João Costa – um demagogo desmascarado

joao-costa.jpgO secretário de Estado João Costa, principal responsável pelas reformas educativas em curso, tenta defender-se das críticas: diz ele, e espera que acreditemos, que as suas reformas inclusivas e flexibilizadoras não promovem o facilitismo.

A prosa hoje publicada no Observador escora nalgumas verdades evidentes em si mesmas os frágeis e demagógicos argumentos já inúmeras vezes utilizados. Debita uma cassete pouco imaginativa, um discurso que, incapaz de rebater as críticas, se limita a devolver a acusação: facilitistas são vocês…

Sem paciência para explicar o óbvio e já mil vezes demonstrado, limitar-me-ei a pegar nas palavras de João Costa, modificando-as – alterações e acrescentos da minha responsabilidade assinalados a vermelho – de maneira a que o texto passe, na minha maneira de ver, a fazer algum sentido. Afinal de contas, não é preciso dar demasiada conversa aos demagogos eduqueses. Eles enterram-se sozinhos…

É natural, quando se fala em promover o sucesso escolar ou em trabalhar para a construção de uma escola mais inclusiva, sem que se criem primeiro as condições necessárias a esse sucesso e a essa inclusão, levantarem-se muitas vozes de professores conhecedoras da realidade das escolas que imediatamente acusam qualquer iniciativa dessa natureza de ser, na realidade, promoção de um ensino facilitista.

[…]

O medo dos arautos do facilitismo é simples de entender. Baseia-se na ideia de que a alternativa a reprovar é passar sem saber. Isto transforma o ato educativo numa mistificação. Transforma o sucesso escolar num mero exercício estatístico, em que se confunde o resultado com o que deve gerar esse resultado. Parte do princípio de que promover o sucesso é espoletar passagens administrativas independentemente do que os alunos aprendem. A ser assim, estamos efectivamente perante uma fraude em que todos nos enganamos uns aos outros. […]

Então qual é a alternativa a reprovar? Aprender. E se os alunos aprenderem, no final do ano não reprovam. Isto implica um trabalho da parte de todos que é tudo menos fácil e, portanto, é tudo menos facilitista. O problema está quando os resultados não aparecem e o poder político incentiva a que se mascare o insucesso fabricando sucesso administrativo para fins estatísticos. Sabemos que o insucesso escolar em Portugal – tal como em muitos outros países – está fortemente associado à condição socioeconómica dos alunos. Os ricos passam, os pobres enfrentam muito mais dificuldades. Isto significa que o problema do insucesso é, em primeiro lugar, um problema de justiça social. Não é justo que a escola, que é a única esperança de mobilidade social para muitos, em vez de eliminar as assimetrias sociais à entrada, as reproduza ou, por vezes, as acentue. Mas é ainda mais injusto que a escola baixe a fasquia aos pobres apenas por serem pobres, impedindo-os de alcançar ou até suplantar os mais favorecidos. É conhecida a minha aversão a rankings simplistas que mais do que mostrarem o trabalho de uma escola mostram o contexto socioeconómico dos alunos ou até a capacidade de procurar centros de explicações nos arredores. Esta também é uma escola facilitista: a que seleciona alunos à entrada e que vive muito do que se passa fora dos seus muros.

Para alguns, a pobreza é uma fatalidade na educação. Não há nada a fazer. Felizmente, sabemos que isto não é verdade. Num estudo de 2016 […], é possível concluir que a pobreza não é um destino, constatando-se assimetrias regionais que revelam que a pobreza é um preditor mais forte de insucesso nuns distritos do que noutros. Assim, os socialistas do século XXI, que desistiram de lutar contra as desigualdades sociais, querem que seja a escola a fazer a diferença, contrariando o determinismo da condição social. Incapazes de lutar contra a corrupção, o compadrio e o nepotismo nas suas próprias fileiras, promovendo medíocres apenas porque têm cartão partidário ou padrinhos influentes, querem que acreditemos que é pela distribuição a esmo de diplomas escolares que os pobres terão a sua oportunidade.

