Eis um tema fracturante, que ameaça partir ao meio a unidade que tem havido entre os professores, com uma grande maioria a participar e a apoiar a greve às avaliações: fará sentido, agora que um simulacro de entendimento foi alcançado entre o governo e os principais sindicatos, continuar a greve que o STOP mantém convocada até ao final do mês?
Há um ponto em que insistem os defensores da greve que é compreensível: a luta dos professores está a fazer-se agora, a classe está mobilizada, o protesto dura já há mais de um mês e, apesar do cansaço, há ainda bastantes colegas determinados em prosseguir. Porquê então parar, desmobilizar as hostes, arrefecer os ânimos em nome do gozo das merecidas férias, desperdiçando o esforço feito até agora?
Por outro lado, e por muito que esta greve tenha servido, aos professores, para exprimir o descontentamento e a revolta contra os maus tratos de sucessivos governos, há que perceber que uma greve nunca é um fim em si mesma: realiza-se para prosseguir objectivos concretos. Pelo que decidir o seu prosseguimento implica reflectir sobre a sua real utilidade: o que se pode esperar alcançar daqui até ao dia 31? Outra comissão de trabalho? Uma contraproposta do governo que inclua a recuperação de mais um ano ou dois do tempo perdido? Ou alguém esperará cedências em toda a linha, e o anúncio solene de que acabámos de ganhar a totalidade dos 9 anos, 4 meses e 2 dias há muito reclamados?
Pessoalmente, creio que uma greve de professores faz sentido se, a par dos inevitáveis prejuízos, desde logo para os professores, mas também, colateralmente, para os alunos e as famílias, houver uma pressão efectiva contra o governo, que aqui se assume na dupla condição de entidade patronal dos professores e de regulador do sistema educativo.
Ora o governo já demonstrou claramente que está pouco preocupado com a sorte dos alunos que ainda não dispõem das avaliações. Garantidas as notas nos anos de exame, especialmente as do 12º ano, que permitem a candidatura ao ensino superior, o ME não parece incomodar-se com percursos escolares em suspenso, com matrículas condicionais ou com turmas provisoriamente constituídas. Para os burocratas ministeriais, tudo isso são complicações causadas pela teimosia dos professores, que eles mesmos tratarão de resolver quando definitivamente se cansarem da luta.
Pelo que chegamos ao ponto em que inevitavelmente teremos de admitir a verdade incómoda: daqui para a frente, a greve às avaliações irá acima de tudo colocar uns professores contra os outros, em vez de os unir a todos contra o governo que teima em não ceder às suas reivindicações. Será uma greve com potencial para dividir os docentes, para criar crispações e ressentimentos entre os que querem e os que não querem continuar a lutar. Será uma luta em que bastará, como até aqui, um resistente solitário, mas determinado, para impor sucessivos adiamentos dos conselhos de turma em que esteja convocado. Só que agora os prejudicados serão, acima de todos, os próprios professores, impondo a si próprios uma provação que se vai mostrando cada vez mais inútil.
Quanto à ideia, aparentemente sensata, de lutar agora para resolver de vez os problemas dos professores, em lugar de adiar a luta: ela parte de uma percepção incorrecta do que é uma luta laboral, ainda para mais travada num contexto político complexo, envolvendo consideráveis encargos financeiros e enfrentando interesses poderosos. Na verdade, não podemos ter ilusões: não existem vitórias totais em processos negociais, muito menos conquistas eternas e definitivas. Nunca conseguimos tudo o que queremos, porque do outro lado também querem muita coisa, e tudo o que alcançamos aqui e agora pode estar em causa ali ao virar da esquina, se deixamos de estar atentos à defesa dos nossos direitos ou nos cansamos de lutar por eles.
Claro que todos temos razão numa coisa: as últimas duas décadas têm sido pródigas em perdas de direitos e de rendimentos e na imposição de condições de trabalho cada vez mais difíceis e gravosas. Acumulámos derrotas, e olhamos com cepticismo todo o discurso sindical que nos fala de lutas vitoriosas, porque em muitos casos já esquecemos o que isso é.
É verdade que os professores têm razões para estar descrentes, mas não devem ser desistentes. Porque nada em concreto do que exigem está ainda alcançado, nem irá estar a 31 de Julho. Independentemente do que façam em relação à greve do STOP, se os professores querem mesmo recuperar tempo de serviço, melhorar condições de trabalho ou conseguir um regime específico de aposentações, não há volta a dar: a luta terá de continuar no próximo ano lectivo.
Seria mais sensato parar por agora, gozar o mais que merecido descanso e recobrar forças.
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