Claro como água

O que dizer de uma política educativa que, apenas enunciada, recebe entusiástico apoio da pior ministra da Educação da nossa história democrática?

Os elogios de Maria de Lurdes Rodrigues ao programa do actual Governo AD para a Educação são um presente envenenado para Fernando Alexandre e a sua equipa. Mas são também a demonstração clara de que os “pactos educativos”, que os filintos desta vida periodicamente reclamam, nunca foram assumidos, mas estão aí de pedra e cal. Na hora da verdade percebe-se bem que, no que à escola pública diz respeito, quase tudo une PS e PSD. E muito pouco os separa…

«Se Maria de Lurdes Rodrigues afirma “revejo-me no programa deste governo” há motivos, de facto, para que os professores fiquem muito preocupados».

Foi assim que o secretário-geral adjunto Francisco Gonçalves sintetizou as preocupações da FENPROF com o programa do governo. Para os professores, esta afirmação é clara e eficaz na perceção da mensagem, tendo em conta que Maria de Lurdes Rodrigues caracteriza aquela que poderá ter sido uma das páginas mais negras na Educação do pós-25 de Abril.

Falando do programa do governo, o secretário-geral adjunto destacou o facto de o objetivo ser o de realizar compromissos orçamentais com a União Europeia, que continuarão a condicionar toda a política que vai ser feita nos próximos tempos.

Não deixa de ser preocupante o facto de o governo estar a preparar-se para fazer uma revisão do regime de concursos e colocações que pode pôr em causa a graduação profissional como critério que garanta a não introdução de opacidades, nem de discricionariedades.

Quanto às expectativas que decorrem da leitura do programa do governo, a FENPROF considera que a proposta, ainda não apresentada (registe-se), de recuperar 20% do tempo de serviço por ano, está ainda longe daquela que deveria ser a direção dada à medida, pois já se perdeu muito tempo. Para a FENPROF, a recuperação deve ser feita em três anos, no máximo, e não em cinco, pois esse parece ser o artifício encontrado pelo governo para não recuperar o tempo de quase ninguém.

Coincidências

Em resposta a uma deputada da Iniciativa Liberal, [o ministro da Educação] disse ainda que existem “dezenas de milhares de diplomados a sair (do ensino superior) todos os anos” e defendeu melhores condições para que “esses diplomados possam tornar-se professores”.

Noto alguma ligeireza, que os mais incautos poderão confundir com optimismo, na forma como o novo ministro da Educação parece querer resolver o problema da falta de professores. E não é o único. Entrevistada no Jornal da CNN de 10 de Abril (ver aqui, por volta do minuto 50), Maria de Lurdes Rodrigues, ministra de má memória e infinita desfaçatez, não regateava elogios ao programa do Governo AD para a Educação. E discorria da mesma forma: todos os anos se formam dezenas de milhares de “diplomados” nas universidades e politécnicos: se hoje precisamos de professores temos, ao contrário do que sucedia no passado, onde os ir buscar.

Este raciocínio enferma de três falhas, pelo menos. Em primeiro lugar, apenas uma ínfima parte dos licenciados e mestres que se formam actualmente o fazem em cursos que habilitam para o ensino, pelo que ser professor não estará, à partida, nos horizontes profissionais destes estudantes. Para poder disputar, com o sector privado e com o mercado internacional de trabalho que cada vez mais atrai os nossos jovens, os futuros profissionais da Educação, seria necessário dotar a profissão de uma atractividade que hoje está muito longe de ter.

Depois, há que ter em conta que não é um qualquer “diplomado” que está habilitado a ser professor: para qualquer nível de educação e ensino não superior é exigido o grau de mestre, tendo o futuro professor de possuir tanto a formação científica na área disciplinar a leccionar como a correspondente formação pedagógica. E achar que isto se obtém às três pancadas, numa qualquer formação complementar obtida num semestre ao mesmo tempo que se improvisam umas aulas, é apenas rumar à degradação acelerada da qualidade da educação.

Por último, apostar em recrutar, à falta de professores habilitados, profissionais formados noutras áreas – engenheiros, juristas, profissionais de saúde, técnicos especializados, etc. – será sempre uma aposta arriscada: haverá uma grande probabilidade de estar a recrutar, para o ensino, pessoas que fracassaram na área profissional para a qual se formaram e que encontram na escola uma alternativa de emprego enquanto não conseguem algo melhor. Ora os melhores sistemas educativos são, sabe-se bem, os que apostam na formação e no recrutamento dos melhores para a docência, não os que fazem do ensino o refugo de outras profissões.

