O paradigma do sucesso

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A foto, divulgada há umas semanas atrás pelo Paulo Guinote, despertou-me a atenção por vários motivos. Desde logo por ter sido tirada na minha cidade, em frente a uma escola onde já leccionei. Mas também pelo ineditismo da coisa: vamos criar um projecto ambicioso – integrado e inovador! – de combate ao insucesso escolar. Com financiamento assegurado pelo Fundo Social Europeu, o que fazemos? Contratamos professores, técnicos e pessoal de apoio para as escolas? Investimos em equipamento para as escolas e recursos pedagógicos adequados ao século XXI? Bom, talvez no fim sobrem os trocos para essas coisas. Para já, vamos comprar uns automóveis…

Investigando um pouco, confirma-se que o PIICIE da Região de Coimbra aposta na promoção do sucesso através da monitorização das boas práticas – e é essa necessidade que justifica, presume-se, a necessidade de começar as operações pela aquisição da frota que vemos na imagem.

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Tudo isto é de uma despudorada desfaçatez. Constituíram-se agrupamentos e mega-agrupamentos com escolas distantes, nalguns casos, mais de uma dezena de quilómetros, em zonas do país onde praticamente não existem transportes públicos. Fizeram-se horários para professores itinerantes, que diariamente trabalham em duas ou mais escolas do mesmo agrupamento. Mas nunca se equacionou a necessidade de providenciar meios para a deslocação em serviço destes profissionais. E os professores, reconheça-se, também raramente os reclamaram: quase toda a gente se dispõe a usar o transporte próprio para deslocações que competiria à entidade patronal assegurar.

Claro que, quando se entregam às câmaras e às CIM competências no sector da Educação, a conversa é outra: logo tratam de assegurar, em primeiro lugar, que o seu pessoal não fique apeado. E isto também deve ser, para os professores, uma lição…

Outra ilação que também não é difícil de retirar é que estes projectos, ditos integrados e inovadores, se irão inscrever numa dinâmica de actuação que vem de longe e que consiste basicamente em retirar recursos do sector da Educação para alimentar negócios e criar empregos noutras áreas. Tal como sucedeu com a “festa da arquitectura”, o “choque tecnológico” ou as negociatas dos contratos de associação, o que está aqui em causa é alimentar uma economia anémica com dinheiro que deveria ser gasto directamente nas escolas. Em recursos educativos que pudessem contribuir para a melhoria das aprendizagens e em pessoal docente e técnicos especializados destinados a trabalhar directamente com os alunos.

Em vez disso, não é difícil adivinhar que estes projectos, generosamente financiados pela UE, vão pagar muitas viagens e almoçaradas em serviço, contratos para rapaziada amiga dos senhores autarcas, avenças para estudos e pareceres dos habituais “especialistas” com os contactos certos nas autarquias e, claro, muita “formação de professores” – quase sempre ministrada por quem nunca soube, ou há muito se esqueceu, do que é a realidade do trabalho docente nas escolas básicas e secundárias.

21 thoughts on “O paradigma do sucesso

  1. E lá vamos nós de volta ao passado. Mais um plano para uso de financiamentos europeus para combate ao insucesso escolar, sem se atinar sobre qual a razão para este insucesso escolar e para as suas especificidades.

    Assim sendo, o resultado é desde já previsível.

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  2. Com o PS (e não só) a FESTA NUNCA ACABA!!!

    Já que por cá a Administração, objectivamente, não é fiscalizável e muito menos punida por incumprimentos de Lei e por Má gestão de recursos públicos :
    – fazer denúncia para diversos jornais … e, ver se algum pega no assunto, investiga e pública…
    – fazer denúncia para a comissão europeia por má gestão dos recursos financeiros que são alocados…

    Em qualquer dos casos sobram, e é bom não esquecer, 15% que são pagos directamente pelos contribuintes – no caso em apreço (entre quantos milhares por esse país fora e sem qualquer controle??? Ah, pois é) os tais 15% representam 249 352,66€:

    A) na “minha” escola secundária pagaria as exigências MÍNIMAS de um mínimo de condições de trabalho e de aprendizagem (https://www.facebook.com/SindicatodeTodososProfessores/photos/a.1937013736613439/2414030788911729/?type=3&notif_id=1577649327377862&notif_t=notify_me_page

    B) Parece pouco, não é? Agora juntem-lhe os muitos projectos que por aí, por este país fora, proliferação e rapidamente chegaremos aos milhões habituais…
    Isto num país que diz e reitera não ter dinheiro e ser necessário avaliar prioridades… Pois…

    Uma frotinha de popós, uns contratozinhos com empresas de mindfulness e coaching educativo e outros tantos com empresazinhas privadas que precisam ser alimentadas com dinheiro público para coisas banais, quantas vezes inúteis mas sempre com designações altamente pomposas…

    Este país enjoa… denúncias cá dentro são ineficazes… se mete dinheiro europeu então mais vale fazer chegar a denúncia à comissão europeia… até porque, para eles, já não será novidade…

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  3. Bolas, bolas,…
    Onde se lê:
    “… por este país fora, proliferação e rapidamente chegaremos aos milhões habituais…”
    Deve ler-se:
    “… por este país fora, PROLIFERARÃO… e, rapidamente chegaremos aos milhões habituais…”

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  4. Só quem não conhece as regras de financiamento comunitário e as despesas elegíveis nos programas do ME e as dores de cabeça que dão as escolas. pode acreditar nesta notícia. É uma notícia falsa. Para quê? Propaganda do chega?

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    • Diga-me por favor o que considera falso neste post. Os automóveis? O logótipo do PIICIE? O link para a página oficial da Câmara de Coimbra?

      Esclareça-nos, que por aqui ninguém gosta de andar ao engano. O email e a caixa de comentários estarão sempre abertos ao contraditório.

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    • Numa coisa estaremos de acordo: será complicado inventar “projectos” para pagar despesas que deveriam estar previstas nos orçamentos das escolas.

      Pratica-se há muitos anos uma suborçamentação na Educação que se tenta compensar com o recurso a fundos europeus, o que a meu ver é errado. Combater o insucesso ou promover a inclusão são coisas que as escolas deverão fazer sempre, não apenas quando vem dinheiro da Europa.

      Claro que tudo isto resulta da visão que se tem da Educação, enquanto despesa que interessa reduzir ao máximo. Já as injecções de centenas e milhares de milhões em bancos falidos são “investimento”…

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  5. No meu município o projeto é igualmente questionável… intervenção fraquíssima no terreno, sem qqer consequência…

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  6. Claro que é tudo verdade no texto.
    As CIM receberam (não se percebe a que propósito) competências na área da educação e um bolo financeiro apetecível.
    Começaram a inventar formas de gastar, diria esbanjar, o dinheiro.
    Criaram um nome com uma prosápia imensa: planos integrados inovadores de combate ao insucesso escolar.
    As escolas não sabem combater o insucesso. Nós é que sabemos! Vamos contratar jovenzinhos, dar dinheiro a umas empresas à medida e vamos ensinar as escolas.

    Em Coimbra, os carros lá estão para quem os quiser ver junto à escola Silva Gaio.

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  7. Nunca hei-de entender a razão de todos aqueles milhões não terem sido entregues às escolas…para que aí se criassem verdadeiras equipas de trabalho, com técnicos afetos aos agrupamentos. Nunca o entenderei…

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    • Simples:
      A) estão-se a “BORRIFAR” para a Educação e as Escolas!;

      B) É uma forma de desorçamentação da Educação que directamente, através do ERÁRIO PÚBLICO, segue dinheiro para outras “negociatas”;

      C) É uma forma de transferir Milhões para “dinamizar” o sector privado ( o tal que não precisa do estado mas NÃO VIVE SEM ELE) e, sem grandes problemas de legalidade e fiscalização, promover as diversas Maçonarias e Clientelas politico-partidárias e “amigalhaços”, a todos os níveis de decisão – desde o central ao local – através do DINHEIRO PÚBLICO !!!

