1.º de Maio de 1974

Completam-se hoje 50 anos após o primeiro Dia do Trabalhador celebrado em democracia. Embora não completamente esquecido no tempo da ditadura, era vivido pela generalidade da população como um dia normal de trabalho. O Estado Novo proibia expressamente as manifestações, a não ser as supostamente “espontâneas” de apoio ao regime e ao ditador. As outras eram geralmente dispersadas a cassetete, embora se possa dizer que a ditadura também celebrava, à sua maneira, a festa proibida: umas semanas antes do 1.º de Maio, a PIDE ia prendendo, para interrogatórios e investigações, reais ou supostos agitadores que pudessem desencadear actos de protesto no Dia do Trabalhador.

Comemorando a liberdade recém-conquistada com a Revolução dos Cravos, o povo saiu à rua em Lisboa e noutras cidades do país. Embora não haja números rigorosos, calcula-se que mais de um milhão de pessoas terá participado nas concentrações e desfiles do 1.º de Maio de 1974, e que faz desse dia, muito provavelmente, o da maior manifestação de sempre realizada em Portugal. Sem tempo ainda para se afirmarem as diferenças entre partidos e tendências sindicais que haveriam de marcar o PREC e o período pós-revolucionário, o que ressalta da festa dos trabalhadores de 1974 é, a par da imensa alegria de um povo que finalmente se sentia livre, o espírito de unidade: todos rejeitavam a ditadura, a guerra, a miséria e olhavam com esperança e optimismo o futuro a construir.

Se o número de pessoas que saíram à rua se constitui como algo inédito e expressivo, este dia foi mais do que isso. Tantas vezes chamado “Primeiro 1º de Maio” – inaugural na sua celebração em liberdade, depois de 48 anos de ditadura – foi uma coisa nunca vista. João Abel Manta desenha este acontecimento para a primeira página do Diário de Lisboa: ao centro da imagem um casal jovem, com uma criança aos ombros, sorridentes, de punhos erguidos. Sem medo, felizes, vitoriosos. Festa e luta.

As ruas foram, assim, tomadas pelos corpos e pelas vozes, por todos aqueles que se constituíam, ou estavam em processo de se constituir, como sujeitos políticos. Como na canção de Zeca Afonso: O Povo é quem mais ordena. Ou ainda como titularam vários do jornais coevos que mostravam as manifestações desse Maio, remetendo para a palavra de ordem que se tornou tão central: O Povo Unido jamais será vencido. Palavra de ordem que se ouve, por exemplo, na reportagem da RTP sobre as manifestações em vários locais do país, com destaque para Lisboa.

A rua deixou de ser interdita – porque o era para os que não apoiavam ou eram arregimentados e enquadrados pela ditadura. Interdita, é certo, a rua nunca deixou de ser um território de confronto, no qual se materializava o combate desigual entre o aparato policial e repressivo do Estado e os corpos dos opositores. Mas depois da revolução de Abril, as manifestações já não podiam ser proibidas. O espaço foi reconquistado. É, assim, político e politizado.

As pessoas que saíram à rua nesse Maio trazem as suas reivindicações para o espaço público, tornam-se visíveis, audíveis e presentes. Flutuam bandeiras, os braços seguram faixas e cartazes. E há cravos. Há uma pluralidade de mensagens escritas nas faixas e cartazes, que se fazem ouvir nas entrevistas que foram feitas, que se recordam nas memórias de quem viveu o momento. Até mesmo, como se pode ver no filme As Armas e o Povo (1975), um cartaz no qual se lê: “A poesia está na rua”. São as reivindicações do mundo do trabalho, mas são muito mais do que isso. Deitam fora o velho, o bafiento, a ditadura e a guerra. Para dar lugar ao novo. Para dar lugar à construção do novo. A todas as possibilidades do que poderia ser esse novo. Este momento pode, assim, ser visto como uma irrupção popular que anuncia e materializa a nova dinâmica política. Nos meses seguintes, vivia-se em Portugal o PREC (Período Revolucionário em Curso).

