de alunos,  coordenação de estruturas pedagógicas,  exigência de criação de projetos pedagógicos inovadores,  participação no desenvolvimento de iniciativas de aproximação com a comunidade educativa ou intercâmbios com outras escolas europeias); 
  • objeto de mecanismos de controle, supervisão e de avaliação desajustados às especificidade da sua profissão e em que a sua finalidade, em termos de progressão de carreira, conduz  muitas vezes ao nada; 
  • sujeitos a mudanças constantes na legislação educativa através dos currículos escolares e das orientações para a gestão das escolas, influenciando a organização das práticas de ensino e a aprendizagem dos alunos;
  • culpabilizados pelo fracasso  na relação com os pais dos alunos ou com associações locais ligadas à Educação, muitas vezes resultado de uma falta de cultura de diálogo democrático e de trabalho em parceria/colaboração entre as partes envolvidas;
  • estimulados à frequência massiva  de formação contínua, que nem sempre promove o desenvolvimento de competências  profissionais e consequente  aumento da qualidade do sistema educativo; 
  • sujeitos a condições de trabalho e remuneratórias progressivamente degradantes, quando comparadas a outras profissões com ou sem formação superior.

Ruivo (2008) refere que ao professor é-lhe imputada uma multiplicidade de funções e de responsabilidades  para as quais não foi preparado, mas que o Estado  e a Sociedade  impõem, como forma de compensar a sua  incapacidade  para responder aos problemas contemporâneos. Por outro lado, a falta de formação complementar, a inexistência de estímulos e de incentivos aliam-se a uma descaracterização dos professores marcada pela desilusão, pelo desinvestimento académico, pela desmotivação, pelo  stresse  e  pelo desencanto com a profissão, entregando-se à incompetência passiva face às suas obrigações educativas. Também as condições de saúde pessoal dos professores  são afetadas, tornando-os numa das classes profissionais que mais recorre a serviços de saúde e à dependência de medicação (Figueiredo, 2007).

Este cenário de desprofissionalização e de proletarização da profissão tem levado os professores à perda de autonomia e de responsabilidade para se tornarem, através da formação inicial e contínua, numa lógica mecanicista,  executantes preferencialmente perfeitos, das orientações pedagógicas delineadas e controladas por especialistas ligados aos centros de decisão política (Perrenoud, 1993). A   proletarização na docência, como sublinha Loureiro (2001), resulta  de vários fatores: a regulação da profissionalização docente dependente da intervenção e do controlo do Estado; a degradação do seu estatuto socioeconómico (baixos salários e desprestigio social); a associações sindicais e profissionais incapazes de defender as aspirações e as necessidades da classe docente; a falta de um código deontológico/Ordem de Professores; a variabilidade do sistema de credenciamento institucional para o exercício da profissão e o acesso ao mercado de trabalho; a ausência forçada na definição e  implementação das reformas educativas. 

Estrela (2010, p.18) considera que o novo contexto em que se encontram os professores portugueses, diferencia-se pela proletarização ideológica, na qual os professores não controlam  os “objetivos e as finalidades do seu trabalho” e a proletarização técnica, com a “perda de controlo sobre os aspetos técnicos do seu trabalho”. Neste sentido, o professor “deixa de ser um intelectual apto, para se tornar um assalariado com  níveis de inaptidão externamente provocados (…), aceitam  mais funções e, simultaneamente, piores condições de trabalho”(Ruivo, 2008, p.2).

Continuar a leitura e aceder às referências bibliográficas presentes no texto…

A entrevista de João Costa

João Costa exerce funções governativas há sete anos. Mas só ontem, no culminar de uma jornada de luta dos professores, que incluiu seis dias de greve e uma grande manifestação nacional, o governante arrogante e prepotente sentiu a necessidade de jogar à defesa perante a ofensiva dos professores. Uma pequena vitória que, ao STOP e aos seus apoiantes, já ninguém lhes tira.

Quanto ao ministro, a entrevista de ontem à RTP serviu-lhe para ensaiar um discurso de vitimização, acusando mais uma vez os sindicalistas do STOP de mentirosos e insinuando, nas entrelinhas, uma apreciação nada abonatória da classe docente como um bando de mentecaptos iludidos pela estratégia sindical.

Quanto à entrevista propriamente dita, disponível no site da RTP, ela nada traz de novo ou significativo. Percebendo que recuperar confiança dos professores será tarefa longa e complicada, o ministro tenta, na linha dos seus antecessores socialistas, ganhar terreno na opinião pública. A estratégia é o discurso de meias verdades e insinuações em que tem assentado todo o seu percurso político. Evidente por exemplo ao afiançar que as câmaras nunca irão colocar professores, quando já todos percebemos que a ideia é desmantelar paulatinamente o concurso nacional através da regionalização encapotada que está em curso, por um lado, e, por outro, pela alocação de professores em função do “perfil”, feita localmente por conselhos de directores.

Neste processo, o que me causa mais estranheza, confesso, é a quantidade de professores que ao longo das últimas semanas descobriram em João Costa o diabo em figura de gente. Pessoal que no tempo do nulo Brandão Rodrigues elogiava o amigo das escolas, preocupado com os alunos, promotor de flexibilidades, autonomias e inclusões. O secretário de Estado bom, em contraste com a Alexandra Leitão, a megera que cortava orçamentos, agravava leis dos concursos, extinguia contratos de associação. Pois bem, o que posso dizer, e acreditem que não o faço com prazer, é que o Costa da Educação cedo me desenganou: este homem é perigoso! alertei há quatro anos, num post onde tentei demonstrar que, por trás do discurso untuoso e demagógico do linguista bem falante, se esconde um político com uma agenda bem definida, que não passa nem por valorizar a profissão docente nem por melhorar qualitativamente a escola pública.

Será talvez este último ponto que ainda não foi bem compreendido entre os professores: a política educativa que desqualifica a carreira, os salários e as condições de trabalho dos professores é a mesma que os oprime com a burocracia avaliativa kafkiana do MAIA, que transforma a escola pública numa feira de projectos e num imenso recreio onde, em nome da flexibilidade e da inclusão, se nivelam por baixo as aprendizagens.