Coincidências

Em resposta a uma deputada da Iniciativa Liberal, [o ministro da Educação] disse ainda que existem “dezenas de milhares de diplomados a sair (do ensino superior) todos os anos” e defendeu melhores condições para que “esses diplomados possam tornar-se professores”.

Noto alguma ligeireza, que os mais incautos poderão confundir com optimismo, na forma como o novo ministro da Educação parece querer resolver o problema da falta de professores. E não é o único. Entrevistada no Jornal da CNN de 10 de Abril (ver aqui, por volta do minuto 50), Maria de Lurdes Rodrigues, ministra de má memória e infinita desfaçatez, não regateava elogios ao programa do Governo AD para a Educação. E discorria da mesma forma: todos os anos se formam dezenas de milhares de “diplomados” nas universidades e politécnicos: se hoje precisamos de professores temos, ao contrário do que sucedia no passado, onde os ir buscar.

Este raciocínio enferma de três falhas, pelo menos. Em primeiro lugar, apenas uma ínfima parte dos licenciados e mestres que se formam actualmente o fazem em cursos que habilitam para o ensino, pelo que ser professor não estará, à partida, nos horizontes profissionais destes estudantes. Para poder disputar, com o sector privado e com o mercado internacional de trabalho que cada vez mais atrai os nossos jovens, os futuros profissionais da Educação, seria necessário dotar a profissão de uma atractividade que hoje está muito longe de ter.

Depois, há que ter em conta que não é um qualquer “diplomado” que está habilitado a ser professor: para qualquer nível de educação e ensino não superior é exigido o grau de mestre, tendo o futuro professor de possuir tanto a formação científica na área disciplinar a leccionar como a correspondente formação pedagógica. E achar que isto se obtém às três pancadas, numa qualquer formação complementar obtida num semestre ao mesmo tempo que se improvisam umas aulas, é apenas rumar à degradação acelerada da qualidade da educação.

Por último, apostar em recrutar, à falta de professores habilitados, profissionais formados noutras áreas – engenheiros, juristas, profissionais de saúde, técnicos especializados, etc. – será sempre uma aposta arriscada: haverá uma grande probabilidade de estar a recrutar, para o ensino, pessoas que fracassaram na área profissional para a qual se formaram e que encontram na escola uma alternativa de emprego enquanto não conseguem algo melhor. Ora os melhores sistemas educativos são, sabe-se bem, os que apostam na formação e no recrutamento dos melhores para a docência, não os que fazem do ensino o refugo de outras profissões.

Marcha pela Educação – o Manifesto

Seguindo o exemplo da concentração promovida pela Missão Escola Pública, também o grupo de professores que organizou a Marcha pela Educação fez questão de divulgar as motivações e objectivos da iniciativa, na forma de um Manifesto.

Embora a recuperação do tempo de serviço dos professores surja como a primeira das reivindicações, é importante assinalar que o documento não se esgota em matérias de salários e progressões – questões corporativas, como gostam de dizer os detractores da classe docente…

A desvalorização da carreira e a degradação das condições de trabalho dos professores não são mero efeito de troikas ou pandemias passadas. Pelo contrário, enquadram-se numa política de desinvestimento na Educação, num país onde o tema tem vindo a cair até ao fundo da lista de prioridades dos partidos políticos e da opinião pública – o que é bem visível no escasso relevo que lhe é dado nos programas e debates eleitorais.

Valorizar a carreira dos professores implica valorizar da mesma forma o papel da escola na formação das novas gerações, investindo em mais e melhores aprendizagens e contrariando o ciclo de declínio e facilitismo que tem imperado. Os colegas que ontem se manifestaram em Lisboa compreendem-no bem. E Francisco Marques não o poderia ter expressado melhor:

Francisco Marques, do Porto, contou que é a sétima vez que se manifesta em Lisboa e que nem tem os 6 anos, 6 meses e 23 dias de tempo de serviço para recuperar, porque voltou à profissão mais recentemente, mas que o faz para reivindicar que a “educação deste país seja planificada como deve ser, que está em cacos“, sem professores e outros profissionais necessários, com instalações precárias e os professores sem exigência e a autoridade que devem ter.

