A pesada herança

grafs.jpgO maior problema deixado à educação portuguesa pelos quatro anos de governo PSD/CDS e a sua austeridade “virtuosa” não foram os exames do 4º e 6º ano, nem o presente envenenado dos contratos de associação plurianuais, nem mesmo as metas curriculares e os programas extensos, desajustados e inexequíveis na maioria das disciplinas: tudo isso já se demonstrou ser fácil de corrigir ou de reverter.

Problema sério, deixado não só aos profissionais da educação mas ao país inteiro, foi a descida da natalidade a mínimos históricos: nos quase 900 anos de existência do nosso país, nunca houve uma proporção tão reduzida de nascimentos nem uma sociedade com tão poucos bebés e crianças. Perante a insensibilidade social de um governo empenhado em “ir além da troika“, a crise económica, o desemprego, a emigração, adiaram ou anularam projectos de vida em comum e a falta de recursos e de condições para terem e cuidarem de filhos levou muitos jovens a descartar essa vontade.

As contas são fáceis de fazer, e as figuras detalham os números: como as crianças iniciam o 1º ciclo com seis anos e até 2014 a natalidade esteve sempre a descer, isto significa que até 2020 iremos ter, de ano para ano, uma diminuição do número de alunos que iniciam a escolaridade.

Quando promulgou os diplomas relativos ao novo regime de concursos e à vinculação extraordinária de 3200 professores, o Presidente da República chamou a atenção para a “questão da natalidade”. E os dados parecem justificar essa cautela: dependendo das contas, só o 1.º ano de escolaridade deve perder entre 500 e mais de 700 turmas até ao fim da década. Mas escolas e professores defendem que o ajuste, quer de docentes quer da rede de escolas, já está feito. E, no caso dos docentes, até por excesso.

Perante isto, como planear a escola portuguesa para os próximos anos? Congratularmo-nos por, com menos alunos, ser possível reduzir centenas de turmas, fechar mais algumas pequenas escolas que ainda subsistem e dispensar os correspondentes professores, poupando ainda mais dinheiro com a educação?

Essa foi a opção, nos anos da troika, do governo da direita, mas está longe de corresponder à lógica de uma escola inclusiva, vocacionada para o sucesso de todos os alunos, a diferenciação pedagógica, as metodologias activas de ensino e aprendizagem, o uso dinâmico e criativo das novas tecnologias e tantas outras coisas que, lembram-nos constantemente, a escola do século XXI não pode dispensar.

A redução gradual do número de alunos no sistema educativo ao longo dos próximos 3 ou 4 anos pode e deve ser uma oportunidade, isso sim, para reduzir o número de alunos por turma, reforçar os apoios educativos e a educação especial, apostar e construir respostas educativas mais ajustadas aos diferentes alunos e públicos escolares.

É necessário resistir à tentação economicista de poupar na educação, uma vez mais, à custa dos direitos e aspirações profissionais dos professores e dos interesses e necessidades dos alunos e das suas famílias.

Em suma, e revertendo o velho slogan das direitas que pretendiam fazer mais com menos, eu direi que, com menos alunos, é obrigação de todos conseguirmos fazer mais.

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