População escolar a aumentar (pouco)

Do ensino pré-escolar ao secundário, a educação ganhou mais de 15 mil alunos num ano em Portugal. É a primeira vez que se regista uma subida de alunos em mais de uma década. No ano lectivo de 2021/ 2022, estavam inscritos 1.586.230 estudantes no país. Devido sobretudo à quebra da natalidade, a tendência era de queda no número de alunos já desde 2008/2009 (quando mais de dois milhões de alunos estavam inscritos). De acordo com os dados preliminares publicados no site da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) consultados pelo PÚBLICO, o aumento aconteceu sobretudo no pré-escolar, que somou quase oito mil crianças a mais.

Um aumento muito modesto, este que o Público e os dados estatísticos preliminares da DGEEC referenciam: representa um acréscimo de apenas 1% de novos alunos num universo ligeiramente superior ao milhão e meio de crianças e adolescentes.

A principal explicação para este aumento é o alargamento da frequência da educação pré-escolar, fenómeno que deve ser visto em conjugação com a inversão do declínio demográfico vivido nos tempos da troika. Entre 2015 e 2019 houve uma modesta inversão da tendência de redução do número de nascimentos, interrompida em 2020 com a chegada da pandemia. E são estas crianças que estão agora a chegar ao sistema educativo, os mais novos aos infantários e os restantes às escolas do primeiro ciclo.

Embora os dados divulgados não sejam esclarecedores, outro factor que estará certamente a contribuir para o aumento das matrículas é a imigração: de norte a sul, continua a crescer o número de alunos estrangeiros nas escolas portuguesas. Uma realidade que não é nova, mas para a qual a maioria das escolas se continua a debater com a falta de recursos para dar uma resposta educativa adequada, sobretudo tratando-se de crianças ou jovens que não dominam a língua portuguesa.

Este desafio, a que nas escolas se tenta responder da melhor forma, deveria envolver mais empenhadamente o ministério, nomeadamente fornecendo, ou facilitando a obtenção, dos meios humanos, materiais e financeiros necessários para apoiar os novos alunos que chegam. Não basta ter uma direcção-geral só para fazer estudos, estatísticas e instrumentos de planeamento: é preciso mobilizar o conhecimento adquirido, antecipar os problemas e as necessidades futuras, construir soluções a tempo e horas, em vez de continuar a correr atrás do prejuízo com medidas casuísticas e decisões tomadas em cima do joelho. A burocracia não deve ser um fim em si mesma, mas estar ao serviço das pessoas e do bom funcionamento das organizações.

Um país pouco amigo de crianças

Reforçar as licenças parentais pode incentivar a decisão de ter filhos, mas a baixa natalidade não se resolve sem combater a precariedade, os baixos salários e o problema da habitação, diz demógrafa

A medida recentemente decidida pelo Governo – um apoio de 20% do salário-base para pais e mães que optem por trabalhar em part-time durante o primeiro ano de vida do filho – pretende ser um incentivo à natalidade e terá certamente algum impacto positivo na decisão de ter filhos. Mas esta e outras medidas semelhantes pecam pela timidez, por serem adoptadas de forma hesitante e tardia, e não resolvem o problema de fundo: a precariedade e os baixos salários que condicionam a vida dos casais em idade fértil e levam ao adiamento ou mesmo à exclusão de projectos de vida que passem por ter filhos.

Outro problema crónico é a falta de habitações a custos acessíveis aos trabalhadores. Nos útlimos anos a situação agravou-se, com a subida das rendas e prestações das casas. Com um mercado liberalizado e desregulado, em que o Estado deixou de ter uma intervenção reguladora, é o direito básico à habitação que é posto em causa e também isso se reflecte na decisão de ter filhos: quem é que está disposto a aumentar a família, sem garantias de que conseguirá continuar a pagar a casa em que vive, quanto mais mudar para uma maior?

Outra falha grave do Estado e da sociedade é no apoio às famílias através de creches e infantários. Com tão poucas crianças na primeira infância, e cada vez são menos, custa a entender como continua a ser tão complicado, nalgumas zonas do país, a obtenção de vaga num estabelecimento de educação pré-escolar., bem como s custos elevados que tantas famílias de baixos recursos são forçadas a assumir. E no entanto sabemos, da experiência de outros países, que este apoio é fundamental para contrariar a tendência de declínio demográfico.