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“Nunca vi nada assim”

(c) EPA/TIAGO PETINGA

Quem tem memória de comemorações da Revolução diz que a deste ano foi “incomensuravelmente” maior. O cortejo foi tão grande que a parada de chaimites demorou quase três horas a chegar ao Rossio, e quando lá chegou ainda a Avenida estava cheia.

Memoráveis as comemorações do cinquentenário do 25 de Abril, que há muitos anos não juntavam, de norte a sul do país, tanta gente na rua. Em Lisboa, a dimensão da concentração no Largo do Carmo, depois do moedinhas camarário ter tirado o tapete ao Arraial dos Cravos, mostrou que a vontade de celebrar Abril, a Liberdade e a Democracia não precisa de organizações, coreografias ou autorizações: basta as pessoas saírem à rua, juntarem-se num local simbólico e fazerem a festa que é em simultâneo uma afirmação de cidadania e de defesa dos valores democráticos. Outras cidades, como Porto e Coimbra, reuniram nas ruas muitos milhares de manifestantes a celebrar os 50 anos da Revolução.

Como explicar este entusiasmo por uma revolução que a maioria dos portugueses actuais não viveu e cujos valores vêm sendo questionados e combatidos pela direita mais reaccionária e revanchista? Uma direita revisionista que tenta reescrever o passado e nunca se conformou com o facto de, uma vez na vida, as forças armadas tenham abandonado o seu papel de defensoras do poder estabelecido para, num gesto revolucionário cujo alcance ainda hoje perdura, derrubarem a ditadura que oprimia o povo e devolverem o poder aos cidadãos.

Na verdade, apesar da nítida viragem à direita revelada nas últimas eleições, com mais de um milhão de votos obtidos pela extrema-direita chegana, a grande maioria do povo português continua determinada a defender as liberdades e a democracia trazidas pelo 25 de Abril. Embora haja sempre que se deixe iludir pela ideia de que abdicar de boa parte da sua liberdade a favor de maior autoridade e mais segurança, a memória da ditadura, que não devemos permitir que se apague, mostra-nos que é em paz, em liberdade e no respeito pelos direitos dos cidadãos e pelas regras da democracia que se constrói um futuro melhor para todos.

Desobediências

Muitos órgãos da Administração Pública não cumprem as ordens da Comissão de Acesso a Documentos Administrativos para publicarem documentos.

Vários organismos públicos não cumprem as ordens da Comissão de Acesso a Documentos Administrativos (CADA) e recusam libertar documentos mesmo após decisões favoráveis aos requerentes.

O número de processos em 2023 alcançou um recorde com 1263 casos, o maior desde a criação da CADA em 1994, indicando uma crescente exigência por transparência e acesso à informação.

O presidente da CADA, juiz conselheiro Alberto Oliveira, expressou preocupação com o que descreve como uma “resistência ao mais alto nível“, atribuindo parte do problema ao governo anterior.

De acordo com o relatório anual da CADA, 90% das decisões tomadas foram a favor dos queixosos, que incluem principalmente cidadãos individuais, jornalistas e empresas. A maioria das queixas envolve câmaras municipais, juntas de freguesia, hospitais, centros de saúde, escolas e ministérios, aponta o JN.

O incumprimento generalizado das decisões da CADA é um problema mais complexo do que se quer fazer crer. É verdade que existem leis sobre a transparência dos actos administrativos que estabelecem o direito de acesso dos cidadãos à documentação produzida pelos serviços para fundamentar decisões, sem necessidade de invocarem, sequer, o interesse directo na informação pretendida. Mas não é menos verdade que o enquadramento legal dos procedimentos administrativos institui regras de sigilo e confidencialidade que entram em conflito directo com o princípio do livre acesso aos documentos.

Vou cingir-me a uma área que, por dever de ofício, conheço razoavelmente, tal como muitos professores: a avaliação do desempenho docente, vulgo ADD. Quem criou o regime de avaliação em vigor confiou tanto ou tão pouco nas suas virtudes que instituiu a regra do secretismo de tudo o que diga respeito à avaliação de cada docente: em princípio ninguém, à excepção do avaliador, dos elementos da SADD e do próprio avaliado, tem conhecimento das classificações atribuídas.