“Acima dos salários, que são baixos, este problema é mais grave. Eu sinto-me muito mais desconsiderado pela ausência de exigência. Quando os professores deixarem de ser exigentes, deixarem de vir às manifestações, deixarem de exigir uma escola melhor, temos um país irremediavelmente hipotecado” afirmou.

O professor de Português considerou que os encarregados de educação tiveram já, eles próprios, um ensino facilitado pelo que também a sua exigência é cada vez menor.

“Há uns anos as pessoas não compreendiam as cartas das finanças, do banco, e pediam a um vizinho que lhas lesse. Nós vamos ter esse problema agora, mas as pessoas vão estar com o 12.º ano, não sabem ler, escrever, interpretar”, disse, considerando ainda um “escândalo” o modo como é tratado o ensino profissional, que deveria ser vocacional, e é usado pelos governantes como “escape para a não aprendizagem”.

Aliás, disse, os Governos usam sucessivamente “disfarces” para “para enganar as entidades externas e os portugueses” quanto aos resultados da educação.

Do ensino mínimo à exigência educativa

Estiveram muito bem os colegas que, na manifestação do passado sábado, souberam colocar o foco na defesa de uma escola pública de qualidade, contra o empobrecimento curricular, o facilitismo avaliativo, o experimentalismo pedagógico permanente e a crónica falta de meios e recursos para dar resposta a necessidades cada vez mais prementes e diferenciadas que os alunos evidenciam.

Os professores nunca poderão deixar de lutar pela recuperação do tempo de serviço e a dignificação da profissão. Se não defenderem os seus direitos, ninguém o fará por eles. Mas esta luta não pode esquecer tudo o que condiciona o seu sucesso. Há que ter consciência de que, no dia em que a escola pública deixar de garantir uma boa educação aos seus alunos, também pouco terá para oferecer aos seus profissionais.

A plataforma social “Missão da Escola Pública” organizou uma concentração no centro de Lisboa para expressar as frustrações de um setor que se sente desvalorizado.

Os professores queixam-se de um desinvestimento na educação pública da parte dos sucessivos governos que vai além do não reconhecimento da antiguidade na carreira.

Os docentes queixam-se do que definem como um sistema de ensino que tem vindo a perder exigência com os alunos e no qual o mais importante é que os alunos passem de ano, mesmo que não tenham aprendido.

Ainda a “desgraça” das aferições…

Provas de aferição. Apenas 5% dos alunos do 5.º ano não tem dificuldades de leitura

No relatório sobre as provas realizadas no último ano letivo, o Instituto de Avaliação Educativa diz que o modelo digital não teve “um impacto significativo” nos resultados. Dificuldades vão de apontar a Península Ibérica num mapa a pesquisar informação na internet.

Apesar de a divulgação do relatório das provas de aferição de 2023 ter já algumas semanas, só agora a maior parte dos media lhe está a dar atenção, destacando alguma da informação contida no relatório oficial: extenso, palavroso, por vezes contraditório e nem sempre fundamentado nas suas asserções.

Na verdade, e por muito que se tente dourar a pílula, o que os resultados obtidos exprimem é um verdadeiro descalabro ao nível das aprendizagens, mais nítido no 5.º e sobretudo no 8.º ano de escolaridade. Quanto às razões, é escusado voltarmos a insistir nas desculpas estafadas em torno da pandemia: além de um indisfarçável declínio das aprendizagens, fruto do facilitismo promovido oficialmente, há a ideia insidiosa, que o ministério permitiu que se instalasse, de que estas aferições não servem para nada.

