O herói de Nuno Crato

henricartoon[1]A entrevista de Nuno Crato ao DN traz as patacoadas do costume, com o ex-ministro a atribuir às suas políticas os bons resultados de Portugal nos testes PISA de 2015, a menorizar os protestos e o descontentamento dos professores e a sublinhar, não deixando aqui de ter alguma razão, a continuidade de políticas, desde David Justino até ele próprio, passando pelas duas ministras dos seis anos de socratismo. E diz esta coisa extraordinária: Passos Coelho é um herói nacional!

Mas a parte mais acintosa da entrevista é a evocação da greve às avaliações de 2013:

E recorda “uma greve estúpida de professores – a razão era incompreensível – em que todos nós juntos não conseguimos encontrar solução atempadamente”. Conta que os sindicatos entenderam a impossibilidade e “vieram ter connosco para acabar com a greve. Nós percebemos que alguns deles precisavam de uma saída digna e pondo acima de tudo o interesse dos alunos e o futuro do país conseguimos chegar a acordo, mas a Fenprof recusou-se a assinar. Ou seja, negociou tudo e assinou um documento a que chamou um nome esquisito, uma base de entendimento, e lá acabou a greve – que era o que interessava”.

A greve de 2013 foi, na verdade, uma greve inteligentemente preparada e desenvolvida, que bloqueou durante semanas a realização de reuniões de avaliação e levou os professores a descobrirem a força da sua união, ao organizarem-se, nas escolas, para garantirem o sucesso da luta.

Claro que podemos achar pouco aquilo que na altura se conseguiu, sobretudo quando sabemos que parte das conquistas foram, posteriormente, revertidas. Mas existe uma profunda incompreensão do que é uma luta de trabalhadores quando se pensa que ela deve funcionar na base do tudo ou nada. O acordo que pôs fim à greve não foi um favor à Fenprof, como Crato insinua, mas o resultado de uma negociação, em que se cede nalgumas coisas para se ganhar noutras. Ou em que se adia ou ganha tempo nalgumas matérias para consolidar posições no imediato e ganhar fôlego e ânimo para novas lutas. E, acima de tudo, importa perceber que não há nem conquistas eternas nem derrotas definitivas.

Os professores terminaram a greve às avaliações de 2013 numa posição de força e quando a unidade na luta se mantinha intacta. Prosseguir os seus intentos na base do tudo ou nada significaria a divisão entre os professores, a desistência de um número significativo entre estes e o desmoronar da unidade que esteve na base do êxito desta forma de luta.

Quanto a Nuno Crato, ainda não sei se, com as suas declarações, está a revelar a faceta de sonso e de demagogo que quase sempre gosta de dissimular, se as suas declarações surrealistas são apenas o reflexo de nem sequer ter participado directamente nas negociações com os sindicatos, que foram conduzidas, na altura, pelo secretário de Estado Casanova de Almeida. A displicência com que o ministro costumava olhar para os assuntos dos professores não ajudará, também, a ter uma percepção clara e honesta do curso dos acontecimentos. Ainda assim, a diatribe anti-sindical é sempre, na falta de melhores argumentos, uma estratégia poderosa que desperta, por vezes de onde menos se espera, novos e insuspeitos aliados.

5 thoughts on “O herói de Nuno Crato

  1. Muito bom texto, caro colega.

    Efectivamente, foi uma mobilização bem organizada , de modo a haver uma rotatividade dos professores em greve. Houve ainda um esquema de pagamento a uns por outros colegas menos prejudicados pelo corte a 100% por dia de greve.

    Foram 2 semanas de uma boa organização e em que os professores se mostraram unidos e solidários.

    A continuação desta estratégia , sentia-se e sabia-se, tenderia a esmorecer.

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  2. Seria melhor termos um manual que explicasse quanto tempo demora a mobilização dos professores, mesmo quando se diz que tudo está bem organizado e unido.

    Duas semanas, é isso?

    Posso apontar no meu caderninho vermelho?

    🙂

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    • Não é uma questão de tempo, como é evidente.

      Tudo depende de muitos factores, sendo o mais importante, mas não o único, a determinação da maioria dos professores em continuar a luta.

      E isso, auscultar os professores, explicar a situação, pesar prós e contras, antes de decidir, foi feito pela Fenprof. Estive na altura numa reunião alargada do meu sindicato onde dezenas de professores falaram, uns em nome individual, outros como delegados sindicais, dando conta do “sentir” das respectivas escolas. A posição largamente dominante foi aquela que veio a ser seguida.

      Não confundir com a atitude da FNE, que pulou para o comboio da greve no último momento e roeu a corda a meio do percurso, numa tentativa gorada de enfraquecer e dividir o movimento dos professores. Curiosamente, Nuno Crato “esquece-se” de agradecer o favor…

      De resto, recordo ainda que, ao contrário de lutas anteriores, a blogosfera docente contribuiu muito pouco para a mobilização para a greve, sendo a descrença o sentimento dominante.

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