Pelo meio da indignação e do sofrimento, da propaganda e da desinformação, as posições face à guerra na Ucrânia têm vindo a alinhar em pelo menos uma de três atitudes distintas:
- A daqueles que condenam de forma veemente e sem reservas a invasão russa da Ucrânia – e fazem questão de assinalar que é de guerra que se trata, e não uma “operação militar especial” como pretendem Putin e os seus sequazes – mas de quem raramente ou nunca se ouviu uma condenação ou um lamento em relação a qualquer outro dos conflitos armados que ocorrem no mundo, tão ou ainda mais sangrentos do que o da Ucrânia, mas convenientemente afastados da Europa;
- No pólo oposto, há os que sempre defenderam os oprimidos e o direito de todos os povos à autodeterminação e à resistência, por todos os meios ao seu alcance, contra as agressões imperialistas – mas que agora sentem um estranho embaraço em condenar o imperialismo russo e assumir o direito dos ucranianos a decidirem livremente o seu destino;
- Finalmente, há os defensores da paz, os que se opõem à guerra como forma de resolução de conflitos, que não defendem a submissão aos poderosos nem a lei do mais forte, mas percebem que, em todas as guerras, os perdedores são sempre os mais fracos e desprotegidos, as populações civis indefesas e os soldados de um e de outro lado que alimentam a guerra como carne para canhão.
Assumir esta última posição num clima de posições extremadas é que não é nada fácil. É impossível negar ao agredido o direito de se defender, mas deve ser denunciada a hipocrisia dos que atiçam uma guerra onde nunca se irão envolver. O direito e a vontade de resistir de uns não dá a quem os apoia o direito de lhes exigir sacrifícios supremos, como se tivessem os ucranianos de assumir o papel de guarda avançada da civilização ocidental enquanto todos nós, cá de longe, vamos fazendo a nossa vida despreocupada.
Pelo meio, e perante a intensidade que o conflito vai assumindo, fica a tarefa quase impossível de alcançar a paz. Que não será obtida por uma rendição em toda a linha da Ucrânia, que já se percebeu que não irá acontecer. Mas a ideia de uma derrota militar da Rússia também não é credível. Negociações sérias para a obtenção da paz serão, mais tarde ou mais cedo, inevitáveis. O poderio militar russo demonstrou já o seu poder destruidor e a crueldade bárbara colocada nalgumas das suas acções. Mas revelou também as fragilidades tácticas e estratégicas das suas forças convencionais.
Apesar da desproporção de forças, tem havido uma muito maior coesão do lado ucraniano e uma utilização bem mais eficaz da informação e da propaganda, que de certa forma, e em conjunto com o apoio militar e logístico de alguns países ocidentais, tem equilibrado a contenda. Do lado russo, ressaltam para já duas evidências: uma derrota e uma incógnita.
A derrota é a da unidade dos povos eslavos que a Rússia, desde os tempos imperiais, tenta fomentar e liderar. Se o sentimento nacionalista ucraniano era difuso ou quase inexistente no início da guerra, como reclamava Putin, ele ganhou força com a agressão do país até aqui tido por irmão. E não é só na Ucrânia que isto se passa: a Rússia tornou-se o inimigo e a ameaça comum de todos os povos europeus que bordejam as suas fronteiras. A estratégia da intimidação funcionou ao contrário do pretendido e a NATO, uma organização que muitos davam como quase moribunda na nova ordem internacional ganhou, sem disparar um único tiro, um novo protagonismo.
Quanto à incógnita, ela reside nos efeitos a curto e médio prazo que a guerra na Ucrânia terá na estrutura social e política da Rússia: as sanções económicas e as pressões internacionais, o cerco que se aperta sobre os oligarcas do regime, as tensões e contradições que se adivinham não só entre a população russa mas também nas forças militares. Continuará a mão de ferro de Putin a manter a coesão em todas as frentes, ou os bloqueios e contradições do putinismo começarão a abrir as brechas por onde poderá nascer uma alternativa política?