Por outro lado, insistiu-se em transpor as provas para um formato digital sem que estivessem asseguradas as condições técnicas indispensáveis na generalidade das escolas, a familiaridade dos alunos com o novo modelo e a adequação das questões colocadas ao novo suporte digital. A nenhum dos arrogantes “especialistas em avaliação” do IAVE, sempre prontos a menorizar o trabalho quotidiano nas escolas, terá ocorrido a necessidade de criar um grupo de controle que faria as provas em papel: um procedimento usado, por exemplo, no último teste PISA, e que permitiria quantificar o impacto da migração para o digital. Assim, ficamo-nos pelas hipóteses e conjecturas, algo que parece não incomodar muito as sumidades do ME e do IAVE, pouco interessados na acumulação de evidências que demonstrem o fracasso das políticas de uns e a incompetência dos outros.

Sobre incompetência técnica e pedagógica na concepção, execução e avaliação das provas de aferição acrescentarei apenas, pegando nas mais recentes notícias, que é completamente inverosímil a afirmação de que apenas 5% dos alunos do 5.º ano sabem localizar geograficamente a Península Ibérica. Desde logo porque nas questões seguintes, tão ou mais complexas, os mesmos alunos apresentam um desempenho substancialmente superior. A explicação óbvia para tão elevado inconseguimento em matéria tão elementar estará, obviamente, na má formulação da questão, que para avaliar um conhecimento muito específico, o mistura com outras matérias e conceitos de uma forma que pode confundir os alunos, ainda para mais num modelo de prova com o qual não estão familiarizados. E aqui podemos estar também perante um problema que sábios da avaliação desligados do mundo real das escolas tendem a ignorar: um preocupante défice vocabular entre os alunos, que se vem acentuando da ano para ano. Muitos dos que não respondem, ou respondem errado, fazem-no porque não entendem, ou entendem mal, a pergunta, desde logo porque desconhecem o significado de uma ou mais palavras que entram na sua formulação. Um problema complexo que não se resolve com a proliferação das “leituras de prova” (não é apenas dificuldade de leitura, mas sobretudo de compreensão do que se lê) e que deveria ser estudado e discutido seriamente.

Da prova online de HGP 2023

O declínio nas aprendizagens é indisfarçável, e as suas causas são evidentes: desde o espírito dos tempos, alimentando a fantasia de que todos podemos ser tudo o que quisermos, até aos seus reflexos no ambiente facilitista que tomou conta das escolas, evidente na pressão para o sucesso a todo o custo e a qualquer preço e na ilusão de que podemos substituir o esforço e o empenho na aquisição de conhecimentos por trabalhos de copiar e colar, eufemisticamente chamados “de pesquisa”, ou ficções “colaborativas” em que uns – cada vez menos! – trabalham, enquanto os outros se encostam à espera que o trabalho apareça feito.

Urge, em suma, recentrar a escola no primado da aquisição e compreensão de conhecimentos, na forma de saberes sólidos e estruturados, e na avaliação séria e eficaz das aprendizagens. Sem isso, não haverá aferições, nem quaisquer outros suaves milagres, que nos valham…

Faz sentido!…

Um aluno que aprendeu a valorizar e a aplicar os seus conhecimentos, ao qual foram incutidos hábitos de estudo e de trabalho, nunca deixará em branco, ou responderá aleatoriamente, a uma pergunta à qual sabe responder correctamente.

Por isso mesmo, os resultados miseráveis das últimas provas de aferição representam o fracasso absoluto do costismo educativo.

Primeiro, porque são óbvios e abundantes os erros de concepção e elaboração das provas. Como sempre fizeram questão de explicar aos professores, se a maioria dos alunos falha num teste, a culpa não é deles, mas do professor. Ou quando está em causa o trabalho dos doutores aferidores do IAVE essa lógica deixa de se aplicar?