Com taxas de natalidade e fecundidade das mais baixas do mundo e sem perspectivas de que a situação se altere substancialmente nas próximas décadas, o crescimento da imigração será inevitável. Temos uma pirâmide etária invertida, com muitos idosos e poucas crianças e jovens. As faixas etárias correspondentes aos adultos jovens e às mulheres em idade fértil estão também muito depauperadas. O que é agravado pelas más condições que o país oferece hoje aos jovens em início de vida autónoma, criando o paradoxo de um país com falta de gente a promover a emigração de trabalhadores qualificados.

As questões demográficas são sérias e, enfim, verdadeiramente estruturantes e condicionantes do futuro do país e das condições e expectativas de vida dos seus habitantes. Mas quase não se fala delas. Quanto mais não valem, para entreter o pagode, os enredos da novela interminável da TAP ou as touradas cheganas no Parlamento?…

Sinais dos tempos

A pandemia acentou uma tendência de declínio da natalidade que se prolonga ao longo de décadas, que atingiu o ponto mais baixo nos tempos da troika e da austeridade virtuosa de Passos Coelho e tinha registado, desde 2015, uma muito tímida recuperação. Tem-se falado muito nos efeitos da pandemia na economia, na vida social e até na saúde mental dos portugueses. Quanto ao impacto demográfico, ele tem sido analisado sobretudo ao nível do aumento da mortalidade, mas também se está a reflectir na natalidade: tudo indica que 2021 será o ano com menor número de nascimentos desde que existem registos.

Cerca de 72.300 bebés nasceram em Portugal até final de novembro, o número mais baixo de sempre para igual período, revelam dados do Programa Nacional do Rastreio Neonatal (PNRN), que cobre a quase totalidade dos nascimentos.

Os dados do PNRN, conhecido como “teste do pezinho”, indicam que nos primeiros onze meses deste ano nasceram 72.316 crianças, menos 6.058 face ao período homólogo de 2021 (78.374).

De acordo com os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), o maior número de bebés rastreados observou-se nos distritos de Lisboa e do Porto, com 21.485 e 13.435 testes efetuados, respetivamente, seguidos de Setúbal (5.425) e Braga (5.322).

Por outro lado, Bragança (466), Portalegre (533) e Guarda (576) foram os distritos com menos recém-nascidos analisados.

O reverso da medalha é-nos apresentado noutra notícia do DN: é filha de estrangeiros, um improvável casal de nepaleses, a primeira criança nascida em Portugal em 2022. A quebra demográfica irá continuar a atrair um número crescente de estrangeiros, que contribuirão não só para a renovação da força laboral mas também para o revigoramento da natalidade. Tal como muitos milhares de portugueses jovens, que optaram por viver e trabalhar no estrangeiro, estarão neste actualmente a contribuir para o aumento da natalidade dos países de acolhimento.

Sorrisos, festejos e muita felicidade foram os ingredientes principais desta madrugada na Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, onde nasceu aquela que é, oficialmente, a primeira bebé do ano no distrito. Chama-se Diana, é saudável e o parto correu dentro da normalidade. “Nasceu à meia-noite, tem 2,580 quilogramas e é uma menina”, confirmou ao DN a médica obstetra Ana Isabel Machado, que adiantou ainda tratar-se de uma criança filha de pais nepaleses a residir em Portugal.

Recuperar a natalidade

Dados do Programa Nacional de Diagnóstico Precoce, mais conhecido como o “teste do pezinho”, indicam que foram estudados 18.226 recém-nascidos neste primeiro trimestre, em plena pandemia de covid-19, o número mais baixo desde 2015 para igual período.

Relativamente, ao período homólogo de 2020, foram rastreados menos 2.898 bebés (-13,7%), segundo dados do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge.