Troca de cartas

Em plena era digital, o primeiro-ministro e o líder da oposição escolhem a tradicional troca de correspondência por via postal para comunicarem entre si. Pedro Nuno Santos escreveu a Luís Montenegro reiterando a já conhecida disponibilidade do PS para aprovar um orçamento rectificativo ou qualquer outra iniciativa legislativa que permita contemplar, ainda este ano, a valorização de carreiras e salários em alguns sectores da administração pública. E recebeu a resposta pela mesma forma, com o chefe do Governo a agradecer a disponibilidade para futuros entendimentos.

Pelo meio, os habituais taticismos políticos. Liberto de responsabilidades governativas, PNS aparece agora a oferecer, de mão beijada, aquilo que os governos do seu partido sempre recusaram aos professores e outros profissionais longamente injustiçados. No caso do tempo de serviço dos professores, quem já se esqueceu da afirmação peremptória, repetida à exaustão pela dupla de Costas, de que o tema era assunto encerrado para o Governo? Apoiando agora o que sempre recusou aos professores e a outros profissionais do Estado, o PS conta com uma dupla vantagem: garante um lugar ao lado de quem concretiza a devolução de rendimentos e a valorização das carreiras, sem ter de se responsabilizar pelo cumprimento das promessas feitas nem de se preocupar com as implicações orçamentais que daqui possam decorrer. Pois, para todos os efeitos, quem governa é o PSD.

Já Luís Montenegro, que não pode senão aceitar a oferta socialista, tenta manter margem de manobra: as negociações são com os sindicatos; só depois de chegadas a bom termo se equacionará o entendimento com o PS. E não resiste a mandar a sua bicada: as negociações com os sindicatos revestem-se, recorda, de especial complexidade: basta ver como o agora dialogante PS, nunca foi capaz de concluir um acordo de jeito com os sindicatos da administração pública enquanto esteve no Governo…

Filinto e o pacto educativo

“Sempre dissemos que este pacto da Educação teria que ser celebrado antes do dia 10 de março. O limite é até ao dia 8, sexta-feira. Ainda vamos a tempo com certeza. O desafio é este”, atirou, esperando que após as legislativas regresse “paz e estabilidade” nas escolas. 

Já não tenho paciência, confesso, para Filinto Lima e os seus apelos recorrentes – anda nisto há anos! – aos pactos de regime na Educação. Acha ele que as políticas estão sempre a mudar, obedecendo ao ritmo dos ciclos políticos, em vez de existir um horizonte de estabilidade e previsibilidade que desse consistência às políticas para a Educação.

A verdade é que este apelo é falacioso e, em período eleitoral, tem até o seu quê de anti-democrático. Pois a democracia faz-se de escolhas, e o momento actual é precisamente aquele em que os partidos devem apresentar as suas propostas para o país, em vez de se refugiarem em pantanosos consensos que apenas convêm aos interesses instalados. Como cidadão, não quero que todos os partidos prometam o mesmo. Quero que cada um diga ao que vem e o que propõe, cabendo aos eleitores a escolha de quem, em seu entender, apresenta o melhor projecto para o país. Acresce que um pacto, seja para o que for, implica um amplo e alargado debate prévio sobre os temas em causa. Ora sabendo-se que a Educação ou está ausente ou mantém uma presença discreta no debate político, não existe sequer o necessário amadurecimento da discussão pública que permitiria encontrar pontos de entendimento para fundamentar um pacto no sector.

Por outro lado, se em teoria cada partido quer a sua coisa, na prática a governação do sector tem demonstrado a existência de um autêntico pacto educativo não assumido, mas perfeitamente interiorizado, entre os partidos do centrão. Para percebermos o que contém, basta olharmos para o que não muda sempre que os dois maiores partidos alternam no poder: os mega-agrupamentos, o modelo unipessoal de gestão escolar, a ADD burocrática e penalizadora, os engonhanços na devolução do tempo de serviço e na melhoria das condições de trabalho e da situação profissional dos professores, a municipalização do sector, subfinanciado e cada vez mais dependente de fundos europeus. Como escrevi em 2017, e reafirmo hoje com a mesma convicção, informalmente o pacto educativo já existe, e eu estou contra!

