A recomendação da OCDE consta do relatório “Resourcing Higher Education in Portugal”, divulgado e apresentado esta segunda-feira, sobre o modelo de financiamento do ensino superior.
O estudo foi solicitado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que pretende rever o modelo de financiamento, e entre as mais de 30 sugestões, os peritos fazem referência às propinas, defendendo alterações ao modelo atual.
Atualmente, o valor máximo das propinas para o 1.º ciclo do ensino superior está fixado em 697 euros e todos os estudantes pagam o mesmo. Em vez disso, o relatório propõe um sistema diferenciado, em que o nível de propinas é associado a critérios socioeconómicos.
Nesse caso, os alunos bolseiros pagariam um valor mais baixo, enquanto os estudantes com baixos níveis de rendimento, mas não elegíveis para bolsa, pagam um nível médio, fixando-se um valor mais elevado para os restantes.
A estratégia já não é nova, e tem servido adequadamente os governos desejosos de fazer reformas sem grande discussão à sua volta: encomendam-se estudos supostamente técnicos e independentes, que convenientemente recomendam aquilo que o respectivo ministério já tinha na ideia. E assim se tenta construir um consenso alargado que evite tanto o debate público alargado como a discussão parlamentar de diferentes alternativas. Os consultores é que variam: no caso da Educação, governos de direita preferem geralmente aconselhar-se com a Universidade Católica, as fundações privadas ou certas universidades norte-americanas; o PS tem uma clara preferência pelos estudos encomendados à OCDE.
O relatório sobre o financiamento do ensino superior português (disponível, em inglês, no site da OCDE) defende ideias longe de consensuais e que nalguns casos contrariam mesmo a Constituição e a LBSE. Por exemplo, quando se defende uma diferenciação no valor das propinas em função dos rendimentos familiares. Na verdade, esse ajustamento já é feito por via fiscal: cobrar mais às famílias de classe média ou média-alta, que já sustentam o ensino superior através de parte dos impostos que pagam é restringir e penalizar ainda mais o acesso ao ensino superior, o que se torna ainda mais grave se tivermos em conta os custos elevados, e que continuam a aumentar, dos alojamentos nas cidades universitárias. Por outro lado, uma propina ainda maior para os rendimentos mais elevados, fazendo-os pagar algo próximo do custo real do seu curso, é uma forma não muito subtil de empurrar estes alunos para as universidades particulares, dando assim uma mãozinha ao negócio da educação privada.
O aumento das propinas – e consequentemente a redução do financiamento estatal das instituições – é uma velha aspiração da direita, que nunca se conformou com o acesso massificado dos filhos das classes trabalhadoras a um ensino superior de qualidade. Uma ideia que, à esquerda, sempre se contestou. Ainda em 2019, lembra Joana Mortágua, governantes socialistas defendiam a progressiva gratuitidade do ensino superior, com a consequente abolição das propinas. O que mudou, de então para cá, que tornou o PS refém das teses made in OCDE, focadas na redução de despesa pública, na segmentação dos públicos escolares e no princípio do utilizador-pagador? Várias coisas, mas a mudança fundamental deu-se nas urnas, com o fim definitivo da geringonça e o PS em maioria absoluta…