Contudo, existindo um sistema de quotas a condicionar a obtenção das classificações ditas de mérito, as notas mais altas de alguns docentes determinam que outros, pior classificados, não obterão as vagas necessárias à progressão pois estas, à partida, não chegarão para todos. Perante isto, deve um professor que pretenda reclamar da sua avaliação poder ter acesso às fichas de avaliação dos seus colegas, às atas das reuniões onde as notas foram atribuídas e demais documentação de apoio à ADD? Nos casos submetidos à apreciação da CADA a resposta é, regra geral, afirmativa. Mas os deveres de sigilo e confidencialidade continuam inscritos na lei que, ao contrário das decisões da CADA, é vinculativa.

É por aqui que se explica que 90% de decisões da comissão sejam desrespeitadas: ninguém é punido por não cumprir aquilo que, tecnicamente, não passa de uma recomendação, a não ser que um tribunal ordene expressamente o seu cumprimento. Mas pode ser-se processado por violar a lei, quando esta manda guardar sigilo sobre documentação confidencial a que qualquer funcionário, pela natureza das suas funções, possa ter acesso.

Uma administração pública transparente, digna de um Estado de direito democrático ao serviço dos cidadãos e respeitadora dos seus direitos é muito mais do que a promoção de litigâncias em torno do acesso a documentos que, teoricamente, deveriam estar acessíveis a todos. Do que precisamos verdadeiramente não é de “comissões de acesso” mas de enquadramentos legais para os procedimentos administrativos que estabeleçam a publicidade dos actos como regra em vez de excepção. Se, pegando no exemplo de há pouco, a ADD de todos os professores de um agrupamento pode ser dada a conhecer a qualquer um, então imponha-se como regra a sua afixação pública, dando-a a conhecer a todos e não apenas àqueles que se “mexem” para a obter. Informação é poder, e tão mais democrático é um regime quanto mais esse poder estiver disseminado entre os seus cidadãos.

Pensamento do dia

Votar é um acto colectivo e o fomentar e crescer de um mundo selvagem capitalista, que só promove o ódio e individualismo, está associado ao falso acto rebelde de não ir votar, que promove a abstenção.
Penso a vida toda, nestes dias.
Mas penso essencialmente nos que sofreram e deram a vida para que nunca me tenha faltado este acto de responsabilidade colectiva.
[…]
Vão votar.

Daqui.

Crise na democracia, crise na escola pública

O Ocidente inquieta-se com o estado das suas democracias e com a radicalização de eleitores. E apesar de se acreditar que a sociedade portuguesa consolidou o amor pela liberdade e pelo sufrágio directo e universal, a crise ensombra os 50 anos do 25 de Abril e confirma a incapacidade prospectiva das bolhas política e mediática.

Para além do aumento brutal das desigualdades, a gestão orçamental dos salários da administração pública provoca as principais tensões e origina protestos intermináveis dos grupos profissionais. Como as actualizações salariais não são efectivamente transversais, a melhoria de rendimentos incide em zonas de interesse que excluem os grupos mais numerosos.

[…]

Os professores são o grupo mais numeroso. Protestam há quase duas décadas contra o clima doentio das escolas. Fogem do caudilhismo e da parcialidade, que provoca a queda das aprendizagens dos alunos e a desistência de milhares de profissionais qualificados que experimentam. São avaliados numa farsa administrativa, e sem qualquer “olhos nos olhos”, alimentada pela humilhação do estatuto social. Ainda recentemente, a comunicação social titulou insistentemente, com o apoio da máquina de spinning governativo, que os “professores faltam dois milhões de dias por ano.” Lendo o estudo, o título deveria ser assim: apesar de tudo, 90% dos professores raramente falta e 10% tem doenças prolongadas devidamente justificadas e muito escrutinadas (até, pasme-se, as gravidezes de risco). 