“A verificar-se esta diminuição, e se o valor se mantiver, poderemos estar perante o valor mínimo histórico dos nascimentos em Portugal, ou seja, abaixo dos 80.000 no ano de 2021”, disse à agência Lusa Maria João Valente Rosa, ressalvado que estes dados são relativos ao “teste do pezinho” e não ao número de nascimentos, embora “normalmente andem próximos”.

Em vez de lamentos em torno das “aprendizagens perdidas” devido ao confinamento e de insensatos planos para as recuperar, faríamos melhor em olhar para as perdas realmente graves provocadas pela pandemia: os empregos desaparecidos e que não serão retomados com o regresso gradual à normalidade, as empresas e actividades económicas em irremediável declínio e, pouco notado mas não menos importante, o novo Inverno demográfico que se anuncia, e que poderá ser ainda pior do que o ocorrido nos tempos da troika.

O declínio da natalidade num dos países do mundo onde nascem menos crianças e onde a estrutura etária da população é das mais envelhecidas compromete o nosso futuro colectivo. Ao contrário das aprendizagens, essenciais ou não, que se podem reprogramar, o adiamento dos projectos de maternidade/paternidade significa muitas vezes a sua não concretização. A maternidade tardia força também muitos pais a ficarem-se pelo filho único – muitas vezes também único sobrinho e neto – que já é a realidade mais comum entre as famílias actuais. As falências, o desemprego forçado, a perda de rendimentos, irão ter um forte impacto na qualidade de vida das famílias, com efeito no melhor activo que cada país pode ter: a sua população.

Um plano nacional para recuperar os nascimentos perdidos parece-me bem mais urgente e decisivo do que um plano para recuperar aprendizagens, algo que sempre fez parte, do trabalho dos professores. Para este último, nem precisam de inventar nada: basta não estorvarem. Dêem condições às escolas e deixem trabalhar os professores. Por cá, trataremos do resto.

Vergonha nacional

pre-escolarUm país que viu descer a natalidade a mínimos históricos não conseguir, mesmo assim, assegurar a universalização do pré-escolar a todas as crianças é, efectivamente, e sem ter medo das palavras, algo que nos deve envergonhar colectivamente.

Recordo que a universalização da educação pré-escolar a partir dos três anos fez parte do rol das promessas não cumpridas do anterior governo socialista. Não conseguiram inventar nenhum “projecto” para pagar a medida com financiamentos europeus e, claro, tapar os buracos da gestão fraudulenta na banca esteve sempre à frente, na lista de pagamentos, do investimento público em Educação.

Ainda assim, o Governo não tem todas as culpas. Porque não vi, nem da parte da sociedade civil nem das oposições, o empenhamento necessário para forçar o governo a corrigir a sua política. Numa sociedade com cada vez menos crianças, não tardará muito, se continuarmos por este caminho, a que rendam mais votos as medidas tomadas a favor de cães e gatos do que da educação, da saúde e do bem-estar das nossas crianças.

Talvez agora, que o assunto adquire visibilidade a nível internacional, o Governo demonstre o empenhamento que não teve perante a complacência nacional…

Se for cumprido o que se encontra previsto no Orçamento do Estado (OE) para 2020, Portugal poderá deixar de figurar ainda este ano na “lista negra” dos países que continuam a não ter vagas necessárias para garantir a frequência da educação pré-escolar às crianças com três anos de idade.

É esta, aliás, uma das características destacadas no último relatório da rede europeia Eurydice com os Números-chave sobre a Educação Pré-Escolar e Cuidados para a Infância na Europa, divulgado na última semana. Cerca de metade dos 38 países analisados neste estudo têm oferta gratuita do pré-escolar a partir dos três anos, Portugal incluído, mas, “em contraste” com o que se passa na maioria dos casos, por cá “ainda se observa uma falta considerável de vagas para este grupo etário”, frisa-se no relatório. Que aponta como explicação para esta situação o facto de o “direito legal” a uma vaga só estar disponível para crianças a partir dos quatro anos.

Este “direito legal” consiste na obrigação de o Estado garantir vagas a todas as crianças inscritas na educação pré-escolar. É o que se chama universalização deste nível de ensino, que já está garantida entre os quatro e os cinco anos de idade, tendo sido criadas desde 2016 cerca de mais 7500 novas vagas na rede pública.