      As variantes vão sendo cada vez mais sofisticadas ou, pelo menos, com nomes mais pomposos… Desde as PPP, às inúmeras empresas e institutos públicos a nível central, regional e local)… até à Parque Escolar que, veja-se o ridículo, recebe escolas secundárias (património público) sem mais nem menos, faz obras megalómanas com o erário público, e a seguir o estado (através das escolas) tem que pagar ao “estado impenetrável e impune e que passa a controlar o património” a utilização daquilo que é seu, que foi pago com o seu dinheiro… Para onde vai o dinheiro???
      Como esta, têm proliferado por este país, ao longo do século XXI, situações similares – quer quanto aos objectivos, quer quanto ao processo,…

      Isto é um país de ESQUEMAS em que quem perde são sempre os mesmos – a generalidade dos cidadãos e contribuintes portugueses!!!

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  8. Há uma grande carência de materiais nas escolas, nomeadamente quadros interativos sem canetas e alguns descalibrados ou que nunca trabalharam. Falta de canetas para escrever entre outros materiais.
    As escolas não são todas iguais.
    Onde andam os técnicos?

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    • Quadros interactivos???
      🤣🤣🤣 Desculpe a reacção mas julgo que irá entender:

      Caríssima, já me bastariam:
      – quadros normais (e, obviamente, os acessórios) em condições de trabalho e de visibilidade…
      – já me bastariam cadeiras (nem teriam que ser especialmente ergonómicas) para que os alunos: a) todos se pudessem sentar sem ir ” roubar” a outras salas, b) se pudessem sentar em condições de um mínimo conforto e segurança;
      – que não existissem salas de aula, viradas a norte, que no inverno registam temperaturas de 8ºC ou pouco mais…;
      – que a iluminação dos quadros e das salas de aula fosse suficiente e sem oferecer condições tecnicamente inaceitáveis…,
      – que pela instalação eléctrica não “caíssem gotinhas” de água,
      – que não chovesse dentro das salas, dos pavilhões, da cozinha, da secretaria, da…;
      – que, veja-se o luxo, a rede de internet funcionasse e as aulas e todo o trabalho pudessem ser minimamente eficientes,
      – que os computadores funcionassem e não ocupassem parte substancial do tempo útil a “rodar, rodar, rodar,…)…;
      – que o ecossistema escolar pudesse ser um pouco menos diversificado, nomeadamente, no que toca a cobras e ratazanas…,
      – que o quadro de formações diversificadas existisse MESMO, para dar resposta (sem ser a fingir, com muitos papelinhos) às inúmeras situações dos alunos (inclusivamente ao nível da saúde mental) …,
      – que sempre que um vidro se parte, pudesse ser reposto, de imediato ( então em salas de aula)…;
      – não posso esquecer: o amianto que há anos anda soltinho e livre – para que a comunidade o possa absorver sem pagar imposto – pelos vários espaços escolares, numa escola com elevada incidência de casos oncológicos…;
      – …,
      poderia continuar a lista… mas não vou maçar mais os leitores…
      Não posso esquecer, também, de referir,… tudo isto com o E360 (o regresso à idade da pedra em software informático na educação)

      … Alguém conhece os termos deste contrato do ministério com uma empresa sem nenhum Know How na matéria quando, já existem várias no mercado que com bastante know how, já vão a um nível bem mais avançado, nomeadamente, nas respostas que continuamente, vão tendo que ser criadas??? – os caminhos do erário público…

      Já agora, a ” minha escola” não fica em “cascos de rolha”, entre vales profundos e estreitos e montanhas declivosas quase inacessíveis… FICA BEM AQUI, JUNTINHO À CAPITAL DA NAÇÃO, JUNTO À EXPO DAS WEB SUMMIT dos milhões e das inovações onde convivem as escolas para ” os meninos dos papás” com as escolas para “os enteados com papás pobres, que ganham miseravelmente e/ou desempregados…

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