Os resultados, aparentemente desastrosos, das provas de aferição – chegou a haver, nalguns parâmetros aferidos, percentagens superiores a 80% de alunos que não conseguiram fazer o que lhes era pedido – estão a suscitar diferentes reacções da parte dos diversos intervenientes e interessados nestas coisas. Interessa ver é se bate a bota com a perdigota, ou seja, se aquilo que dizem é o resultado de uma análise e reflexão serena, com base nos resultados e nas condicionantes destas provas, ou é apenas o engatilhar de um discurso que já estava preparado para o efeito.
Comecemos pelo ME, onde o secretário de Estado João Costa se confessa preocupado com o facto de tão grande número de alunos não estar a aprender “com qualidade”, desfiando em seguida o rol de medidas que pretende implementar. E que são, regra geral, mais do mesmo:Segundo João Costa, a Português será feito um estudo do impacto dos projetos dirigidos ao desenvolvimento da leitura e da escrita nos 2.º e 8.º ano, com o alargamento da formação de professores do 1.º ciclo, com a atualização e a reedição dos materiais produzidos pelo Programa Nacional do Ensino do Português.
Do lado dos representantes dos pais, a Confap insiste numa linha que também já não é nova: rejeitam a escola “do autocarro” e querem mudanças que façam sentido numa “escola do século XXI”, um slogan tão sedutor quanto vazio de sentido. Ainda assim, as palavras destes pais, que querem uma “revolução” no sistema educativo, merecem reflexão mais atenta e demorada, pelo que provavelmente se justificará voltar a elas um dia destes…
Quanto aos professores, as reacções são variadas e reflectem uma visão que, ao contrário do olhar exterior dos pais e dos académicos, dirigentes e burocratas ministeriais, foca sobretudo o contexto em que estas provas surgiram e foram aplicadas.
- Tendo em conta que os resultados estão muito abaixo dos habitualmente obtidos, quer em provas nacionais de final de ciclo, quer em testes internacionais, nenhuma análise séria pode ser feita se não se questionar, previamente, a própria concepção e elaboração das provas, que provavelmente não avaliam correctamente o que era suposto avaliarem;
- Os níveis de exigência estavam desajustados em relação à idade dos alunos e aos anos de escolaridade em que se aplicaram as provas, sobretudo no caso do 2º ano, onde ainda pouco há para aferir;
- Passou-se a ideia de que estas provas “não contam para nada”, o que terá levado, sobretudo entre os alunos mais velhos, a que houvesse pouco empenhamento na realização dos exercícios propostos, sobretudo quando implicavam a produção de texto ou a elaboração de raciocínios mais complexos;
- Os melhores resultados obtidos na área das expressões do 1º ciclo, onde se esperavam maiores dificuldades, tendo em conta as falhas que têm sido reportadas nesta área, sugerem que o conhecimento prévio do que iria ser avaliado contribuiu para a melhoria de resultados.
Depois de ter acabado com os exames no 1º e no 2º ciclo, este ministério necessitava de uma avaliação nacional que pudesse fazer o ponto da situação relativamente à qualidade das aprendizagens dos alunos do ensino básico, que surgiu com as provas de aferição realizadas em 2017. E aqui, a obtenção de resultados que só não são catastróficos porque não têm consequências para os alunos pode vir dar um novo alento às mudanças curriculares que o governo pretende introduzir, mas que estão longe de despertar entusiasmo entre a maior parte das escolas e dos professores.
Estaremos assim a assistir a um clássico que já vimos com outros governos: trata-se de inculcar a ideia de que isto está pior do que a gente pensava, e de que só com as sábias medidas que o governo irá implementar – e com provas substancialmente mais fáceis daqui por um ano ou dois – será possível colocar os alunos portugueses na senda das aprendizagens de qualidade exigíveis na escola do século XXI.
Afinal de contas, sabemos há muito tempo que quando os alunos melhoram as suas aprendizagens isso se deve às iniciativas dos ministros. Já quando não aprendem a culpa é, invariavelmente, dos professores…