Reparações

Nos seus tempos de jornalista e intriguista, Marcelo Rebelo de Sousa notabilizou-se como criador de factos políticos. Informar e discorrer sobre o que se passava era coisa pouca para o hiperactivo Marcelo: quando a agenda era curta e os factos políticos pouco sumarentos, havia que ficcionar outros para nutrir um debate político feito de fait divers e questiúnculas artificiais.

Isto vai ao encontro de uma tendência muito comum nas “democracias avançadas”, podendo Marcelo, até certo ponto, ser considerado um percursor: a profusão de temas lançados para o debate público permite aos políticos e aos líderes de opinião promover a discussão intensa do acessório, para que raramente ou nunca se discuta o essencial.

Vem isto a propósito do tema, repetidas vezes suscitado pelo Presidente da República, das eventuais reparações que Portugal deveria fazer às suas ex-colónias por séculos de guerra, ocupação, saque de recursos naturais e bens culturais, escravatura. Não se percebe o que pretende Marcelo “reparar” com as suas palavras – desconfio que apenas ouvir-se a si próprio ou, eventualmente, confirmar se continua capaz de condicionar artificialmente a agenda política – mas noto que o assunto é constrangedor para todos, a começar pelos próprios africanos e brasileiros.

A verdade é que a História é o que é, sendo certo que nada do que façamos no presente vai alterar o passado. Aqueles que mais reclamariam a reparação das misérias e sofrimentos que os fizemos passar morreram há muito. As elites locais que substituíram os antigos colonizadores, não parece que estejam muito precisadas de ajuda externa: nos seus bolsos acaba muita da “ajuda ao desenvolvimento” destinada às populações carenciadas. De resto, existem relações de amizade e protocolos de cooperação entre Portugal e os restantes países de língua portuguesa que beneficiam efectivamente estes países e os seus povos.

Agora, se o objectivo de Marcelo é fazer com que cada português desembolse alguma coisa para compensar roubos, mortes e destruição causados pelos nossos antepassados, aí cumpre notar que nem todos teremos a mesma quota parte de responsabilidade, nem beneficiámos da mesma forma dos desmandos do colonialismo. Por exemplo o pai do actual presidente fez grande parte da sua carreira política, durante o Estado Novo, à custa da exploração colonial: foi, entre outras coisas, governador de Moçambique e ministro do Ultramar. Se vamos a contabilidades, podemos bem começar por aqui.

Imagem daqui.

Comentar

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.