Criança não entra

aduts-only.jpgTalvez alguns leitores já tenham passado por isso ao procurar, nos sites ou agências de viagens, o melhor local para passar férias: um número crescente de hotéis e resorts turísticos afirmam-se adults only. O que é uma forma de dizer que, nesses locais, as crianças não são bem-vindas.

O nicho vem na esteira do movimento “childfree” – “livre de crianças” -, que existe desde os anos 1980 nos Estados Unidos e no Canadá para agrupar adultos que se sentiam discriminados pela sociedade por não terem filhos.

Hoje, porém, parte desse movimento childfree vai além do “não quero ter filhos” e adota o discurso de “não gosto de crianças” ou “não quero crianças por perto” e ganha corpo nas redes sociais.

A verdade é que, se há 30 ou 40 anos atrás as famílias sem filhos eram quase uma raridade, hoje elas tendem a tornar-se uma minoria. E, como todas as minorias, sujeitas a serem alvo de discriminação.

Sinal dos tempos, enquanto cada vez mais unidades hoteleiras fazem saber que não desejam receber crianças, aprovam-se leis que convidam os donos de cafés e restaurantes a permitir a presença de animais de estimação no interior dos estabelecimentos enquanto os donos tomam as suas refeições.

Por outro lado, se já se discriminam as crianças desta forma e se ostracizam os valentes pais e mães que ainda não desistiram de ter filhos numa sociedade tão egocêntrica, o que impede que a partir daqui surjam também hotéis a rejeitar a presença de pessoas velhas, doentes, deficientes, gordas ou, simplesmente, feias?

Que é feito, afinal, dos valores da solidariedade, da tolerância e da inclusão que, noutros contextos, tanto gostamos de incensar?

E se uma parte das queixas pela presença de crianças é originada pela falta de maneiras em público ou a educação demasiado permissiva que recebem dos pais, será que é afastando as crianças dos adultos que as ensinamos a saber estar em locais públicos e que promovemos o convívio intergeracional?

Já a antiga sabedoria africana ensinava que é preciso uma aldeia para educar uma criança. Mas, nalgumas aldeias turísticas do século XXI, a lição parece longe de ter sido entendida.

5 thoughts on “Criança não entra

  1. “E se uma parte das queixas pela presença de crianças é originada pela falta de maneiras em público ou a educação demasiado permissiva que recebem dos pais, será que é afastando as crianças dos adultos que as ensinamos a saber estar em locais públicos e que promovemos o convívio intergeracional?”

    Não, não é afastando. Agora que há casos muito aborrecidos, há e que têm de ser evitados.

    Como estar num restaurante e ter ao lado 1 criança que berra há meia hora, joga a comida por todo o lado, e quando se pergunta aos pais, educadamente, se não será caso para a levar lá fora e apanhar um pouco de ar a resposta é sempre- eu é que educo os meus filhos e se não está bem mude-se porque isto é um local público (!!).

    Já me aconselharam a ir para uma igreja se quisesse estar num sítio mais calmo.

    Mas nas igrejas não se pode saborear 1 boa refeição, pois não?

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  2. Se a “aldeia do séc. XXI” funcionasse…
    Experimente chamar a atenção de um qualquer rebento de hoje de que não deve berrar no restaurante, correr na igreja, dizer palavrões, passar por cima da sua toalha, ouvir música aos berros (e com direito a colunas de som) em espaços públicos, jogar à bola em espaços que expressamente o proíbem, esperar ordeiramente pela sua vez, não deitar lixo para o chão, dizer “obrigada” ou “com licença”, ser educado para com os mais velhos,…
    Pois… Cair-lhe-ão “em cima” o rebento em causa e os outros rebentos, o pai, a mãe, os tios, primos, avós e até os cães e os piriquitos… que estão cheios de direitos, que pagam, que dizem e fazem o que querem, que é tudo deles, que se não está bem que se mude, .. gente cheia “rei na barriga”,…
    E … a aldeia global do séc. XXI como fica??? – MUDA E QUEDA QUE NÃO ESTÁ PARA TER CHATICES!!!
    Este é o quotidiano…e a vários níveis!
    Imagine-se ensinar cidadanias a todo um “novo riquismo” que espezinha, cheio de si, as regras mais básicas de educação e civilidade…
    Cada vez mais e em função da sociedade que, efectivamente, temos aprovo tais medidas…
    Os outros também têm direitos, nomeadamente ao sossego e à civilidade!

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  3. “rejeitar a presença de pessoas velhas, doentes, deficientes, gordas ou, simplesmente, feias?”
    A FIFA já aconselhou a rejeitar na Televisão (quando mostram grandes planos da assistência) mulheres bonitas porque seria sexismo. Portanto neste caso, só mulheres feias, gordas, velhas e sujas.

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  4. Percebo o ponto de vista de quem trabalhou o ano inteiro e quer, em férias, gozar uns dias de sossego, sem ter de aturar a má educação alheia. Mas deixem-me acrescentar algumas objecções…

    1º a maioria desses frutos da educação permissiva portam-se hoje melhor em público do que há uns anos atrás, não porque os pais lhes dêem mais ou melhor atenção, mas porque se distraem com o agora sempre presente babysitter electrónico;

    2º faz-me alguma confusão a extrema intolerância de alguns sectores da sociedade perante a espontaneidade ou a falta de filtros das crianças mais pequenas, face ao quase endeusamento que reservamos à “juventude”, à qual permitimos a todos os excessos e desregramentos;

    3º pessoalmente incomodam-me muito menos as crianças a ser crianças do que adultos jovens a comportarem-se como adolescentes retardados e irresponsáveis.

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  5. Pois eu, vinda de uma semana de férias num hotel “para famílias”, nunca me lá senti incomodada com a presença de muitas crianças.
    Em contrapartida, incomodava-me sobremaneira a gritaria de alguns grupos de adolescentes e de graúdos na praia, sobretudo os que levam com eles o “tijolo” em altos berros para que todos ouçam a porcaria de música de que gostam.

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