Com a Revolução de Abril prestes a comemorar os seus 50 anos, Paulo Prudêncio inquieta-se com a indisfarçável crise das democracias ocidentais, aparentemente incapazes tanto de moderar a crescente e excessiva acumulação de poder e riqueza nas elites dominantes como de travar o avanço de extremismos e populismos. No seu mais recente texto para o Público – também publicado no blogue Correntes – e focando-se na realidade portuguesa, o nosso colega busca a relação entre a fragilidade da democracia e a persistente luta dos professores, numa época em que o mal-estar docente, traduzido na falta estrutural de professores, se tornou uma evidência incontornável.

Vivemos tempos em que, a coberto da impossibilidade de dar tudo a todos, se desiste de favorecer a maioria, optando-se em vez disso por beneficiar franjas de privilegiados, muitas vezes sem que haja sequer um plano coerente: trata-se apenas de ceder à força da alguns lobbies ou de aplicar a clássica estratégia de dividir para reinar. Num clima de arbitrariedade e injustiça, florescem assim o individualismo e as rivalidades entre grupos – como se vê na recente crise das polícias – e dentro dos próprios grupos, como constatamos demasiadas vezes entre os professores, neste caso alimentados pelos ambientes escolares que os adoecem: o modelo autocrático de gestão, a burocracia kafkiana, a farsa punitiva e vexatória da avaliação do desempenho.

Há uma crise profunda e estrutural na escola pública, em Portugal e na generalidade dos países ocidentais. São evidentes tanto o declínio das aprendizagens e a falta crescente de professores qualificados como o desacerto das medidas que os governos vão tomando para tentar resolver problemas de fundo com soluções rápidas, superficiais e facilitistas. A escola pública está doente, e os males de que padece não se resolvem com os habituais e inúteis benurons: mais umas aulas de recuperação para os alunos e incentivos a mais esforço dos professores.

O grau zero da política

Aprendi cedo na vida que não podemos banhar-nos em água suja e sair de lá bem, viver em ambientes tóxicos e ser decente, estar ao lado de gente rude e ser gentil, o ambiente transforma-nos. Estes debates são uma vergonha, para nós, desde logo.
Que os candidatos a eles se disponham e os comentadores é uma coisa, que alguém se disponha a ver isto é um erro, sério, alguém pensar que pode escolher com base nisto é um logro, a política não é isto. Há até quem anteveja, faça prognóstico, dê avaliações, e pontos! Um exame do PISA, em breve um algoritmo pode fazê-lo. Tudo isto é um atentado à nossa inteligência e cultura e democracia. Ainda sou do tempo, criança, em que os candidatos tinham que ir às localidades, sindicatos, associações ouvir as pessoas. Agora acha-se que a democracia é as pessoas ouvirem candidatos, tudo ao contrário. Eleições democráticas representativas – uma forma de democracia, já de si bastante limitada – pressupõem ouvir o povo, escutar e depois representar. Um partido não se conhece pelo que diz em 20 minutos, num concurso a fazer-se passar por política.

Excelentes reflexões de Raquel Varela sobre a forma como, em pleno século XXI, as “democracias avançadas”, com o inestimável contributo dos media, tratam os cidadãos eleitores. Estes pseudo-debates em forma de concurso televisivo, com o seu cortejo interminável de comentadores e avaliadores, são uma caricatura do que deve ser uma campanha eleitoral esclarecedora. Cumprem, ainda assim, a função que lhes está destinada: permitir que a discussão se centre mais em culpas passadas do que em projectos para o futuro, em tricas, dichotes e soundbytes esgrimidos entre candidatos do que no confronto de ideias e programas dos diferentes partidos. Não será fácil romper esta lógica do jogo vazio de sentido em que querem transformar a política, uma alternância de governos sem verdadeiras alternativas, e que explica números tão persistentemente elevados, entre nós, de abstencionismo eleitoral. Mas penso, tal como Raquel Varela, que é fundamental fazê-lo.

É preciso não só mudar as regras mas mudar o jogo, para uma democracia substantiva que não seja uma diletante demonstração de amnésia, manipulação, frases de efeito. Este modelo leva-nos ao vazio, vazio sobre a UE e o seu papel, sobre o lugar dos empresários e da burguesia portuguesa e do seu Estado no mundo e dos baixos salários, sobre a guerra total, da Ucrânia a Israel, a degradação da qualidade de vida, a ausência de quotidiano, a vida desumanizada, entre números e gráficos, ao som de cliques de casino. O meu prognóstico é simples: ou aceitamos isto e nos tornamos isto, ou rompemos com esta forma de fazer política e pensamos outra forma de vida. Se fizermos da política um jogo vazio, seremos isso e não mais.

