Um ministério contente consigo próprio

Ao longo do processo de acompanhamento e monitorização das escolas, continua a verificar-se a concretização da Autonomia e Flexibilidade Curricular a nível nacional, conduzindo à ambicionada Escola autónoma que gera uma Educação de qualidade para os seus alunos, conhecedora da confiança depositada em si, com a assunção da responsabilidade inerente à sua missão. O reforço da autonomia da escola e dos seus profissionais relativamente ao desenvolvimento curricular colocam-na como detentora de instrumentos que possibilitam a gestão do currículo, de forma a integrar estratégias promotoras de melhores aprendizagens, em contextos específicos e perante as necessidades de diferentes alunos, assim como estabelecendo prioridades na sua apropriação e assumindo a diversidade nas opções que melhor se adequam aos desafios do seu projeto educativo.

Continuamos a percorrer um caminho para uma Escola inclusiva, que respeita a heterogeneidade dos alunos, elimina obstáculos no acesso às aprendizagens, contemplando a diversidade e garantindo a aquisição de múltiplas literacias necessárias ao cidadão do Século XXI, na sua formação integral ao mesmo tempo que valoriza os alunos, lhes dá voz e possibilita a construção do seu projeto de vida, ao traçar um percurso formativo próprio.

Cada escola é convidada, no contexto da AFC e na prossecução da sua missão social, a garantir o combate às desigualdades, definir uma visão de escola concreta para os alunos que a frequentam e acreditar que todos têm o direito de aprender e de lhes ser proporcionada uma educação relevante e de qualidade.

Escolas atoladas em burocracia, elevados níveis de stress, burnout e baixas por doença entre o pessoal docente, falta de professores, turmas numerosas, facilitismo avaliativo e problemas sérios, como o absentismo escolar e a indisciplina, varridos para debaixo do tapete, enquanto se martelam estatísticas e se superam, no papel, os objectivos predefinidos.

Claro que, em vez de um retrato real do que se passa nas escolas portuguesas – e é evidente que existem aqui muitas nuances, sendo que as que melhor trabalham são, regra geral, as que melhor conseguem fintar os desmandos ministeriais – a equipa que acompanha a implantação de flexibilidade curricular e dos planos de inovação prefere fingir que vivemos no melhor dos mundos educativos. Ao longo das cem páginas do relatório agora publicado, escrito naquele eduquês cediço e intragável, o tom é o do auto-elogio, da reprodução acrítica e obsessiva dos chavões ocos e enganadores a que se resume a política deste ministério: autonomia, quando nunca houve tanto controleirismo da parte da tutela; flexibilidade curricular, eufemismo para desmantelamento do currículo e desvalorização dos saberes disciplinares; inovação, para designar a reciclagem das velhas práticas pedagógicas, datadas e ineficazes, dos mestres de Boston.

Como professor básico e secundário, um ser imperfeito que às vezes se engana e muitas vezes tem dúvidas, o que sempre me impressiona neste tipo de documentos são as certezas dos seus autores. Não há ali uma perplexidade, uma interrogação, uma dúvida em relação ao que andam a fazer. Eles que tanto questionam, nas “reuniões de rede”, o trabalho das escolas, não se mostram capazes, por uma vez que seja, de fazer uma avaliação honesta do seu próprio trabalho, que no fundo se resume a uma função muito pouco abonatória: a de comissários políticos do SE Costa. Avaliação excelente, vaticina o Paulo Guinote, ao que eu acrescento: para todos, que quotas avaliativas são só para os professorzecos “avessos à mudança”.

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