Acordo ortográfico regressa ao Parlamento

desacordo.jpgO Parlamento discute esta tarde uma resolução do PCP e uma petição que apela à desvinculação do Acordo Ortográfico. O projeto dos comunistas “recomenda o recesso de Portugal do Acordo Ortográfico de 1990, acautelando medidas de acompanhamento e transição, a realização de um relatório de balanço da aplicação do novo Acordo Ortográfico da língua portuguesa e uma nova negociação das bases e termos de um eventual Acordo Ortográfico”. Já a petição, iniciativa de António Arnaut e outros, solicita a desvinculação de Portugal do Tratado e Protocolos Modificativos ao Acordo Ortográfico de 1990 e a revogação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011.

A deputada comunista Ana Mesquita defendeu em declarações o jornal Público que “o projeto está manco” e que é necessário analisar o processo para perceber o que correu bem e mal. À TSF considerou que o recesso do acordo ortográfico seria “uma saída airosa para o governo”.

A petição alega que o acordo ortográfico “é um fiasco político, linguístico, social, cultural, jurídico e económico”, e inconstitucional, além de não ter sido ratificado por todos os Estados-membros e só ter sido aplicado em três.

“Deu origem a aberrações linguísticas da maior gravidade”, defendem os peticionários, realçando que “não foi feita qualquer consulta pública e todo o processo constituiu um péssimo exemplo de falta de transparência, inadmissível num Estado de direito democrático”. “O AO teve os efeitos opostos aos que se propunha atingir: não uniu, não unificou e não simplificou”.

O malfadado Acordo Ortográfico de 1990 volta hoje à discussão pública no Parlamento. Seria talvez fastidioso elencar novamente as inúmeras razões dos contestatários do documento, mas o mais elementar bom-senso deveria ser suficiente para percebermos que, se passados 27 anos desde a sua aprovação inicial continua a ser contestado com vigor e determinação por boa parte dos utilizadores da língua escrita, enquanto muitos outros o usam a contragosto, então é porque algo de errado existe com o documento.

Percebo a complicação política de reabrir um dossier polémico: é evidente que para quem governa, independentemente do partido a que pertença, o ideal é que tanto o bom povo como as suas elites culturais aceitem, sem fazer ondas, o que os comissários políticos decidem sobre a língua que é de todos, supostamente em nome do bem comum. Mas a verdade é que o documento com que se pretendeu, em 1990, unificar a norma escrita do Português, apenas aumentou a confusão e as divisões. Além da divergências e das duplas grafias que subsistem entre a ortografia portuguesa e a brasileira, temos agora, em Portugal, a coexistência, no português escrito, da ortografia acordesa com a anterior ao acordo, que continua a ser largamente usada. Neste blogue, por exemplo.

Parece-me por isso que, se o radicalismo da petição anti-acordo será um sapo demasiado difícil de engolir para os partidos que aprovaram e aplicaram o AO90, a proposta do PCP, claramente de compromisso, poderia ser o ponto de partida para a busca uma solução política aceitável, sem que ninguém perca a face ou tenha de se assumir como derrotado. Já se percebeu que ignorar a persistente contestação ao documento em vigor, apostando no desgaste dos seus adversários e na política do facto consumado, não é solução. Resta então ter a humildade de reconhecer o erro e parar para pensar: avaliar, discutir, construir os consensos que permitam chegar a um entendimento sobre as regras do uso da língua portuguesa na sua forma escrita no qual se possam rever todos os seus utilizadores.

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