A «voz dos alunos» na DGE

Os alunos passaram a partir de hoje a participar nas reuniões mensais de dirigentes da Direção-Geral da Educação (DGE), uma iniciativa para “estimular a participação ativa de crianças e jovens nas suas escolas e comunidades”, anunciou a tutela.

A primeira reunião com o envolvimento de estudantes ocorreu hoje com a participação ‘online’ de alunos do Agrupamento de Escolas Miguel Torga, em Monte Abraão, Queluz, e da Escola Secundária de Cascais e teve como temas “Trabalhar a Cidadania na Escola” e “A Cidadania Ativa – O que é ser jovem cidadão?”, refere em comunicado o Ministério da Educação, acrescentando que o titular da pasta, João Costa, participou no encontro.

Segundo o comunicado, a DGE passa a ter um conselho consultivo de alunos de 66 Agrupamentos de Escola/Escolas não Agrupadas que, à vez, irão reunir-se mensalmente, durante o ano letivo, com os dirigentes da DGE para “abordarem temas que escolherem”.

“O objetivo é ouvir a voz dos alunos, responder a questões, receber sugestões e discutir propostas no âmbito da competência da DGE”, assinala o ministério.

Mais um exercício de demagogia eleitoralista, que é do que mais iremos ter, da parte do Governo, nos próximos tempos. Ímpeto verdadeiramente reformista nunca o tiveram, e agora têm a desculpa perfeita para andarem uns meses a fazer do que mais gostam: adiar a resolução dos problemas, enquanto anunciam medidas simbólicas e eleitoralistas que nada trazem, de concreto, à vida das escolas, dos alunos e dos professores. Pelo meio, vão tratando de encaixar, nas estruturas dirigentes da administração pública, o pessoal político em risco de ficar desempregado: na Saúde já estão a orientar-se

Voltando à “voz dos alunos”, se o objectivo fosse realmente promover a participação democrática na vida escolar, dos alunos e não só, o que se impunha era, antes de mais, rever o actual regime de gestão herdado do socratismo e que, de democrático, tem já muito pouco. Embora continuem a existir muito bons directores escolares nas escolas que têm a sorte de os manter, não faltam também, infelizmente, os maus exemplos de prepotência e autoritarismo entre as lideranças escolares e os seus apaniguados, quase sempre caucionados pela tutela.

De resto, mesmo com a maior das boas vontades é muito difícil levar a sério um ministro que diz, e repete, que quer ouvir a voz dos alunos, quando ao longo de oito anos no ME sempre se mostrou avesso a ouvir quem realmente conhece os problemas e sabe o que se passa nas escolas: os verdadeiros especialistas em educação – os professores!

Em defesa da paz

Londres, 28 de Outubro

Quando por todo o mundo vamos assistindo a enormes manifestações populares de solidariedade com o martirizado povo da Palestina, torna-se evidente que a narrativa dominante nos media, impulsionada pela propaganda sionista, já deixou de convencer. Mesmo o dramatismo que se tenta explorar em torno das duas centenas de reféns feitos pelo Hamas perde o seu efeito quando confrontamos as perdas israelitas com o massacre que está a ser cometido em Gaza por um estado dito de direito e democrático, ainda para mais, em completa impunidade e perante a passividade da comunidade internacional. É certo que todo o sofrimento humano merece solidariedade e respeito e todos os crimes, incluindo os que são cometidos em nome da alegada “segurança nacional”, merecem castigo, mas o foco deveria estar naquilo que ainda poderíamos evitar, que é a catástrofe humanitária em Gaza: nos próximos dias, se não houver um cessar-fogo para assistência humanitária, poderão morrer dezenas, senão centenas de milhares de pessoas, não apenas devido aos bombardeamentos mas também à falta de água potável, alimentos e medicamentos.