Quanto a Filinto Lima e outros directores que se queixam que “tudo muda” cada vez que entra um novo Governo, talvez mudassem menos coisas se se mostrassem menos entusiastas e promotores dessas mudanças, sendo que é óbvio que a maioria delas serve, não os interesse dos alunos, mas as vaidades tolas, os ganhos pessoais e as modas educativas que interessam às gentes que povoam os gabinetes do ministério e suas adjacências. Os maias, os ubuntus, os planos de inovação não são mudanças obrigatórias, impostas por lei, mas andam a ser aplicados em centenas de escolas por iniciativa voluntária de quem as dirige. Pois quando se trata de ficar bem visto perante o ministro, nenhum director se lembra de pactuar o que quer que seja…

Pensamento do dia

Joe Biden, 81 anos, e Donald Trump, 77. Se nada inesperado suceder entretanto, um dos dois será reeleito presidente dos EUA. Sendo notório que a idade e o estado físico e mental não recomendam nenhum deles para o exercício do cargo, mas também que ainda não é desta que os EUA abandonarão o seu obsoleto sistema bipartidário, restritivo das escolhas dos cidadãos, interrogo-me: não seria possível construir um consenso entre os dois grandes partidos, no sentido de desistirem ambos do respectivo candidato, a favor de uma renovação geracional na Casa Branca?

Seria um novo New Deal, um virar de página e uma renovação da vida política e do jogo viciado que empurra o partido republicano para os braços das forças sociais, religiosas e políticas mais conservadoras e xenófobas da sociedade norte-americana, enquanto os democratas se ancoram nos lobbies armamentistas e sionistas e no neoliberalismo globalista.

Ou a força das grandes corporações, do big business, do complexo militar-industrial é tanta que, para os que realmente mandam, se torna indiferente, na prática, o resultado da escolha do inquilino da Casa Branca?…

OCDE propõe aumento de propinas

Portugal deveria adotar um sistema diferenciado de propinas em que o valor pago pelos estudantes do ensino superior seria definido com base em critérios socioeconómicos, recomenda a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

A recomendação da OCDE consta do relatório “Resourcing Higher Education in Portugal”, divulgado e apresentado esta segunda-feira, sobre o modelo de financiamento do ensino superior.

O estudo foi solicitado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que pretende rever o modelo de financiamento, e entre as mais de 30 sugestões, os peritos fazem referência às propinas, defendendo alterações ao modelo atual.

Atualmente, o valor máximo das propinas para o 1.º ciclo do ensino superior está fixado em 697 euros e todos os estudantes pagam o mesmo. Em vez disso, o relatório propõe um sistema diferenciado, em que o nível de propinas é associado a critérios socioeconómicos.

Nesse caso, os alunos bolseiros pagariam um valor mais baixo, enquanto os estudantes com baixos níveis de rendimento, mas não elegíveis para bolsa, pagam um nível médio, fixando-se um valor mais elevado para os restantes.

A estratégia já não é nova, e tem servido adequadamente os governos desejosos de fazer reformas sem grande discussão à sua volta: encomendam-se estudos supostamente técnicos e independentes, que convenientemente recomendam aquilo que o respectivo ministério já tinha na ideia. E assim se tenta construir um consenso alargado que evite tanto o debate público alargado como a discussão parlamentar de diferentes alternativas. Os consultores é que variam: no caso da Educação, governos de direita preferem geralmente aconselhar-se com a Universidade Católica, as fundações privadas ou certas universidades norte-americanas; o PS tem uma clara preferência pelos estudos encomendados à OCDE.

O relatório sobre o financiamento do ensino superior português (disponível, em inglês, no site da OCDE) defende ideias longe de consensuais e que nalguns casos contrariam mesmo a Constituição e a LBSE. Por exemplo, quando se defende uma diferenciação no valor das propinas em função dos rendimentos familiares. Na verdade, esse ajustamento já é feito por via fiscal: cobrar mais às famílias de classe média ou média-alta, que já sustentam o ensino superior através de parte dos impostos que pagam é restringir e penalizar ainda mais o acesso ao ensino superior, o que se torna ainda mais grave se tivermos em conta os custos elevados, e que continuam a aumentar, dos alojamentos nas cidades universitárias. Por outro lado, uma propina ainda maior para os rendimentos mais elevados, fazendo-os pagar algo próximo do custo real do seu curso, é uma forma não muito subtil de empurrar estes alunos para as universidades particulares, dando assim uma mãozinha ao negócio da educação privada.

O aumento das propinas – e consequentemente a redução do financiamento estatal das instituições – é uma velha aspiração da direita, que nunca se conformou com o acesso massificado dos filhos das classes trabalhadoras a um ensino superior de qualidade. Uma ideia que, à esquerda, sempre se contestou. Ainda em 2019, lembra Joana Mortágua, governantes socialistas defendiam a progressiva gratuitidade do ensino superior, com a consequente abolição das propinas. O que mudou, de então para cá, que tornou o PS refém das teses made in OCDE, focadas na redução de despesa pública, na segmentação dos públicos escolares e no princípio do utilizador-pagador? Várias coisas, mas a mudança fundamental deu-se nas urnas, com o fim definitivo da geringonça e o PS em maioria absoluta…

Sindicato, emprego para a vida?

