A escola testemunha a perda da arte de associação
Paulo Prudêncio escreve sobre um tema aparentemente secundário, mas que, como brilhantemente demonstra, é de enorme importância na formação e no funcionamento das organizações humanas: a capacidade de associação. Fazendo uso das competências sociais, os humanos são capazes de identificar problemas e necessidades comuns e cooperarem na sua resolução ou satisfação. Em vez de esperarem que o Estado, a Igreja ou outro poder lhes diga o que devem fazer, os cidadãos organizam-se e resolvem por si, e a contento de todos, os assuntos que lhes dizem respeito: esta atitude está na base de sociedades livres e democráticas, mas requer populações instruídas, confiantes, interventivas no espaço público.
Nos dias de hoje, o associativismo mostra-se decadente. Se a internet e as redes sociais vieram por um lado facilitar a comunicação à distância e a amplificação da mensagem, permitindo que a rápida identificação entre si de apoiantes de uma causa comum – basta ver, no caso dos professores, a rapidez com que se formou no Facebook, reagindo às mudanças legislativas, uma associação de professores em mobilidade por doença – a verdade é que as novas tecnologias estão a dificultar, sobretudo entre os mais novos, a aquisição de competências sociais.
Muito limitadas nas oportunidades para a brincadeira livre e a interacção com os pares, as crianças de hoje – que serão os adultos de amanhã – terão já maiores dificuldades em auto-regular comportamentos e resolver pequenos conflitos sem a intervenção da autoridade do adulto. Isto leva a uma sociedade mas atomizada e individualista, mais extremada e intolerante. Indivíduos que não confiam no diálogo, na negociação e no compromisso para a resolução de conflitos serão certamente mais propensos a aceitar soluções autoritárias que garantam a ordem estabelecida e aplaquem os seus medos e inseguranças. O que fica em risco é, evidentemente, a própria democracia.
Será tudo isto inevitável? Paulo Prudêncio tem esperança de que ainda possamos recuperar a democracia em declínio e deixar às gerações vindouras um mundo melhor. Mas para arrepiar caminho é preciso ter a clara consciência de como fomos corroendo, nas últimas décadas, consensos sociais e políticos que nos deram a democracia, a prosperidade e a escolarização universal. Centrando-se na escola, o nosso colega evoca os mega-agrupamentos, a burocracia kafkiana, o ambiente hostil e insalubre que foi sendo criado aos professores e recorda os erros que, sob a batuta de políticas de vistas curtas e fracassadas, nos trouxeram até aqui…
…há que contrariar os longos debates sobre temas ditos inconciliáveis. São perdas de tempo. Saber versus saber fazer, avaliar versus classificar, educar versus ensinar, ensinar versus aprender e até testar versus provar ou examinar, são exemplos que surpreendem quem usa os “opostos” na sua profissionalidade. Como se fosse possível ser competente sem ter conhecimentos, ensinar sem educar ou aprender sem uma forma de ensino ou de transmissão de conhecimentos devidamente avaliada.
Mas o problema não foi somente o desperdício de tempo. Foi a desatenção com o essencial e a contínua perda de confiança nas organizações democráticas. É que ao contrário das autocracias, que usam a propaganda e o medo como anestesia, as democracias legitimam-se na interiorização de normas, regras e instituições. Nas democracias não existe a confiança ilimitada em indivíduos. Se se esgota a crença nos eleitos, tudo é contestado. Acentua-se nas organizações que educam crianças e jovens. Se as suas narrativas entram em crise, originam, desde logo, “currículos à la carte” que provocam o desconhecimento da história e fragilizam as ideias de associação e coesão.
Por outro lado, estude-se a redução do elevador social a partir de um ensinamento da história universal: o aumento da escolaridade com qualidade deve-se, numa espécie de distribuição percentual, às seguintes responsabilidades: 60% das sociedades, 30% da organização das escolas e 10% dos professores; sabendo-se, obviamente, que um professor pode mudar a vida de um indivíduo ou de um grupo.
Acima de tudo, a lógica de mercado escolar foi trágica. A competição entre escolas, mais ainda quando a proximidade exigia a cooperação que eleva a inclusão, permitiu selecções de alunos com base nos resultados académicos esperados e empurrou os “que não queriam aprender” para turmas e escolas de baixas expectativas.