Segundo, porque se ignoraram os avisos quanto à falta de condições para a realização das provas de aferição por via digital. Uma boa parte dos inconseguimentos dos alunos ficou a dever-se, não haja dúvidas a esse respeito, a serem avaliados num contexto que nada tem a ver com aquele em habitualmente aprendem e são avaliados. Mas claro, graças à aselhice e à incompetência dos (ir)responsáveis do ME e do IAVE, nunca chegaremos a saber ao certo que percentagem do descalabro pode ser atribuída à teimosia no uso do digital.

Terceiro, e talvez o mais importante, a cultura do facilitismo, da escola que remove da frente do aluno todos os escolhos e dificuldades que lhe possam tornar o percurso menos prazeroso e divertido, da profusão de “medidas” destinadas a garantir o sucesso sem estudo e sem esforço, do nivelar por baixo que é a imposição de aprendizagens mínimas e saberes meramente instrumentais. Não estudes que não é preciso, diverte-te e sê feliz: da mediocridade das políticas só se podem esperar, obviamente, resultados medíocres.

Pensamento do dia

Em Educação, o anti-intelectualismo nunca é progressista, nem nunca o foi. Democratizar a ignorância não é lutar contra as desigualdades de base, mas sim blindá-las.
A escola pública que não ensina é o sonho húmido de quem se pode permitir aprender fora dela…

Pascual Gil Gutiérrez, daqui.

Fim da ADD ou monumental tiro no pé?

O actual regime de avaliação do desempenho docente (ADD) é injusto, arbitrário, discriminatório. Impondo quotas no acesso às menções ditas de mérito, impede todos os anos milhares de professores de progredirem de escalão no tempo previsto, ficando a aguardar vaga numa lista de progressão que aumenta de ano para ano. É vexatória para docentes que deram o seu melhor aos seus alunos, com dedicação e profissionalismo, mas que são preteridos nas avaliações e progressões por colegas que, podendo até ter feito muito menos, pontuaram mais naquilo que interessa a quem avalia. E que dizer da autêntica lotaria que é a avaliação externa, onde tanto pode surgir um avaliador pouco disposto a colaborar na farsa avaliativa e atribui a nota máxima ao avaliado, como um forreta que resolve cortar, logo ali, as hipóteses de progressão do candidato?

A ADD é tudo isto e muito mais, como quem passou e passa por ela pode facilmente testemunhar. Mas será que apresentar uma petição pedindo o seu fim, elaborada desta forma, faz algum sentido?

Para começar, um texto redigido nestes termos, sem qualquer explicação ou fundamentação, nunca o aceitaríamos vindo de um dos nossos alunos, a quem mandamos elaborar, justificar, argumentar nos seus escritos. Admito que algumas injustiças vivenciadas por quem se submete à ADD possam ser revoltantes ao ponto de toldar algum discernimento, mas mesmo assim pergunto-me como é possível um professor publicar uma alarvidade destas. Que não terá orgulho na obra produzida parece-me evidente, pois mantém o seu nome num prudente anonimato. Mas há algo ainda mais inquietante: quando escrevo estas linhas, mais de 800 pessoas subscreveram a petição, online há pouco mais de uma semana. São perto de uma centena por dia. Revêem-se nisto os colegas? Não se apercebem que se porventura o autor da petição, animado por uns milhares de assinaturas, resolvesse levar isto mais longe, seria um monumental tiro no pé para a classe docente? E mais: desta vez, não poderiam colocar a culpa “nos sindicatos”. Seria mesmo a aselhice “inorgânica” da classe a fazer das suas!

Recorde-se que a avaliação de professores existe desde o primeiro Estatuto da Carreira Docente, datado de 1990. Em moldes diferentes, e seguramente mais justos e consensuais do que no modelo actual, todos os docentes passaram a ser avaliados para efeitos de progressão. Exigir o fim da ADD é reclamar um estatuto de excepção em relação a todas as carreiras do Estado, onde a avaliação existe e, em muitos casos, com regras que se podem considerar ainda mais gravosas do que as impostas aos professores. É dar argumentos a quem diz que os professores não são ou não querem ser avaliados, pretendendo chegar ao topo da carreira de forma automática e sem prestar contas sobre a qualidade do seu trabalho. Será mesmo isto que pretendemos?

