Exames, explicações e desigualdades

why-we-learn[1]A propósito do estudo académico sobre a promoção da desigualdade através dos exames nacionais que ontem comentei, pergunta Paulo Guinote:

Se Acabarem os Exames Acabam as Desigualdades e os Pobrezinhos Passam Todos a Entrar em Medicina e Arquitectura e na Carreira Diplomática e Etc?

Numa coisa estaremos de acordo: nunca serão os exames ou a falta deles, nem tão pouco as metodologias pedagógicas ou os modelos organizacionais da escola, que resolverão por si só problemas que são de toda a sociedade. Já por aqui me manifestei inúmeras vezes contrário a este socialismo do século XXI que, tendo desistido de reformar a economia e a sociedade, prefere lançar-se contra as escolas e os professores, exigindo-lhes que concretizem, com os seus alunos, uma mirífica “igualdade de oportunidades” que é contrariada, em todo o lado, pelo agravamento das desigualdades.

Dito isto, devo acrescentar que me parece algo demagógico e redutor sugerir que qualquer crítica ao actual modelo de avaliação externa faça do seu autor um militante anti-exames. Como se um sistema que favorece, não os melhores, mas os que podem pagar os colégios e as explicações que asseguram as melhores notas, fosse algo de que nos devêssemos orgulhar e que mereça ser preservado até ao fim dos tempos.

Sou claro na minha posição: penso que devem existir exames na conclusão do secundário e que o número actual de provas (duas no 11º e outras duas no 12º) é adequado. Acho excessivas as duas épocas de exame – bastaria uma única, com direito a 2ª chamada em casos comprovados de força maior – bem como uma boa parte da carga burocrática e processual envolvida. Mas a minha crítica fundamental é ao facto de os exames do secundário serem há muitos anos desvirtuados na sua natureza – deveriam servir exclusivamente para a conclusão do secundário – funcionando como provas de seriação e de habilitação no acesso ao ensino superior.

Ora o facto de se criar em torno dos exames a pressão para a obtenção de boas notas, porque delas depende o acesso à universidade, é que está, por um lado, a colocar uma pressão excessiva sobre os alunos, e por outro, a falsear os resultados – que já não são apenas o reflexo do que se aprendeu na escola, mas também do treino específico obtido nas explicações.

Não faz sentido que as universidades e escolas superiores, com o grau de autonomia que já têm, continuem a confiar no “computador do ME” para seleccionar os seus próprios estudantes. Percebo que neste nível de ensino tenham coisas mais interessantes para fazer, mas recuso o argumento de que as “aves raras” que sobrevoam pelos céus da academia, suficientemente competentes para gerir orçamentos de milhões, em larga medida provenientes dos nossos impostos, e para recrutar novos professores, já não o sejam para seleccionar, pelos critérios que entendam mais adequados, os seus próprios estudantes. Como se faz, sublinhe-se, na generalidade dos países.

No entanto, argumentarão Paulo Guinote e outros defensores do actual sistema, transferir os exames de acesso para as universidades não resolve o problema, apenas o desloca para outro lado. Eu acho que não é bem assim: parece-me que logo à partida esta transferência de responsabilidades obrigaria a repensar toda a questão. As universidades sabem – há estudos académicos sobre isso – que as boas notas nos exames ou os percursos académicos de sucesso trazidos do secundário nem sempre têm continuidade no ensino superior. Fará sentido que as universidades – sozinhas ou em conjunto – criem, para os cursos com maior procura, instrumentos de selecção que avaliem, não tanto o que os estudantes aprenderam no secundário, mas sobretudo as capacidades e competências necessárias para o curso que pretendem frequentar. Será que, por exemplo, saber que o aluno A obteve um 19 no exame de Matemática, enquanto o aluno B apenas chegou ao 18, nos permite concluir que o primeiro será melhor médico do que o segundo? Muito discutível. No entanto, é este tipo de critérios que continua a prevalecer.

Há outro ponto em que discordo do Paulo: quando parece naturalizar a necessidade das explicações enquanto apoios ao estudo, lamentando que nem “todos os alunos e as respectivas famílias tenham um nível de vida que lhes permita ter pelo menos parte desses meios”. Estou de acordo em que as famílias portuguesas deveriam ter maiores rendimentos, pois continuamos infelizmente a ser um país de baixos salários, e gostaria que parte desse rendimento suplementar pudesse aumentar o consumo de bens culturais. Mas não me parece que devam gastar ainda mais a pagar explicações.

Gostaria de ser ainda mais preciso e dizer que o recurso generalizado a centros de explicações e a explicadores profissionais se está a tornar um verdadeiro cancro do nosso sistema educativo, especialmente no secundário, induzido pela pressão da obtenção de resultados. Duplamente pernicioso, porque desresponsabiliza os alunos, por um lado, e por outro as escolas e os professores. Muitos alunos confiam no explicador para lhes explicar novamente a matéria e por isso não sentem a necessidade de estar atentos nas aulas ou de ter nelas uma participação construtiva e empenhada. E as escolas que recebem estes alunos privilegiados também não se vêem forçadas a dar resposta às suas dificuldades concretas, muito menos a questionar programas e currículos desajustados e inexequíveis, porque as famílias resolvem o assunto recorrendo às explicações.

Em suma: um sistema educativo capaz de encontrar em si mesmo respostas para todos os alunos, resolvendo problemas e contradições sem ter de recorrer à muleta das explicações para eles aprenderem o que a escola, supostamente, deveria ensinar: será pedir demasiado?

 

3 thoughts on “Exames, explicações e desigualdades

  1. Relativamente a este tema pouco ou nada se fala nos exames e provas de equivalência à frequência do 9º ano e das condições muito pouco lógicas para que os aluno vão ou não a exame. Concordo que duas chamadas são claramente exageradas e então no 9º ano ainda mais, sobretudo nos exames de equivalência à frequência, que na sua maioria são feitos por alunos que não conseguiram ou não quiseram ter melhores resultados durante o ano lectivo e que nessa altura tentam a sua sorte através das provas fazendo-as completamente na desportiva e sem o estudo adequado. Dão-se ao luxo de mesmo tendo chumbado em provas da 1.ª chamada, ainda irem à 2ª “volta”, já para não falar daqueles que visivelmente terão imensa dificuldade em passar nos exames nacionais de Português e Matemática. Muitas vezes são alunos que passaram de ano no 3.º ciclo sempre com negativas e em concreto nessas disciplinas. Os professores neste caso andam ali a criar exames e a serem pressionados para que a criança passe, pois coitada sujeitou-se a fazer os exames! É ridículo, para além de ser um desperdício de tempo e de recursos e desresponsabiliza completamente o aluno.

    Gostar

    • É de facto pouco sensato admitir que os exames de equivalência no 9º ano possam ou devam, sequer, fazer milagres por alunos que não se aplicaram ao longo do ano.
      Cabe aos professores que os elaboram e classificam resistir às pressões e não embarcar em facilitismos que, no fim, só desprestigiam o trabalho dos professores e dos alunos que efectivamente trabalharam.

      Gostar

      • É mesmo, mas acontece! Ou então temos escolas onde “miraculosamente” nenhum aluno chega a ir às provas de equivalência… Ou também temos a situação em que para facilitar a vida de um aluno, ou o professor de Matemática ou o de Português são “estimulados” a dar 3 a esse aluno para que não venha a reprovar mesmo que tire negativa nos dois exames… 😦

        Gostar

Comentar

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.