Entretanto, a irracionalidade campeia, e se os mais fanáticos sionistas já apelam abertamente ao extermínio dos palestinianos, noutras partes do mundo ressurgem correntes anti-semitas que ameaçam ressuscitar perseguições e pogroms, não augurando nada de bom. No meio da desgraça, talvez o mais encorajador sinal de esperança dos últimos dias seja a demonstração de que os povos, ao contrário dos seus líderes, quer a paz. Uma evidência na velha Europa, sempre pronta a dar lições ao mundo de liberdade, democracia e direitos humanos, mas onde até já se proíbem, nalguns países, as manifestações de solidariedade com o povo palestiniano. Em vão, pois as proibições apenas serviram para chamar os cidadãos às ruas, desafiando e desautorizando estadistas medíocres, que não sabem nem estar à altura das suas responsabilidades nem interpretar os sentimentos e a vontade do povo que representam, preferindo alinhar politicamente ao lado do governo corrupto e genocida de Israel.

Mesmo em Israel, largas facções da sociedade israelita não se deixaram instrumentalizar e fanatizar pelas políticas extremistas de Netanyahu. É nelas que julgo poderem depositar-se algumas moderadas esperanças de que um melhor futuro seja possível para a israelitas e palestinianos. Quando não desistimos de ser humanos e racionais e recusamos embarcar na espiral do ódio, da violência e da vingança, é possível ver a realidade com outra clareza. Ao fim de 75 anos de conflitos, já deu para perceber que nem Israel vai ser capaz de expulsar ou matar todos os árabes da Palestina nem os palestinianos vão conseguir exterminar ou empurrar para o mar os judeus israelitas. Estão, assim, esperemos que mais cedo do que tarde, condenados a entender-se.

Como se depreende da análise de Gershon Baskin, um moderado israelita com vasto conhecimento dos bastidores da política no Médio Oriente, que diversas vezes actuou como mediador entre o governo do seu país e o Hamas: não é possível enjaular um povo na nossa vizinhança e esperar ter paz. Negociações sérias para chegar a uma paz doradoura e digna para ambos os povos não serão possíveis agora, mas não podem continuar a ser eternamente adiadas. Campanhas punitivas de pacificação provocam mais mártires, formam a próxima leva de combatentes e apenas conseguirão alcançar a paz dos cemitérios. E mesmo essa não durará para sempre.

Nós, israelitas, temos de começar finalmente a enfrentar a ilusão em que temos vivido durante décadas com uma aceitação quase total. Deve tornar-se claro para todos nós que não se pode ocupar outro povo durante 56 anos e esperar ter paz. Não se pode encerrar mais de 2 milhões de pessoas numa jaula humana e esperar ter sossego. 17 000 trabalhadores palestinianos em Israel foi um bom começo do Governo Bennett-Lapid, mas é muito pouco e demasiado tarde para começar a mudar a realidade em Gaza e para criar um verdadeiro interesse em manter uma relativa calma. A ideia errada de que o Hamas poderia ser travado está finalmente a ser compreendida, mas pelas razões erradas. Tenho-me pronunciado contra a ideia da possibilidade de dissuadir o Hamas durante e após cada ronda de combates com o Hamas e a Jihad Islâmica em Gaza. Tenho dito repetidamente nos estúdios da televisão israelita que Israel não pode criar dissuasão contra o Hamas. Não só os combatentes e os líderes do Hamas não têm medo de morrer, como recrutam combatentes do Hamas desde tenra idade, de famílias enlutadas, imediatamente após cada ronda de conflito. Estes são então educados nos valores islâmicos (distorcidos) de morrer pela Palestina, por Alá, pelo Islão, por Al Aqsa e para se vingarem da morte do pai, do irmão, da mãe, da irmã, etc. Acreditam verdadeiramente que a vida na terra é curta e só tem verdadeiro significado se nos tornarmos mártires, um shaheed por Alá, pela Palestina, por Al Aqsa, pelo Islão e para conseguir vingança. Tornar-se um shaheed é a garantia do paraíso eterno, que é muito mais importante do que a curta vida neste mundo. Como é que se pode exercer dissuasão contra isto? Mas os generais reformados nos estúdios de televisão nunca concordaram e nunca ouviram, assim como os generais e os políticos que tomam as verdadeiras decisões sobre o que Israel faz.