Deixar de ter filhos, ou mudar de vida?

antinatalismo.JPGA emergência climática – ou seja, as graves e em grande medida irreversíveis alterações climáticas que a actividade humana está a provocar no nosso planeta – impôs-se na agenda política mundial. Embora seja ainda muito mais o que se discute do que as acções concretas para travar um fenómeno que irá degradar significativamente as condições de vida na Terra – e a sua capacidade de sustentar uma população que continua a aumentar.

Por outro lado, também constatamos que as preocupações com os graves problemas ambientais continuam a ser largamente ignoradas entre os decisores políticos e boa parte da opinião pública dos países poluidores. Por exemplo, é na Europa que se fazem as maiores campanhas pela eliminação e tratamento dos plásticos. Mas é de rios asiáticos e africanos que provêm 90% dos plásticos que contaminam os oceanos. E que dizer da força que ainda tem nos EUA o negacionismo climático, que ganhou um novo impulso após a eleição de Trump, ou das intenções de Bolsonaro e da sua trupe de destruir o que ainda resta da selva amazónica?

Neste contexto, há uma posição radical que começou recentemente a ganhar popularidade: a daqueles que entendem que, no actual estado de coisas, o melhor que temos a fazer é parar de ter filhos. Já que a pressão sobre a natureza é exercida pela actividade humana, e esta não dá mostras de diminuir, então a solução seria travar o crescimento demográfico perante a eminência da escassez e da destruição de recursos. O antinatalismo foi ainda recentemente evocado entre nós, por uma organização holandesa que veio à Praia das Maçãs celebrar a baixa taxa de natalidade portuguesa.

Contudo, se o crescimento demográfico continua a ser um problema grave em África e no sul da Ásia, não me parece que as políticas antinatalistas façam grande sentido em países como Portugal, que com os seus 1,3% de taxa de natalidade caminha a largos passos para o declínio demográfico e o envelhecimento acentuado da sua população. E há outro problema: mesmo quando as políticas antinatalistas se mostram eficazes – o que nem sempre sucede – só têm resultados significativos a muito longo prazo. Ora isto contradiz a própria ideia de emergência climática: é preciso agir de imediato, tomando medidas concretas que permitam controlar factores determinantes como a poluição e a emissão de gases com efeito de estufa. Não há tempo para ficar à espera do impacto que irá ter, daqui a 20 ou 30 anos, a decisão dos que hoje prescindem de ter filhos.

Como explica Blythe Pepino, uma defensora – moderada – do movimento antinatalista. Ela não quer que as pessoas parem definitivamente de ter filhos, mas sim usar o antinatalismo como forma de pressão para que os governos tomem medidas efectivas em defesa do planeta. E salienta o que é, nesta complexa questão, verdadeiramente importante:

As crianças não libertam emissões [de CO2]. O problema é aquilo que compramos para elas, a forma como as alimentamos, o sistema em que vivemos e que nos obriga a ter altos níveis de consumo. Esse é o problema. Centrar a discussão no controlo populacional é desresponsabilizar o nosso estilo de vida. Eu vou ter de mudar o meu estilo de vida, quero que isso aconteça. Mas há muitas pessoas que não querem e centram-se no controlo demográfico porque, assim, não têm de desafiar o seu estilo de vida.

Colaborações: ComRegras

topo-e-fundo_ComRegrasNo Topo: Organização semestral do ano lectivo 

Em Odivelas o ano lectivo já não se divide em trimestres. Nas escolas básicas e secundárias do concelho foi adoptada a organização semestral do ano lectivo. No debate educativo, o assunto esteve em discussão durante esta semana, suscitando reacções que parecem ser maioritariamente favoráveis. Teoricamente, o modelo traz vantagens…

No Fundo: Universalização do pré-escolar – a promessa não cumprida

Um relatório europeu sobre o acesso à educação pré-escolar veio trazer à berlinda uma realidade incómoda: entre os cinco meses de vida – quando terminam as licenças de maternidade – e até que atinjam os quatro anos de idade, o Estado não dá resposta às necessidades das crianças em idade pré-escolar.