Candidata-te a professor, agora sem curso especializado. Não tens muito jeito para aturar a petizada ou adolescentes, sindicaliza-te e como és de uma juventude partidária, daqui a uns meses entras numa lista sindical. E voilà, o teu futuro está assegurado.

Percebo a ideia do Duilio, e não tenho dúvidas de que o modelo de sindicalismo instituído entre os professores favorece a existência de sindicatos que são emprego para a vida, sem horários nem responsabilidades, dos seus dirigentes.

Mas isto merece que se recorde uma pequena história. Foi no tempo de Maria de Lurdes Rodrigues que, face ao elevado número de destacamentos de dirigentes para os respectivos sindicatos, esta decidiu “moralizar” a situação. E mandou averiguar o número de sócios de cada sindicato, para que os cortes a fazer fossem proporcionais à representatividade de cada um.

Contudo, os resultados não agradaram à ministra, que rapidamente os mandou arquivar, sem que chegassem a vir a público. Eles confirmavam não só a Fenprof como a maior e mais representativa organização de professores mas também que alguns dos pequenos sindicatos poucos mais sócios teriam além dos respectivos dirigentes.

Resultado: os cortes nos destacamentos foram feitos de forma igual para todos os sindicatos, independentemente do número de associados de cada um. Porque mais importante do que gerir criteriosamente os dinheiros públicos é enfraquecer e dividir o movimento sindical, um objectivo de todos os governos PS e PSD. Nem que para isso se estejam a financiar, anos a fio, organizações que não representam mais do que os interesses oportunistas de um punhado de dirigentes.

De resto, a sugestão do Duilio continua válida: quem está colocado longe de casa e pertence a um daqueles sindicatos que oferecem um lugar de dirigente a tempo inteiro a quem angariar meia dúzia de novos sócios, que aproveite a oportunidade!…

Pensamento do dia

Cada vez que surge nova lei ou decreto sobre Educação, há uma ideia de fundo que se torna clara: passem os alunos todos.

Avaliem-nos por projectos, por competências, por domínios, por oráculos ou por constelações, mas passem-nos a todos.

Produzam uma boa estatística; o resto é o mercado que decidirá.

Adaptado daqui.

Domingos Fernandes é o novo presidente do CNE

O investigador e ex-secretário de Estado socialista Domingos Fernandes foi eleito, nesta sexta-feira, para o cargo de presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE). O CNE é um órgão consultivo do Parlamento e do Governo e o seu presidente tem de ser eleito por maioria absoluta da Assembleia da República.

Na eleição desta sexta-feira, Domingos Fernandes contou com 158 votos a favor, 45 brancos e 15 nulos, num universo de 218 votantes. Vai suceder a Maria Emília Brederode Santos, eleita em 2017 e que abandona funções aos 80 anos de idade.

Domingos Fernandes, que remete declarações para depois da sua posse, é um especialista em avaliação, que desenvolveu grande parte da sua actividade no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, onde permaneceu em 2020. Mudou-se depois para o ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, sendo professor catedrático do Departamento de Política e Políticas Públicas e investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES).

A notícia, quase com uma semana, passou-me despercebida entre outros assuntos que têm tomado a agenda educativa. Mas não poderia deixar de assinalar a passagem de testemunho: o PS aproveitou a mudança de legislatura para substituir Emília Brederode Santos por Domingos Fernandes na presidência do Conselho Nacional de Educação.

É, apesar das aparências de tecnicidade e isenção que lhe tentam atribuir, um cargo político, e por sinal bastante politizado. Desde logo porque o seu presidente, nomeado pelo Parlamento, tem sido sempre uma figura alinhada com o partido que dispõe de maioria parlamentar. E depois porque, apesar desta espécie de câmara corporativa do regime ter uma composição bastante plural, na prática é apenas o presidente que fala em nome da instituição, muitas vezes exprimindo apenas a sua visão e convicções pessoais. Raramente, a não ser naqueles breves períodos em que um novo governo convive com as nomeações do anterior, há uma dissonância, por mais leve que seja, entre o discurso do ministro e o do presidente do conselho.

Em vez de criar uma consciência crítica capaz de promover a discussão pública das políticas educativas, o CNE funciona habitualmente como caixa de ressonância da política do Governo para o sector. Não aponta novos caminhos, segue o guião fornecido pelos governantes de turno, fabricando consensos de regime que cristalizam más ideias e soluções. É nesta perspectiva que se deve entender a nomeação de um dos mais proeminentes eduqueses socialistas, o “pai” do famigerado projecto MAIA e uma das mais recentes aquisições do ISCTE, a universidade do PS. Uma das estrelas da medíocre constelação que brilha foscamente em torno de João Costa, levou agora, em final de carreira, o definitivo pontapé para cima.

