Uma interessante entrevista com a filósofa catalã Marina Garcés ajuda-nos a desconstruir a imensa fraude que se esconde em chavões como flexibilidade ou inovação, com os quais se pretende dar forma à escola dita do século XXI. Quando OCDE e Banco Mundial, multinacionais tecnológicas e fundações milionárias recuperam, mais no discurso do que nas práticas, pedagogias alternativas inventadas no século XX, é óbvio que o que está em causa não é qualquer revolução educativa. Trata-se de uma nova faceta do sistema capitalista – capitalismo cognitivo, assim lhe chama Garcés – que tenta formatar a Educação, pondo-a ao serviço do capitalismo neoliberal e globalizado dominante nos nossos tempos.
A verdade é que, enquanto discutimos metodologias educativas, não questionamos as transformações económicas e sociais que impõem os novos paradigmas educativos. Deveríamos debater e decidir democraticamente, isso sim, os modelos económicos e sociais que queremos para o nosso futuro. E não a pedagogia que melhor se adapta as inevitabilidades que nos querem impor.
Fica um excerto da entrevista, traduzido da versão original em castelhano, e o convite para ler mais, aqui.
Denuncia a forma como o sistema se apropriou da linguagem da pedagogia renovadora. Soa um pouco a O Leopardo, uma mudança aparente para que tudo continue na mesma.
O neoliberalismo incorporou conceitos que eram anteriormente típicos da crítica institucional e das experiências de transformação social. A luta contra as hierarquias, a rigidez… Estas lógicas – típicas do capitalismo industrial – extravasam no capitalismo cognitivo, um sistema baseado na flexibilidade e no movimento constante. Em pedagogia, a consequência é que certas práticas em tempos revolucionárias têm uma parte da sua linguagem e modos de funcionamento transferidos para os modelos hegemónicos.
A inovação como sinónimo de mudança vertiginosa, repleta de novidades tecno-metodológicas. Com uma azáfama contínua que nos impede de abordar questões fundamentais como a que coloca: como queremos ser educados?
É uma distracção que é em parte deliberada – uma vez que os mercados vêem uma oportunidade de negócio e mesmo de formatar esses futuros ainda por definir – e em parte procedente da desorientação do nosso tempo. Esconde-se a crise educativa, que é uma crise de civilização, está a ser encoberta, reduzindo o debate à metodologia e tornando difícil imaginarmo-nos em relação aos outros e com respeito a futuros partilhados. Transformámos o debate pedagógico em rivalidade e conflito entre receitas superficiais.
Nesta desorientação impõe-se em todas as áreas, incluindo a educativa, a mensagem de que tudo é demasiado complexo para ser compreendido. E que, em qualquer caso, as possíveis explicações têm data de validade.
Instalámo-nos no óbvio da incerteza. Tudo é incerto, complexo, demasiado rápido… E em vez de procurar as ferramentas para poder ler o que acontece, para decifrar a realidade, resignamo-nos a procurar respostas eficazes à mudança permanente e a treinar-nos para este objectivo. A realidade como mudança permanente é uma definição vazia de valores, relações, afectos, propósitos. E conduz a uma educação meramente adaptativa.
A ideia de que uma transformação profunda não é viável é imposta às escolas. Que o máximo a que podemos aspirar é a acatar o que chama servidão adaptativa perante um mundo em que a obsolescência e a incerteza são a norma.
A noção de servidão adaptativa é fundamental para compreender porque é que já não estamos em relações de obediência mecânica. É verdade que se mantêm algumas directrizes rígidas: horários, faixas etárias… Mas o importante é que se tenta reduzir a nossa capacidade de aprendizagem a uma flexibilidade codificada que aspira a soluções imediatas.
Para o aluno esta é uma mensagem desanimadora: tudo muda, mas tu não podes mudar nada.
Há alguns anos, algumas estudantes do ensino secundário perguntaram-me: “Como nos podemos comprometer com o nosso futuro? Respondi-lhes que comprometendo-se com o seu presente. Mas parece que o presente está anulado, que não é mais do que uma passagem, um local de circulação. O que esta actividade adaptativa não permite perceber é a relação causal entre o presente e o futuro, precisamente porque se toma como certo que tu não vais causar nada: és uma função dessa mudança, não um agente da mesma, um sujeito político.
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