Disparatar em vez de argumentar

InesTeotonioPereiraQuando faltam os argumentos, como sucede agora aos defensores dos contratos de associação com escolas privadas, e falta também a força com que, como sucedeu com o anterior governo, se impõe a falta de razão, sobram, para consumo da opinião pública, apenas dois recursos:

No plano emocional, jogar com o dramatismo das criancinhas que ficam sem a sua escolinha e dos pais que são confrontados com a perda de estatuto social ou a desorganização da vidinha se o menino ou a menina tiverem de deixar o “colégio” para ingressarem na escola pública indiferenciadora.

No plano racional, confundir a opinião pública, distorcendo a realidade e recorrendo a analogias com situações aparentemente idênticas para tentar passar a mensagem de que as reivindicações dos colégios são lógicas e fazem sentido. É o caso desta cronista do DN:

Em Portugal existem três tipos de creches: as públicas, onde não se paga mensalidades; as IPSS, em que o Estado paga a mensalidade ou uma parcela conforme os rendimentos dos agregado; e as privadas, em que o encargo é só das famílias. Agora imaginemos que o Estado acaba com as IPSS e passa a existir apenas as públicas e as privadas. Decide que não financia mais lugares de creches em estabelecimentos privados. Caía o Carmo e a Trindade. […]
Pois é exatamente isto o que o governo está a fazer no ensino na cruzada que iniciou contra os contratos de associação. Um sistema que funciona e que devia ser alargado, porque oferece várias opções às famílias independentemente da capacidade financeira, está a ser estrangulado. Porquê? Pela ideia medieval de que só o Estado pode ser prestador do serviço público de Educação, que não deve descentralizar de forma a ser o mais eficiente e democrático e que é a infernal máquina administrativa e não as famílias que sabem escolher.

É um perfeito disparate comparar o pré-escolar com os 2º e 3º ciclo do ensino básico e o ensino secundário, porque no primeiro caso a rede pública de é claramente insuficiente para assegurar a cobertura de todas as crianças, enquanto nos restantes existe, na maior parte do país, excesso de capacidade instalada.

Discutir as razões pelas quais o Estado nunca investiu na educação pré-escolar levar-nos-ia longe e não é o objectivo deste post, basta apenas a constatação óbvia da realidade:  apenas as IPSS estão, na grande maioria dos casos, em condições de assegurar a frequência, a custos comportáveis pelas famílias, de creches e infantários. E por esse motivo devem ser apoiadas pelo Estado, para que nenhuma família carenciada ou de baixos rendimentos tenha de privar os filhos da frequência do pré-escolar.

O carácter supletivo da prestação de serviços públicos por entidades privadas tem sido regra geral em todas as áreas da administração pública; ao contrário do que sugere a cronista, quando o Estado financia creches, escolas ou clínicas privadas para acolherem os utentes do público, não é para que estes “possam escolher”, mas sim para que tenham acesso aos serviços de que necessitam e a que têm direito e que o Estado não está em condições de, pelos seus próprios meios, dar resposta adequada.

Percebe-se demasiado bem, assim, o truque com que se tenta enganar e confundir os incautos, mas lendo a croniqueta até ao fim também se constata a ignorância da cronista, exibida naquele tom displicente característico de quem, usando sonante e duplo apelido, acha que tudo lhe fica bem, até designar como “medieval” um sistema de ensino que o Estado controla e financia.

Ó senhora! Na Idade Média não havia sequer Estado, tal como o conhecemos hoje, quanto mais “sistema educativo”…

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