Prós e contras da fusão de ciclos

A divisão entre “escola primária” e “segundo ciclo” pode terminar em breve se o Governo avançar, como consta do seu programa, com a integração dos dois primeiros ciclos da escolaridade obrigatória. Uma medida que divide opiniões e que levanta muitas questões, apesar de a discussão não ser de agora.

A medida anunciada no programa do Governo de fundir o 1.º e o 2.º ciclos está a levantar algumas dúvidas junto da comunidade escolar, com alguns a temerem que se esteja a avançar para esta reforma por razões “economicistas” e como forma de fazer face à escassez de professores. A medida constava do programa eleitoral da Aliança Democrática (AD) e a discussão não é nova. Desde 2008 que é “objeto de reflexão” por parte do Conselho Nacional de Educação (CNE). Se há quem aponte benefícios e defende que se avance com a maior brevidade possível, outros há que temem que as intenções não visem apenas o “bem-estar dos alunos”.

A fusão dos dois primeiros ciclos do ensino básico não é uma discussão nova: vem à baila de tempos a tempos, baseando-se os seus defensores em dois argumentos principais: evitam a mudança brusca que se dá, numa idade sensível, entre a mono e a pluridocência, garantindo um percurso escolar mais estável e coerente; o outro argumento é que, se quase todos os países se organizam dessa forma, então o ciclo de seis anos deve ser bom. Curiosamente, não foi necessário nenhum exemplo internacional de sucesso para implementar essa originalidade portuguesa que são os mega-agrupamentos ou, como se preparam para fazer em breve, colocar os professores com insuficiência lectiva a dividir o seu horário entre escolas de mais de um agrupamento.

Quanto à mudança alegadamente traumatizante para meninos e meninas na transição de ciclos, é sabido que nem o primeiro ciclo é, actualmente, monodocência pura, nem o segundo ciclo, organizado em áreas disciplinares, implica conselhos de turma demasiado numerosos. Há narrativas que se constroem com determinados fins, o problema é quando são contrariadas pela realidade: é mais problemática a transição do 2.º para o 3.º ano ou do 7.º psra o 8.º do que a conclusão do segundo ciclo nos dois anos previstos. Mas estas são questões de discussão incómoda, pois poriam em causa a regra que proíbe as retenções no 1.º ano e obrigariam a equacionar uma maior integração do 2.º ciclo, não com o que o antecede, mais com o que vem a seguir. E nada disto se enquadra nas políticas educativas que o centrão político vem construindo consensualmente ao longo de décadas.

O que justifica, então, a insistência numa fusão de ciclos que, para ser bem sucedida, necessitaria não só de ampla discussão pública, mas também de mexidas significativas quer ao nível da rede escolar quer da formação de professores e respectivos grupos de recrutamento? São obviamente, razões economicistas e organizativas relacionadas com a carência de professores. Assumindo o prolongamento do modelo de professor generalista até ao 6.º ano, embora pontualmente coadjuvado ou substituído por outros docentes em áreas de maior especialização, obter-se-iam vantagens decorrentes tanto da maior carga lectiva atribuída aos docentes do 1.º ciclo como de uma maior facilidade no recrutamento inicial e na substituição de professores.

O que fica por demonstrar são as vantagens pedagógicas da medida, sobretudo se apostarmos numa escola focada na qualidade da educação e na melhoria das aprendizagens, contrariando o facilitismo instalado nos últimos anos e que tão maus resultados está a revelar. Os alunos devem aprender com que sabe, e o conhecimento das matérias, por parte do professor, deve ir muito além daquilo que consta dos manuais escolares. As estatísticas internacionais registam uma melhoria sustentada dos conhecimentos dos alunos portugueses desde o início do século até meados da última década. Estes resultados são impossíveis de dissociar da melhoria gradual das qualificações científicas e pedagógicas de professores com um sólido domínio das matérias da sua especialidade e das melhores formas de as ensinar e aprender. O caminho dos experimentalismos irresponsáveis conducentes ao declínio das aprendizagens já foi, infelizmente, iniciado. Pelos vistos, é para continuar…

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