Excerto traduzido daqui.

A escola, campo de batalha

A escola tornou-se um campo de batalha onde só os alunos animam os professores

Em mais uma reflexão rica e estimulante, no Público e no seu blogue Correntes, Paulo Prudêncio usa o conceito de campo de batalha para evocar a conflitualidade latente no sistema educativo português. Não que professores e alunos andem à bulha na escola – recorda-se oportunamente como, em estudos internacionais, os professores portugueses surgem sistematicamente como sendo dos melhores a adaptar a sua prática pedagógica aos interesses e necessidades dos alunos que têm diante de si – o conflito é entre os professores e o poder político. Passa pelo modelo de gestão autocrático, pela farsa da ADD, pela carreira docente dilacerada e congelada, com os professores a serem quotidianamente desprezados e desvalorizados por quem os tutela. E isto começou, recorda Prudêncio, num conselho de ministros em 2006, quando o então primeiro-ministro José Sócrates decidiu fazer dos professores o alvo principal da luta acintosa e demagógica do Governo contra os “privilegiados” da administração pública.

Há aqui, no entanto, um ponto importante a destacar: nada do que acontece nas políticas educativas é fruto do acaso, muito menos encontra explicação apenas na teimosia deste ou daquele político de passagem pelo poder. Uma grande virtude que encontro nas prosas com que o nosso colega Paulo Prudêncio nos vai brindando regularmente é o cuidado em fazer o necessário enquadramento numa realidade necessariamente mais alargada: a democracia definha nas escolas porque está também em declínio nos sistemas políticos formalmente democráticos, mas onde a esfera política tem vindo a ser paulatinamente capturada pelo primado dos grandes interesses económicos e financeiros. Muitos legisladores e governantes já hoje decidem, não em nome do povo que os mandatou, mas das conveniências do mundo dos negócios e da agenda globalista dos grandes grupos económicos e organizações internacionais.

Acima de tudo, a queda da democracia escolar pode antecipar a da própria democracia. Como a História demonstra, as democracias caem pela incapacidade em consolidar políticas inclusivas (que distribuem a riqueza). A preponderância de políticas extractivas (que concentram a riqueza em oligarquias ou minorias) nas empresas, nas instituições e nas diversas organizações, tem efeitos comprovados: redução da classe média, aumento de ressentidos, crescimento da extrema-direita e de outros movimentos demagógicos e crepúsculo das democracias.

Conhece-se o momento de viragem no Ocidente a favor de políticas extractivas e em que o capitalismo cedeu ao ultraliberalismo (os nórdicos resistiram). As políticas iniciadas por Thatcher e Reagan instituíram o fatal todos contra todos em todo o lado. Clinton, Blair, e Schröder consolidaram-no. Por cá, e no tal conselho de ministros de 2006, aplicou-se obstinadamente aos professores da escola pública. Continua vigente e a provocar a maior perda de atractividade do ser professor no que levamos de História.

(…)

A bem dizer, o modelo de gestão escolar imposto em 2009 não tem pesos e contra-pesos. Legislou-se uma teia de impossibilidades e de avaliações recíprocas, que, em última instância, depende de um poder central mergulhado em emprego partidário e nas culturas anti-escola e anti-professor. Além disso, o processo de escolha de dirigentes é deslegitimador e inscreve uma limitação de mandatos irrisória. Portanto, haver mais ou menos autocracia depende exclusivamente da personalidade dos dirigentes e o nefasto caudilhismo municipal transferiu-se para as escolas.

Uma reinvenção da escola, capaz de preparar as novas gerações para a vida democrática, precisa que os professores sejam ouvidos e envolvidos nas necessárias mudanças. Contudo, nas vésperas do cinquentenário da Revolução de Abril, não se vêem sinais de vontade de envolver as escolas na consolidação da democracia.

Políticos…

Daqui.