De resto, sublinhe-se tudo o que já se disse sobre a iniquidade e as injustiças da ADD e recorde-se, já agora, uma disposição do decreto regulamentar n.º 26/2012 que tem ficado esquecida: o ponto 6 do artigo 30.º, que prevê a revisão negociada do regime da ADD ao quarto ano de vigência daquele diploma. Deveria ter sido em 2015; já passaram oito anos e quatro governos e nenhum deles encetou negociações sobre uma matéria que gera justificado mal-estar e revolta entre os professores, mas não pareceu incomodar qualquer dos governantes que passaram pela pasta.

Em vez da rejeição liminar, infantil e inconsequente da actual ADD, o que se impõe é lutar por um novo modelo avaliativo, mais justo e exequível, formativo e não punitivo, que fomente a melhoria das escolas e do trabalho colaborativo dos professores em vez de rivalidade e individualismo. Isto implica, é claro, ideias claras e propostas concretas sobre uma matéria polémica onde os consensos serão sempre difíceis de alcançar. Mas isso já são chatices a mais para um simples e anónimo “inorgânico”…

Estudantes escrevem cada vez pior

É uma tendência que vem de longe, esta de as gerações mais velhas criticarem a falta de conhecimentos, a preguiça física e mental, a infantilidade e a irresponsabilidade dos mais novos. Mas não é disso que aqui, infelizmente, se trata: nas escolas, vão-se acumulando dados concretos que demonstram objectivamente o declínio das competências básicas e estruturantes, como a leitura, a escrita e o raciocínio, entre os nossos alunos. “No meu tempo é que era bom!” – o dito popular raramente é aplicado com acerto, mas nos dias de hoje, e tendo em conta o plano inclinado por onde desliza a educação dos nossos filhos e netos, temo que comece finalmente a fazer sentido.

Chega de culpar a pandemia, como alguns analistas do fenómeno persistem em fazer: o retrocesso começou muito antes e, como sucede em tudo o que envolve alguma complexidade, não é consequência directa de um só factor. Em boa verdade, há pelo menos três grandes causas que podem ser apontadas: a influência perniciosa dos meios digitais que as crianças usam cada vez mais precocemente, a permissividade da educação parental – ou a falta dela! – e as pedagogias facilitistas com que se tenta democratizar o sucesso escolar, sem que o inflacionamento das notas corresponda efectivamente a mais e melhores aprendizagens.

Na verdade, o que é que custa subir um dois para três, e com isto decretar um sucesso apenas fictício? Em última análise, todos ficam satisfeitos: o aluno e a sua família porque obteve o resultado pretendido, ainda que imerecido, o professor que se livrou de justificações, relatórios e outras burocracias, a escola que acrescentou mais uma ou duas décimas às suas estatísticas de “sucesso pleno”. Sem avalliação externa que exponha a dimensão do inflacionamento das notas, então é ouro sobre azul – como se tornou evidente durante a pandemia, quando as estatísticas denunciaram uma melhoria dos resultados dos alunos, como se tivessem aprendido mais durante o confinamento do que em ensino presencial.

A CNN ouviu vários testemunhos para um trabalho jornalístico que explica muito bem porque é que os estudantes portugueses estão cada vez pior a ler, a escrever e a interpretar aquilo que lêem. Ficam apenas alguns excertos de uma peça cuja leitura integral se recomenda vivamente.

