Licenciado aos 10 anos?

laurent-simons.jpgDe tempos a tempos surgem estes casos de precocidade extrema: miúdos que começam a ler e a escrever quando os outros ainda se limitam a explorar o mundo físico que os rodeia. Que fazem leituras extensas e desenvolvem raciocínios matemáticos enquanto os colegas soletram e contam pelos dedos. Quando este enorme potencial de aprendizagem é explorado e incentivado ao máximo, há miúdos que conseguem chegar à universidade enquanto os colegas da mesma idade ainda não concluíram o ensino básico. Mas julgo que nunca me tinha deparado com um caso como o que há dias era noticiado pelo JN.

Laurent Simons tem nove anos e aos oito conseguiu terminar o secundário. Os pais queriam que a criança se formasse antes de completar 10 anos. Mas, um conflito com a Universidade de Eindhoven de Tecnologia, na Holanda, colocou um ponto final nesse desejo.

O menino-prodígio nascido na Bélgica faz 10 anos no dia 26 de dezembro e os progenitores pretendiam que ele se formasse em Engenharia, na Universidade de Eindhoven de Tecnologia (UET) antes dessa data.

No entanto, e segundo escreve a BBC, os responsáveis da universidade explicaram aos pais que tal desejo seria impossível de concretizar, já que Laurent ainda tem uma série de exames para completar até terminar a licenciatura, que, por norma, tem a duração de três anos.

Pais e universidade andam agora de candeias às avessas. Enquanto aqueles parecem apostados em manter o filho numa corrida de velocidade, tendo em vista a obtenção do canudo, e fazem já planos para o doutoramento numa universidade norte-americana, os responsáveis académicos parecem preocupados em assegurar o ritmo mais adequado ao “desenvolvimento académico” do jovem estudante.

Céptico por natureza em relação a estes casos, julgo que a chave da questão está em algo que se discute muito nos dias de hoje e que entre nós se corporiza naquilo a que oficialmente se chamou o “perfil do aluno”: estudar é apenas adquirir conhecimentos académicos? Dizem-nos que o pequeno Laurent absorve todo o tipo de conhecimentos “como uma esponja”. Mas é apenas isso que se pretende da educação? Não é necessário tempo para assimilar, interagir, aplicar os conhecimentos adquiridos? Basta apenas definir um calendário de exames para validar as aprendizagens realizadas, ou deverão a  escola e a universidade do século XXI exigir outro tipo de provas e trabalhos aos seus estudantes?

Outra faceta da questão tem a ver com a infância que de certa forma poderá estar a ser roubada a esta criança. É certo que parece feliz e gostar da vida que tem, mas não lhe estará a ser retirado algo, em termos de experiência de vida, que nunca irá recuperar?

Demasiadas dúvidas, e poucas certezas, continuam a pairar sobre a realidade dos sobredotados…

Acabar o Secundário aos oito anos

laurent.JPGLaurent Simons tem apenas oito anos, um QI de 145 e um diploma do secundário na mochila. A criança de oito anos nascida na Bélgica mas a viver actualmente em Amesterdão, na Holanda, concluiu o ensino secundário este ano, depois de condensar seis anos de estudos em apenas um ano e meio. À cadeia de televisão belga VRT, disse que a sua disciplina preferida era a Matemática. “Porque é tão vasta. Tem estatística, geometria, álgebra…”

Agora, Laurent tem dois meses de férias antes de abraçar o próximo desafio: a universidade. O rapaz ponderou estudar para se tornar um astronauta ou um médico cirurgião, acabou por escolher seguir Engenharia Informática na universidade. Não que a escolha preocupasse demasiado os pais: “Se ele decidisse ser carpinteiro, isso não seria um problema para nós — desde que fosse feliz”, disse o pai durante a mesma entrevista.

Como não é invulgar ocorrer noutros casos de alunos sobredotados, Laurent revelou dificuldade em concentrar-se nas aulas. Não porque a matéria fosse particularmente difícil, mas porque se aborrecia. “Às vezes os alunos demoravam demasiado tempo a responder e eu respondia por eles”, contou.

Fazer progredir mais rapidamente na escolaridade os alunos sobredotados é uma receita antiga que as escolas vêm aplicando a alunos que aprendem depressa – por vezes já descobriram sozinhos o que os professores lhes querem ensinar – e reclamam um ensino mais exigente e desafiante. Mas estes casos extremos de precocidade impressionam-me sempre: seis anos de ensino secundário condensados em ano e meio, e a entrada na universidade aos oito anos parecem-me um exagero. Não porque duvide das extraordinárias capacidades intelectuais de um pequeno número de crianças, mas porque me parece que por detrás destas decisões está uma concepção estritamente académica da escola: esta serve apenas para aprender a Matemática, as Línguas, as Ciências Naturais e Humanas, ou destina-se também a explorar o mundo das artes e das expressões e a socializar as crianças e jovens com os seus pares?