[…]

A escola que só garante o sucesso dos que têm condições privilegiadas à partida não cumpre a sua missão. A inclusão de todos os alunos, prevista no decreto-lei 54/2018, ignora que promover melhores aprendizagens implica mais trabalho directo com os alunos, tendo em conta as suas reais necessidades, e não atos administrativos. Como instrumentos de trabalho para a inclusão, em vez de as reforçar em recursos financeiros, materiais e humanos, o Governo limitou-se a despejar papelada e burocracia nas escolas, como o Perfil dos Alunos, a flexibilidade curricular, a revisão das Orientações Curriculares para e Educação Pré-escolar, as Aprendizagens Essenciais, o Plano Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, um investimento na formação científica e pedagógica desajustado das verdadeiras necessidades dos docentes, o Plano Nacional das Artes, o Plano Nacional de Leitura 2027, a promoção de mais ciência experimental nas escolas com a rede de clubes Ciência Viva, a valorização do Ensino Profissional, a diversificação de instrumentos de avaliação mais adequados e formativos, com produção de relatórios qualitativos, avaliação performativa, aferição com dimensão interdisciplinar, avaliação de produção e compreensão oral nas línguas e apoio tutorial específico para o desenvolvimento de competências sociais e emocionais.

Este trabalho integrado é tudo menos fácil e sobretudo não cabe nos sobrecarregados horários dos docentes portugueses. Requer turmas e grupos mais pequenos, apoios individualizados, técnicos e professores especializados.

Afinal, a escola verdadeiramente facilitista é a que promove sucesso a todo o custo e a qualquer preço. É aquela que se limita a esperar pelo fim do percurso, a examinar e a verificar quem passou e subir as notas àquele que não conseguiu. Isso é fácil. Difícil é garantir que também aprendem os que chegam à escola sem motivação, sem relação com o conhecimento, por vezes com fome e a experimentar situações familiares terríveis. Felizmente, temos uma história recheada de escolas, comunidades e muitos professores que fazem a diferença na vida destes alunos e não os transformam num problema administrativo. E isto sabemos que não é fácil. Sabemos, ainda melhor, o quão desmerecido, desvalorizado e desapoiado pelo ME é o trabalho sério das escolas e professores. Sobretudo dos que continuam a preocupar-se mais aos seus alunos do que a ficar bem vistos por quem os tutela.

5 thoughts on “João Costa – um demagogo desmascarado

  1. Aqui é que está o ponto:

    “(…) Assim, os socialistas do século XXI, que desistiram de lutar contra as desigualdades sociais, querem que seja a escola a fazer a diferença, contrariando o determinismo da condição social. Incapazes de lutar contra a corrupção, o compadrio e o nepotismo nas suas próprias fileiras, promovendo medíocres apenas porque têm cartão partidário ou padrinhos influentes, querem que acreditemos que é pela distribuição a esmo de diplomas escolares que os pobres terão a sua oportunidade.

    Como instrumentos de trabalho para a inclusão, em vez de as reforçar em recursos financeiros, materiais e humanos, o Governo limitou-se a despejar papelada e burocracia nas escolas, como o Perfil dos Alunos, a flexibilidade curricular, etc.,etc., etc.,


    Este trabalho integrado é tudo menos fácil e sobretudo não cabe nos sobrecarregados horários dos docentes portugueses. Requer turmas e grupos mais pequenos, apoios individualizados, técnicos e professores especializados.”

    Obrigado António por ajudar a desmascarar este carnaval da inclusão e o seu principal mentor.

    Acrescentaria que contra a indisciplina na sala de aula, que nalguns casos submerge completamente o esforço sério de ensinar de qualquer professor – não se vislumbrando na maioria dos casos qualquer feedback positivo por parte das famílias mesmo depois de usados os recursos que a escola tem à sua disposição – dizia que contra isto não se descortina qualquer estratégia ministerial no sentido de corresponsabilizar os encarregados de educação a encarregarem-se mesmo da educação dos seus educandos.
    Esta deveria ser antes de mais a primeira preocupação de qualquer governo sério apostado num qualquer plano nacional de escolarização em vez de andarem a enganar os portugueses com falsas estratégias de inclusão e a tornarem a escola ainda mais disfuncional e menos meritocrática… mas a fantasia é o que está a dar no actual mercado das ilusões.

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    • Pois, a indisciplina é outro grande problema que compromete o funcionamento das aulas e o desenvolvimento das aprendizagens. Aqui, a política continua a ser a da avestruz, fazer de conta que não se passa nada, quando não insinuar que a culpa é dos professores, incapazes de compreender e motivar os alunos.

      Estou convencido de que estudos sérios e aprofundados sobre as tais escolas de que fala J. Costa, as que, apesar de receberem alunos de meios desfavorecidos conseguem bons resultados, demonstrariam que esse sucesso passa em grande medida por conseguirem combater eficazmente a indisciplina. Mas esse é um factor que nunca é equacionado nos estudos e estatísticas do regime. Porque será?…

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