Os estudantes estão a escrever pior? “Voltei este ano a corrigir exames nacionais e assustei-me”

“Enquanto professor e pai, tenho muito receio desta geração e da próxima, porque estamos a criar jovens muito infantilizados. Os jovens têm pouca resiliência e ler é uma das coisas que fazem menos atualmente. Os jogos são mais apelativos e tudo o que é instantâneo, automático é mais atrativo. Têm um léxico muito básico e muito elementar. Tenho alunos do secundário que têm muita dificuldade em estruturar ideias e verbalizá-las ainda é pior”, acrescenta.

“A culpa não é das tecnologias é de quem recorre a elas de forma incorreta. Devíamos apostar na literacia digital dos jovens, para eles terem noção e a consciência de que não basta o copy paste ou um texto bonitinho feito pelo Chat GPT. Tem de haver um treino, um investimento, um ensinamento de como se usam as tecnologias”, apela o docente.

Há erros que são transversais a todos os níveis de ensino, mas há também falhas que são específicas de cada época da vida. Aqueles com que Veronesi mais convive no seu dia-a-dia são os relacionados com a fonologia.

“Temos sobretudo os referentes à segmentação (juntar ou separar palavras). Em primeiro lugar, temos a hipossegmentação, como por exemplo: ‘ligame’ em vez de ‘liga-me’ ou ‘adorote’ em vez de ‘adoro-te’. De seguida, também temos erros de hipersegmentação, ou seja, separar as palavras que deveriam escrever juntas. Exemplo: ‘a mor’ em vez de ‘amor’ ou ‘a mizade’ ou ‘amiza de’ em vez de ‘amizade’. Ainda dentro dos motivados pela fonologia temos os relacionados à estrutura silábica. Como são exemplo ‘braco’ em vez de ‘branco’, ‘peciso’ em vez de ‘preciso’ ou ‘espoldiu’ para ‘explodiu’”, enumera o professor da Escola Básica Manuel Teixeira Gomes, Marvila.

João Pedro Aido é presidente da Associação de Professores de Português (APP) e acrescenta, nos alunos mais novos, um problema de construção frásica que se apoderou das salas de aula e dos recreios. “Em muitas construções omitem o verbo e os artigos quando falam. Dizem, por exemplo, ‘Professora, posso casa de banho?’ ou ‘posso água?’”, exemplifica.

Quanto aos mais velhos, diz o presidente da APP, “os problemas mais graves talvez não sejam ortografia, mas sim pontuação, sintaxe, construção e estruturação”.

João Francisco Silva nota que os alunos “escrevem como ouvem” e encontra muito português do Brasil misturado com a norma europeia, “porque ouvem muitos vídeos de youtubers e tiktokers brasileiros”. João Pedro Aido concorda, mas é mais específico na evocação da questão: “O problema da apropriação de certas estruturas da variedade de português do Brasil é os alunos não terem consciência se as formas são corretas ou erradas. Se veem vídeos onde ouvem alguém dizer ‘eu vi ele’, acham que está correto e passam a falar e a escrever assim”.

O presidente da APP concorda que o problema começa mesmo em casa e dá conta de um aspeto que mais lhe “chamou a atenção nos últimos anos” e que a pandemia até pode ajudar a explicar, “mas não explica tudo”. “Há muita falta de comunicação na família, falta de interação entre os diferentes elementos da família. Isso tem implicações por exemplo ao nível da articulação das palavras, a ponto de haver mais alunos precisarem de terapia da fala. Muitos alunos que estiveram fechados em casa aquele tempo todo, como também não conviviam com ninguém de fora, regressaram às escolas com muitos problemas. As máscaras também vieram causar uma entropia muito grande, porque não vemos os outros a falar e as crianças que estão a aprender não visualizam os movimentos necessários para articular determinados sons. Mas o maior problema é mesmo a falta de comunicação”, alerta.

Alunos estão a aprender menos

Provas realizadas no princípio deste ano contrariam subida das notas dadas pelos professores. Os 6.º e 9.º anos mostram “dificuldades consideráveis”. Razão: a crise pandémica.