Há outra coisa paradoxal no universo dos sobredotados: embora revelem capacidades excepcionais na infância e, alguns, ainda na adolescência, tendem geralmente a tornar-se adultos “normais”. Os grandes cientistas, escritores ou filósofos não se costumam distinguir, regra geral, pela precocidade. Apenas em áreas muito específicas, como as artes plásticas, a música e o desporto, o começar cedo tende a potenciar o máximo desenvolvimento do potencial dos artistas e atletas. Mas nem sempre…

Para o fim, fica a maior das perplexidades: o que quererá ser o pequeno Laurent quando for grande? Talvez a criança que, no devido tempo, não chegou a ser…

Sobredotados

sobredotados.jpgOs alunos sobredotados são hoje tema de destaque no Público. São, segundo estimativas internacionais, 3 a 5% da população estudantil os alunos que aprendem com tanta rapidez e facilidade que cedo as aulas deixam de lhes despertar interesse. A lei prevê que estes alunos tenham uma resposta educativa diferenciada, tal como sucede nos casos, bem mais frequentes, dos alunos com dificuldades de aprendizagem. Na prática, a capacidade de resposta das escolas às solicitações dos alunos sobredotados e das suas famílias é muito reduzida. E, por vezes, vai-se pelo caminho mais fácil, mas nem sempre mais aconselhável, que é avançar o aluno para o ano de escolaridade subsequente.

O avanço escolar “é uma resposta, mas não chega”, avalia a presidente da delegação de Braga da Associação Nacional para o Estudo e Intervenção na Área da Sobredotação (ANEIS), Cristina Palhares. Isto porque, contrariamente ao “mito” de que os alunos sobredotados são bons a todas as disciplinas, isso nem sempre corresponde à verdade. “Alguns são melhores em determinadas áreas e outros noutras. Por isso, passar um ano pode ser contraproducente”, afirma. A solução tem que passar sempre por “um trabalho diferenciador” junto dos alunos com capacidades extraordinárias.

Também é importante perceber que a escola não existe apenas para aprender, cumprindo igualmente a função de socializar os alunos com os seus pares. Ora o aluno sobredotado é muitas vezes uma criança ou jovem tímido e introvertido, e nesses casos passá-lo para uma turma de colegas mais velhos não é geralmente a melhor opção. A escola existe, não apenas para potenciar as melhores capacidades de cada aluno, mas também para o ajudar a desenvolver competências naquilo que é menos bom. E não é por ser um génio a Matemática que não deve desenvolver as capacidades de comunicação e expressão, ou vice-versa. Assim como um músico talentoso ou desportista de alta competição não devem ser dispensados das restantes disciplinas para se dedicarem apenas àquilo em que são excepcionais. Mas, claro, cada caso é um caso:

Quando chegou a este estabelecimento, há dois anos, entrou no 8.º ano, mas em Janeiro recorreu à figura do avanço escolar e passou para o 9.º. O resultado não podia ter sido melhor. “Até então o Pedro não sabia o que era o desafio escolar. Era tudo fácil, fazer um teste era um pró-forma”, diz a mãe, Maria Tavares. A grande mudança para ele foi, contudo, psicológica. “Hoje está tranquilíssimo na escola.”

Quanto às dificuldades de concretizar na prática outras modalidades de enquadramento e apoio escolar aos alunos sobredotados, elas são igualmente referidas nos trabalhos jornalísticos que venho a citar:

“Os currículos são centrados na obrigação de todas as crianças aprenderem as mesmas coisas ao mesmo tempo. Isso nunca acontece”, enquadra José Morgado, psicólogo do Centro de Investigação em Educação do ISPA — Instituto Universitário. A resposta dos professores devia ser, em teoria, a diferenciação pedagógica. A realidade é, porém “bem mais complexa”.

“Há questões curriculares e questões educativas, como o exagerado número de alunos por turma nas áreas mais demograficamente carregadas, que o tornam muito complicado”, explica José Morgado.

Os programas “são ainda muito fechados” e os professores “estão muito preocupados em cumpri-los”, concorda o presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, Filinto Lima. Não há, por isso, grande margem para dar atenção aos alunos que têm facilidade em aprender: “Preocupamo-nos sobretudo com os alunos com dificuldades.”

Na verdade, enquanto a prioridade apontada às escolas for a de não deixar nenhum aluno para trás, os problemas daqueles que já lá vão bem à frente, e até se mostram capazes de caminhar sozinhos, estarão sempre em segundo plano. A falta de recursos materiais e humanos e de autonomia para quebrar as tradicional rigidez que é imposta no cumprimento dos programas, na distribuição das cargas curriculares e na constituição das turmas fazem o resto.

Universidade aos 12 anos?

diki.JPGDiki Suryaatmadja, uma criança indonésia com apenas 12 anos, tem um quociente de inteligência (QI) próximo de 200 – a média anda pelos cem – e já foi admitido na Universidade de Waterloo, no Canadá. Mas os psicólogos receiam que o acesso tão prematuro ao ensino superior possa correr mal. “Como é que uma criança se vai relacionar com jovens de 18, 19 e 20 anos, que têm outros interesses? Há o risco de desestabilização e antissocialização”, alerta a presidente da Associação Portuguesa de Crianças Sobredotadas (APCS), Helena Serra, revelando que em Portugal não há nada parecido. Nem a lei o permite.

