No Reino Unido, ficar sozinho é coisa que não faz medo. No passado, serviu bem os propósitos do país. Faz parte do espírito nacional e havia muito que os europeus sabiam que assim era. O general de Gaulle disse que a História separara a Grã-Bretanha da Europa. «A Inglaterra é uma ilha, marítima, ligada a países muito diferentes e muitas vezes distantes, pelo comércio, pelos mercados e pelo abastecimento alimentar», disse. E prosseguiu: «Em resumo, a natureza, a estrutura e o contexto económico de Inglaterra são profundamente diferentes dos de outros Estados da Europa.». Antes dos desembarques do Dia D, em 1944, Sir Winston Churchill dissera a de Gaulle: «Quando tem de escolher entre a Europa e o mar aberto, a Grã-Bretanha escolhe sempre o mar aberto.» Anteriormente, Churchill dissera: «Estamos com a Europa, mas não pertencemos à Europa. Estamos ligados, mas não juntos. Estamos interessados e associados, mas não absorvidos.»
Na grande discussão sobre a relação da Grã-Bretanha com a Europa, Sir Winston é reivindicado como aliado por todas as partes. Num discurso na Universidade de Zurique, no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, Churchill declarou: «Temos de recriar a família europeia numa estrutura regional, a que talvez se possa chamar os Estados Unidos da Europa…» As suas palavras foram suficientes para o seu nome ser dado a um edifício do Parlamento Europeu em Estrasburgo. Mas não é claro que lugar Churchill imaginava para a Grã-Bretanha na sua visão da Europa.
Quando a integração europeia era ainda apenas uma ideia em embrião, o Reino Unido mostrou-se céptico. Os britânicos foram convidados para as negociações sobre a criação do Mercado Comum. Enviaram Russell Bretherton, antigo deão de Oxford e subsecretário do Conselho de Comércio. Segundo alguns relatos, ao usar da palavra, Bretherton rejeitou a iniciativa. «O futuro tratado que os senhores estão a discutir não tem hipótese de ser aprovado. Se o fosse, não teria hipótese de ser ratificado; e, se fosse ratificado, não teria hipótese de ser aplicado. E, se fosse aplicado, seria totalmente inaceitável para a Grã-Bretanha. Os senhores estão a falar de agricultura, coisa de que nós não gostamos, de poder sobre as alfândegas, de que nós discordamos, e de instituições que nos assustam. Monsieur le Président, Messieurs, au revoir et bonne chance.» Dificilmente terá havido, na História britânica, uma rejeição tão desdenhosa, tomada ainda mais sarcástica pelas palavras em francês usadas no fim.
Pouco tempo depois, o então primeiro-ministro, Harold Macmillan, apercebeu-se, com muita presciência, do dilema do Reino Unido. «Será que vamos ficar entalados entre uma América hostil (ou pelo menos cada vez menos amistosa) e um ‘Império de Carlos Magno’ presunçoso mas poderoso, agora sob controlo francês mas destinado a ficar sob controlo alemão.» Fosse como fosse, o Reino Unido pediu a adesão ao Mercado Comum e o pedido foi rejeitado por de Gaulle. O Reino Unido só se tomaria membro de pleno direito da Comunidade Económica Europeia em 1973. Nunca foi uma parceria fácil. […]
Seguir-se-iam tempos turbulentos. A primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher daria um murro na mesa, em defesa do «cheque britânico», e insistiria: «Estamos simplesmente a pedir a devolução do nosso dinheiro.» O então presidente francês, Jacques Chirac, perguntou: «O que é que esta dona de casa quer de mim? Os meus tomates numa bandeja?» Thatcher, que, internamente, tentava reduzir as responsabilidades do Estado, não estava disposta a aceitar a reinstituição de regulamentações intrusivas através de Bruxelas. No tanto, apesar de todas as discussões sobre orçamentos e cláusulas de auto-exclusão, o Reino Unido desempenhou um papel importante como pioneiro do mercado único, uma das maiores realizações da União Europeia.
O Reino Unido nunca se empenhou na construção da Europa. O sonho de uma união cada vez mais estreita é-lhe indiferente. Receia o enfraquecimento do seu poder, à medida que cada vez mais decisões são tomadas a nível europeu, em Bruxelas. A crise da zona euro fez mudar o clube a que aderira. Para defenderem a sobrevivência da moeda, os dirigentes europeus enveredaram por um caminho incerto, mas que vai no sentido de uma união política ainda por definir. O Reino Unido não quer participar nela e, por isso, terá de aceitar um papel de não membro.
Gavin Hewitt, O Continente Perdido (2013)
Muito interessante.
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E premonitório.
Em 2013 sabia-se que um referendo britânico à permanência na UE seria inevitável, mas poucos anteviam a vitória do brexit…
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