Concretamente, segundo se encontra descrito no relatório, os alunos do 6º ano de escolaridade revelam desempenhos inferiores em todos os níveis de proficiências, relativamente à primeira edição do estudo” em 2021. Ou seja, “mostraram, em 2023, maior dificuldade em, por exemplo, desenhar um procedimento experimental, distinguindo questões científicas de não científicas, reconhecer características elementares de uma pesquisa ou procedimento experimental simples ou, ainda, analisar criticamente as conclusões a que chegam, com recurso a evidências e interligando-as com outro conhecimento científico, contribuindo para a sua generalização”.

No caso do 9.º ano, as principais dificuldades na literacia matemática foram sentidas no nível dois de proficiência (existem quatro), mostrando “um desempenho inferior” relativamente aos alunos que realizaram estes testes em 2021, sobretudo no que respeita à mobilização de “procedimentos, técnicas e conceitos na resolução de problemas de complexidade reduzida”.

Quanto à literacia da leitura, “a percentagem de alunos que conseguiram realizar com sucesso pelo menos dois terços das tarefas de nível 3 e 4 foi mais baixa em 2023 do que em 2021”. Em 2021, esta percentagem oscilou entre 33% e 53%, consoante o nível de proficiência. Este ano a variação está entre 23,9% e 47,4%.

Na nota divulgada esta sexta-feira, o ME refere, sobre a evolução registada, “que o momento do percurso de aprendizagem em que os alunos se encontravam, no período da crise pandémica, poderá contribuir para uma explicação das diferenças registadas”.

Como evoluem, nas suas aprendizagens, os alunos portugueses? A resposta a esta pergunta deveria ser simples de encontrar: sendo periodicamente avaliados em todas as disciplinas, bastaria verificar a evolução dos resultados escolares. O problema é que, contaminada pela ideologia do direito ao sucesso, a avaliação que os professores fazem aos seus alunos deixou de ser fiável quando queremos aferir as suas reais aprendizagens. O actual regime de avaliação responsabiliza os professores pelo insucesso dos alunos e determina a implementação de “medidas” conducentes ao sucesso, que na prática se traduzem em sucessivos abaixamentos da fasquia avaliativa, até que todos consigam aprovação.

Resultado: as avaliações dos alunos, feitas pelos seus professores, deixaram de ser fiáveis. Para analisar, por exemplo, os comprometimentos impostos pela pandemia, foi necessário recorrer a um estudo específico, semelhante ao de 2021 mas feito desta vez por amostragem, no qual se constata que, tal como seria de esperar, há um declínio nas aprendizagens em determinadas competências avaliadas.

O estudo publicado pelo IAVE é bastante técnico (clicar na imagem para aceder) mas há pelo menos uma conclusão que merece reservas: tornou-se cómodo usar a pandemia como justificação de tudo o que corre mal, e dessa forma fugir a uma avaliação séria do impacto das políticas educativas dos últimos cinco anos.

A pandemia vai-se tornando uma recordação cada vez mais distante. Mas o declínio ao nível dos conhecimentos, destrezas e capacidades que vamos encontrando nos novos alunos, ano após ano, é constatado por todos os professores que trabalham com alunos reais, e não com abstracções estatísticas. E não há sinais de que a escola das flexibilidades, dos ubuntus e dos maias, dos manuais digitais, da inclusão faz-de-conta e do sucesso obrigatório, esteja a conduzir a mais e melhores aprendizagens – bem pelo contrário!…

Aprender fazendo

Um ano para aprender o básico dos básicos, outro para aprender fazendo, à custa das involuntárias cobaias, et voilá… um professor, um médico, um engenheiro, o que se quiser!

O problema é que se na Medicina ou na Engenharia toda a gente percebe o absurdo da ideia, na Educação essa percepção não será tão óbvia. Mas os resultados não serão menos desastrosos…

Cartoon roubado ao Facetoons