O pré-escolar ainda não é para todos

educadora1Em Portugal, o tempo que vai entre o fim da licença de maternidade e a altura em que as crianças têm garantido um lugar nos espaços dedicados ao seu cuidado antes do ensino obrigatório é 3,5 anos, revela o relatório da Eurydice sobre os cuidados na infância antes da entrada para a escola obrigatória (“Key Data on Early Childhood Education and Care in Europe 2019”). É um valor a meio da tabela, num cenário em que apenas sete países europeus aparecem sem qualquer tempo de espera nessa matéria e em que há nove com uma espera entre cinco e seis anos.

Em vez de se olhar para a descida da natalidade como uma oportunidade para reduzir a despesa social, ao mesmo tempo que hipocritamente se lamenta o declínio demográfico e o envelhecimento da população, eis aqui algo que se poderia e devia fazer para estimular a natalidade: ampliar a rede de creches e infantários de forma a garantir o acesso a todas as crianças, gratuito ou a custos acessíveis às famílias.

Efectivamente, não é preciso nomear académicos de renome para estudar o problema, como se fez no tempo de Passos Coelho, ou ir anunciando medidas avulsas que depois não se concretizam, como prefere o Governo actual. Recorde-se que foi várias vezes assumida como meta desta legislatura a universalização da educação pré-escolar a partir dos três anos de idade. Porque é que deixou de se ouvir falar do assunto?

As experiências internacionais mais bem sucedidas mostram claramente que as políticas natalistas dispensam tanto a demagogia barata como as comissões de sábios e os seus estudos complexos e nunca concluídos. Basta a vontade política de implantar políticas concretas de apoio às famílias que querem ter filhos: alargamento das licenças de maternidade e paternidade, legislação laboral e regime fiscal que protejam as famílias e os direitos parentais e, naturalmente, uma rede de educação pré-escolar acessível e disseminada por todo o país.

Sendo um dos países do mundo com menores taxas de natalidade, haver que estão pior do que nós no acesso aos jardins-de-infância não deve servir de consolo. Precisamos urgentemente de reverter o declínio quase irremediável em que a demografia portuguesa parece ter mergulhado. Isso implica investir mais e melhor nas futuras gerações, nos pais que querem ter filhos e nos educadores e professores que os irão educar e instruir.

Mais alunos para as escolas públicas?

entrar-escola.gifGanhos do ensino público com cortes nos colégios esgotaram-se este ano

Um estudo do Ministério da Educação confirma que redução do financiamento do Estado aos colégios levou ao aumento do número de alunos nas escolas públicas de vários municípios, mas que esta tendência já não se manterá a partir do próximo ano lectivo.

Em algumas zonas do país, o fim dos contratos de associação aumentou a frequência das escolas públicas de onde os alunos tinham sido desviados pela competição dos colégios. E o que Clara Viana, a jornalista do Público que costuma tratar destes assuntos, nos quer dizer é que esse efeito acabou. Reduzidos os contratos com as escolas privadas à expressão que devem ter – suprir as carências da rede pública, não entrar em concorrência com ela, duplicando a despesa a cargo dos contribuintes – este factor deixará de influir no acréscimo de alunos nas escolas portuguesas.

Contudo, podemos ir um pouco mais longe e apontar outras causas para a falta de alunos de que quase todas as escolas se queixam. Entre elas, o declínio demográfico induzido pela política de austeridade do governo de Passos Coelho. Nessa época, a natalidade não parou de diminuir, atingindo-se no ano de 2014 o valor mais baixo desde que há registos: pouco mais de 82 mil nascimentos. Um triste recorde que ficará a ensombrar os anos negros do passismo e a sublinhar a profunda hipocrisia da direita, tão pronta a defender o natalismo e os “valores da família” como a dificultar a vida aos casais que querem ter filhos. Ora são precisamente essas poucas crianças nascidas em 2014 que, em 2020, irão iniciar o 1.º ciclo do ensino básico.

Quanto ao futuro próximo: os 87 mil nascimentos anuais, valor em que a natalidade portuguesa parece ter estabilizado nos últimos anos, significam que, dentro de poucos anos, poderemos contar com mais alunos nas escolas portuguesas. Esta tendência sairá reforçada se o movimento migratório continuar a seguir a evolução recente, diminuindo a emigração de adultos jovens – e dos seus filhos – e aumentando a imigração, que também vem trazendo crianças para as nossas escolas.