Peritos na realidade

Paulo Prudêncio reflecte, nas páginas do Público e no seu blogue, sobre um tema que me é caro e que não resisto a revisitar: quem são, afinal, os peritos em Educação? Quem conhece, verdadeiramente, a realidade escolar? Os autoproclamados especialistas, sejam os instantâneos, os tudólogos do género de Marques Mendes, que opinam acerca de tudo sem saberem verdadeiramente de coisa alguma, ou os especialistas tradicionais, pretensas sumidades como os marçais, as brederodes, os cratos?… Ou os peritos na realidade, os professores que vivem o seu dia a dia trabalhando com alunos, nas salas de aula?

O silenciamento mediático e institucional da voz dos professores – curiosamente protagonizado também por um governo que afirma, insistentemente, querer ouvir a voz dos alunos – está a ter um efeito calamitoso na definição das políticas educativas. Despreza-se a experiência e a cultura profissional de professores que conhecem os alunos e a realidade no terreno. Cultiva-se uma ideia de escola e de educação completamente desfasada da realidade. Inventam-se desafios imaginários e complicações inúteis, em vez de se confrontarem e resolverem os problemas reais com que se debate a escola pública. E alimenta-se, nos media, uma permanente campanha suja contra a escola e os professores…

…o que o coro mediático especializado repetiu de mais nefasto nas últimas décadas, resume-se em 5 tópicos:

– As divagações à volta dos bons e dos maus professores, criaram um clima generalizado de exclusão. Desprezaram o exemplo das organizações bem sucedidas, que instituem políticas inclusivas duradouras ao nivelarem por cima os procedimentos, ao avaliarem o desempenho “olhos nos olhos” e ao reconverterem profissionais através de mecanismos civilizados;

– A proclamação de que os professores não podem chegar todos ao topo, instituiu um clima de fuga à profissão. Se o topo (10º escalão) já é o 57º dos 115 índices remuneratórios da administração pública, o topo realista (8º escalão), e uma vez que falta recuperar tempo de serviço, é o 45º e as quotas e vagas da avaliação travam milhares nos trigésimos lugares;

– A ideia menor de que os professores são parciais na definição dos destinos das escolas, empurrou o ambiente escolar para uma prevalência do senso comum e sufragou o inferno burocrático que testemunhou o clima de desconfiança e de desautorização dos professores;

– A supressão mediática da perda da capacidade de elevador social da escola pública – “só 10% dos filhos de famílias pobres e com poucas qualificações chegam ao ensino superior” (9 de Maio, Banco de Portugal) -, demitiu a sociedade dessa responsabilidade democrática;

– A negação da história da escola pública na democracia, criou um clima de revolta contida. Insistir no absurdo de que os professores foram formados para leccionar apenas a bons alunos, nega a OCDE – “os professores portugueses são os melhores a adaptar as aulas às necessidades dos alunos” -, as lições de quem ensina a turmas numerosas e o facto dessa formação ter uma história de diversidade.

E regressando à ideia da audição dos peritos na realidade escolar para atenuar a falta de professores e as brutais desigualdades educativas, inscrevam-se mais duas questões:

1. Se a ideia de escola se deveu à necessidade de diferenciação em relação à família nos espaços para aprender e para socializar, e se após um século as sociedades não descobriram organizações substitutas, é insensato exigir da escola a totalidade educativa e desprezar que o saber escolar nuclear só progride num permanente ir e voltar entre a sala aula e a sua envolvência;

2. Se o completamente digital exige prudência porque tem sérias implicações na centralidade da sala de aula – os “gigantes da web que querem controlar, investem mais no ensino à distância do que na 5G, na telemedicina, nos drones e no comércio online generalizado” (Naomi Klein) -, cresce o receio com os efeitos da sobreposição do isolamento físico em relação ao gregário associados a uma via métrica e “pavloviana” formadora de capital humano em detrimento da humanização.

Convoque-se, portanto, um reinício consolidado nas ideias de simplificação e de inclusão. Ouçam-se os peritos, num modelo semelhante ao da LBSE, e busque-se o sucesso escolar de qualidade como reforço da classe média, e da consolidação democrática, assente na seguinte aspiração patrimonial e intemporal para os peritos na realidade: desconstrua-se definitivamente o raciocínio de que aprender é uma competição e eleve-se a ideia de que se quer aprender porque se é curioso e se quer saber mais.