Salas de aula do futuro?

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Nesta sala de aula da Escola Secundária D. Manuel Martins, em Setúbal, as cores são garridas e os alunos podem sentar-se em puffs e são confrontados com perguntas a que devem responder em 45 minutos. O objetivo é que aprendam a matéria através da descoberta das respostas feitas com ajuda das pesquisas na internet. No fim, as conclusões são apresentadas à turma. E as intervenções do professor Carlos Cunha quase que ficam reduzidas a estas duas expressões: “Achas que esta definição responde à tua pergunta?” ou “o que interessa é isto, o resto é palha”. O ambiente na primeira Sala de Aula do Futuro (SAF) portuguesa é elogiado pelos alunos e corresponde ao que os entusiastas pela mudança na forma de ensinar defendem.

“Não temos de estar sentados a olhar para uma pessoa a falar durante 45 minutos. Estamos à procura das coisas e aprendemos por nós”, explica Tomás, um dos alunos do 8.º C da Secundária D. Manuel Martins. Ora é precisamente essa sensação de tédio que o professor Carlos Cunha quis combater quando decidiu importar no início do ano letivo 2014/2015 a SAF do original belga, produzido pela European Schoolnet. Aqui, o método para levar os alunos a aprender baseia-se na pesquisa de informação e apresentação de trabalhos em várias áreas, a partir de perguntas iniciais, e em que o papel central pertence aos jovens.

Como experiência pedagógica tem o seu interesse, e há sempre ensinamentos que se podem colher desta e doutras experiências, pois a pedagogia, como todas as outras áreas do conhecimento, deve ser capaz de evoluir, aperfeiçoando e diversificando as formas de ensinar e aprender.

Do que duvido sempre é das encenações que envolvem este tipo de projectos – os puffs, as “cores garridas” servem exactamente para quê? Trabalha-se melhor deitado do que sentado, ou pretende-se dar a ideia de que o que se exige aos alunos é tão pouco e tão fácil que  o podem fazer de qualquer maneira?

O resto, parece-me mais uma variação em torno dos “trabalhos de pesquisa” que agora voltaram a estar na moda. E que têm o seu lugar, como é óbvio, no processo educativo. Mas também se começam a semear, à sua volta, muitos equívocos que convém ir desfazendo:

  1. É falso que todo o conhecimento relevante esteja disponível na internet. Há informação falsa que circula como sendo verdadeira e há coisas específicas que pura e simplesmente não se encontram online. Em muitos casos, a maneira mais fácil e rápida de perceber um assunto ainda é procurar informação numa boa enciclopédia em papel ou, ainda mais fácil, ler atentamente a respectiva página do manual da disciplina.
  2. A pesquisa orientada pode ser útil para lançar o estudo de um novo tema, ou para aprofundar ou desenvolver matérias cujas bases já se dominam, e penso que será este o foco do projecto que esta escola de Setúbal desenvolve. Mas já será abusivo concluir, como parece fazer o responsável da experiência, que as aulas tradicionais estão obsoletas, agora e para todo o sempre: ouvir uma explicação clara, concisa e adequada ao nível etário e aos conhecimentos prévios dos alunos feita por um professor experiente será sempre, e em muitos casos, a forma mais simples e eficaz de perceber um assunto. Significa ir directo ao que interessa, em vez de andar às voltas, dispersando a atenção por coisas diversas, tentando encontrar um fio condutor e tendo sempre de separar o trigo do joio.
  3. Esta eficácia do sistema educativo tradicional, contudo, pressupõe um elemento fundamental, a motivação para aprender. E é isso que falta muitas vezes a crianças e jovens, e que leva muitos professores e teóricos da educação a pensar que o sistema de ensino que serviu a gregos e romanos, à escolástica medieval e ao humanismo renascentista e a sucessivas reformas educativas ao longo dos últimos três séculos está hoje irremediavelmente ultrapassado porque se inventaram umas maquinetas com ecrãs onde aparecem as informações todas, ainda por cima com bonecada a mexer, e o pessoal já não quer outra coisa. Mas motivar mais facilmente os alunos com recurso às novas tecnologias não significa necessariamente que aprendam melhor pondo de parte as abordagens mais clássicas ao saber.
  4. Finalmente, o potencial motivador dos gadgets electrónicos ao serviço da escola também tende a ser sobrevalorizado pelo efeito de novidade: o professor de Físico-Química pode ser “o maior” porque leva os seus alunos para uma sala onde podem estar esparramados em puffs a procurar umas definições na Wikipedia ou uns vídeos no Youtube, recorrendo aos tablets que lhes são disponibilizados ou aos seus próprios telemóveis, enquanto os outros professores dão aulas “de seca”. Mas no dia em que passarem as aulas todas a fazer pesquisas, em todas as disciplinas, para apresentarem ao professor e aos colegas, desconfio que aí o potencial motivador da nova pedagogia decairá rapidamente.

Estará então na altura de inventar um novo “projecto”…

3 thoughts on “Salas de aula do futuro?

  1. Estas experiências têm sempre um caráter virtuoso, precisamente por não serem institucionalizadas.
    Assim a modos que o casal new age que não vacina os filhos,protegido pelo facto de toda a gente à sua volta se vacinar.Geralmente estas iniciativas não têm continuidade, desaparece a realidade e fica o mito.
    No entanto, isso acaba por ser injusto para os proponentes da experiência, porque esta não é levada a cabo numa escala significativa- a nível de uma ou várias escolas – de modo a que se possam tirar conclusões. Poder-se-á chegar à conclusão de que na realidade esta será apenas outro tipo diferente de “seca”, passada a fase da novidade. Mas pode também acontecer que essa experiência revele caminhos inesperados que se revelem produtivos e inovadores. O progresso faz-se assim. Vem-me à memória a imagem das primeiras bicicletas, sem pedais, em que o “ciclista” se impulsionava com os pés. Esse aparente exercício de inutilidade, deu origem às bicicletas atuais.

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    • Temos o caso da Escola da Ponte. Que é original, que tem valor, que é um caso de estudo a nível internacional, parece inegável.
      Encontraram um modelo de escola que quase toda a gente diz ser excelente e no entanto nunca foi exportado para outras escolas, muito menos generalizado ao sistema educativo.
      O que é que têm de especial os alunos e professores da Vila das Aves, já que só eles conseguem funcionar daquela forma?…

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  2. Isso é que é importante, avaliar a experiência e da possibilidade desta se estender ao sistema educativo.
    Penso que não será difícil fazer essa análise, dado o número e qualidade dos exegetas nacionais. Exemplo: Trio de Ataque, Donos da Bola…

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