O génio indonésio natural de Java, que aprendeu a falar inglês em apenas seis meses vendo filmes e lendo livros americanos, está matriculado no curso de Física e também vai ter aulas de Química e de Economia. Passa a ser o estudante mais novo da história daquele estabelecimento de ensino superior sediado em Ontário, a província mais populosa do Canadá.

Não duvido de que alguns miúdos, além de terem uma inteligência muito acima da média, a desenvolvem de forma muito precoce: começam a falar fluentemente quando os da sua idade apenas balbuciam algumas palavras, aprendem a ler muito cedo e mostram grande interesse sobre assuntos específicos em relação aos quais revelam grande entendimento e capacidade de aprendizagem.

Outras crianças mostram-se especialmente dotadas para a música ou o desporto, sendo que nestas áreas a precocidade é uma característica de muitos dos que se vêm a afirmar como grandes compositores e instrumentistas, ou campeões em algumas modalidades desportivas.

Já no campo das matemáticas, das físicas ou das ciências naturais, parecem escassear os exemplos de grandes cientistas que se tenham afirmado especificamente por começarem cedo a estudar e a investigar nas suas futuras áreas de especialização. Os einsteins levam tempo a aparecer, e a precocidade dos pequenos génios tende a diluir-se à medida que vão crescendo e focando a sua inteligência em interesses mais diversificados.

Se acho aceitável, em casos muito específicos e depois de uma avaliação rigorosa, que um aluno possa encurtar em um ano o seu ciclo de estudos no ensino básico ou no secundário, já não me parece sensato antecipar a ida para a universidade a um miúdo que ainda nem chegou à adolescência.

Acredito que o pequeno Diki terá os conhecimentos e a capacidade intelectual para estudar e ter bons resultados nas cadeiras universitárias em que se inscreveu. Mas acho que há muitos outros conhecimentos, e sobretudo vivências, que a entrada precoce na universidade o privará de obter, sobretudo na relação com rapazes e raparigas da sua idade.

E assinalo também a incoerência com que nos dias de hoje se promove a longa permanência dos jovens nas instituições de ensino superior, coleccionando cursos e graus académicos, interrompendo os estudos para estágios e anos sabáticos, repetindo anos para melhorar classificações, ao mesmo tempo que se promove a entrada de miúdos sem a idade nem a maturidade exigíveis, como se disso dependesse a salvação da humanidade.

Sobredotado

csdiazMesmo para quem começou a ler aos três anos, chegar à universidade aos 9 é um feito. Que esteve ao alcance de Carlos Santamaría Díaz, porque cedo se percebeu que as suas capacidades não se ajustavam ao percurso letivo tradicional, tendo os pais optado por fazê-lo saltar etapas e seguir um percurso de ensino – em tudo – alternativo.

Atualmente, Carlos é um dos mais aplicados estudantes da Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM), onde todos os dias, das cinco às nove da tarde, assiste às aulas do curso de bioquímica e energia molecular na Faculdade de Química.

Deixam-me sempre muitas dúvidas estas histórias de alunos sobredotados, sobretudo estes casos extremos de precocidade que são reais, mas que muitas vezes desorientam os adultos que nem sempre lhes encontram a resposta adequada. Porque as crianças pequenas são em geral muito curiosas. Quando isto se conjuga com um desenvolvimento de competências intelectuais muito precoce, podemos deparar-nos com uma inteligência insaciável à qual se procura, e bem, dar resposta. Neste caso, o miúdo tem aulas na universidade de tarde e de manhã aprende as coisas próprias da sua idade através de, suponho, um programa de ensino à distância com exame final no 4º ano.

Não sei no que isto vai dar: na maior parte dos casos os alunos precoces em idades muito baixas acabam, com o crescimento, por ver atenuada a sua precocidade. Já tive alunos considerados sobredotados no 1º ciclo que no 3º já não se distinguiam especialmente dos seus pares. E que precisavam mais, para crescerem enquanto pessoas, de desenvolver as relações interpessoais com os colegas e de investir nas áreas de estudo em que eram menos bons do que de continuar a cultivar a suposta genialidade na Matemática ou na Física.

Porque também se confunde muito isto, o ser um génio numa certa área e a precocidade no desenvolvimento de determinados interesses e capacidades cognitivas. Não me parece que a inteligência de Einstein tenha brilhado precocemente, assim como ainda estou à espera de ver os grandes contributos para o desenvolvimento científico da humanidade trazido por crianças de tenra idade.

Estimular a curiosidade e o desejo de saber por parte de miúdos superinteligentes parece-me sempre adequado, mas sem os impedir de serem crianças nem gerar neles ou em relação a eles expectativas que possam vir a torná-los adolescentes ou adultos imaturos, inseguros e frustrados.