Claro que a demografia é o que é, as vivências e as mentalidades mudam e não será realista pensar que possamos, num futuro próximo, alcançar os cem mil nascimentos anuais que tínhamos há dez anos atrás. Mas não estamos condenados a permanecer, como somos hoje, um dos países com menor natalidade do mundo. Políticas integradas de apoio à família, leis laborais amigas da natalidade, incentivos reais, do Estado e das empresas, aos pais e às mães: tudo isto pode e deve ser feito. Os bons resultados obtidos noutros países demonstram a eficácia das medidas.

Por cá, a próxima campanha eleitoral poderá ajudar a perceber se o problema da natalidade, associado ao do acelerado envelhecimento da população portuguesa, constitui matéria prioritária para os partidos que irão disputar o nosso voto. Se nem os partidos discutirem este tema crucial para o nosso futuro colectivo nem forem obrigados a fazê-lo pela pressão da opinião pública, então será caso para recear que tudo continue na mesma…

Ter filhos na Suécia

familia.JPGPortugal é hoje dos países do mundo onde nascem menos bebés, uma tendência que, a par com o acentuado envelhecimento da população, compromete seriamente o nosso futuro colectivo. O tema, preocupante, vem de tempos a tempos à ribalta da discussão política, mas rapidamente cai no esquecimento: as medidas que haveria a tomar são dispendiosas, não rendem votos no imediato e só a longo prazo se obteriam alguns resultados. E assim se vão propondo e anunciando, de tempos a tempos, medidas avulsas e inconsequentes para remediar o problema. Ou, em alternativa, nomeando sucessivas comissões para estudar o assunto e encontrar soluções que incentivem os Portugueses a ter mais filhos.

E, no entanto, políticas natalistas eficazes não são um mistério nem um segredo bem guardado: vários países europeus, embora não tenham ainda conseguido inverter o lento declínio demográfico sem a ajuda da imigração, conseguiram suster a queda da natalidade, retirando-a dos níveis que em Portugal ainda enfrentamos. Um desses países é a França, sobre a qual já por aqui se escreveu. Outro bom exemplo é a Suécia.

Quase a fazer 30 anos, Mafalda Samuelsson-Gamboa tem duas filhas, uma de três anos e outra de dois meses. Vive na Suécia há cinco anos e acredita que, se tivesse ficado em Portugal, não seria ainda mãe. Por várias razões: “Acho que em Portugal não teria condições, muito provavelmente os rendimentos não chegariam. Parece-me quase surreal os valores dos ordenados mas sobretudo a postura em relação à gravidez. Para mim seria impensável ter o bebé e ir logo trabalhar”, explica a partir de Gotemburgo.

Entenda-se o que Mafalda quer dizer por “ir logo trabalhar”: da primeira filha esteve um ano e meio em casa de licença e da segunda bebé ficará oito meses. Daí para a frente é o pai que toma conta das crianças. E na Suécia não há sequer hipótese de ter menos de um ano de licença parental: em nenhuma creche se aceitam crianças abaixo dos doze meses de idade, sendo que em alguns casos além da idade as crianças têm de já conseguir andar.

Licenças parentais longas, abonos de família universais, uma boa rede de creches e infantários, partilha igualitária de responsabilidades e tarefas entre o pai e a mãe: tudo isto convida os casais a ter filhos. Mas não é tudo: há um comprometimento da sociedade no seu todo para com os direitos e as responsabilidades inerentes a ser pai. A começar pelos próprios patrões…

[…] a grande diferença é que as entidades patronais não podem recusar a parentalidade. Se avisarmos com dois meses antes eles têm de aceitar. Seria um escândalo se algum patrão pusesse entraves ao gozo dos dias de parentalidade. Depois, toda a gente sai muito cedo do trabalho”, explica Mafalda. Um exemplo concreto: “Se eu fosse buscar a filha às 5 da tarde ela era a última na creche. E é esta cultura que faz com que se tenha mais crianças.”