Professores que deixam a escola – I

A carência de professores qualificados é um problema comum nos países desenvolvidos. A Portugal até chegou tardiamente, pois o declínio demográfico nas novas gerações e o agravamento das condições de trabalho docente – menos reduções lectivas, turmas maiores, alargamento da idade de aposentação – permitiram disfarçar as carências durante algum tempo. Mas o problema aí está, persistentemente negado e ignorado pelos responsáveis, até que o confronto com a realidade o tornou insofismável, e manifesta-se em diversas frentes: os estudantes rejeitam os cursos de formação de professores, os professores mais jovens fogem da profissão e os mais velhos, que a doença ou a exaustão ainda não colocaram de baixa médica, contam ansiosamente os anos que ainda lhes faltam para a aposentação.

Será fraco consolo, mas ajuda-nos a compreender a dimensão do problema, saber que não somos caso único. Na generalidade dos países desenvolvidos, há um evidente mal-estar docente e, quando existem alternativas, uma fuga à profissão. E o mais curioso é que as razões são, de país para país, muito semelhantes, e têm sobretudo a ver com a imensidão de tarefas e responsabilidades que se exigem aos professores, sem contrapartida nas condições de trabalho, na carreira, nas remunerações, no reconhecimento e dignificação da classe. Veja-se, por exemplo, o caso da Austrália, através de alguns depoimentos de docentes que recolhi e adaptei a partir de uma notícia recente do Guardian: ressalvando uma ou outra particularidade local, quase tudo o que aqui está poderia ser subscrito por um professor português…

A nossa experiência é ignorada e as nossas condições de trabalho legalmente definidas são vistas como um contratempo pelos decisores. Está sempre implícito que levantar os resultados dos alunos seria fácil, se os professores apenas ‘fossem melhores’. As nossas competências não são respeitadas ou valorizadas. Sou uma profissional com formação universitária, mas este ano passei horas não lectivas a distribuir testes de antigénio aos estudantes, uma tarefa que qualquer pessoa poderia fazer. Porque estou a fazer isto? Os nossos prazos não são prolongados quando o tempo para preparar aulas é reduzido, pois espera-se que usemos o nosso fim-de-semana para recuperar o atraso no trabalho.

Esperam que façamos milagres. Todas as aulas, todos os dias temos de assegurar-nos de que estamos a ir ao encontro das necessidades de todas as crianças, desde a que viveu situações traumatizantes até à que os pais diagnosticaram como sendo sobredotada. Os meus dias são preenchidos com gestão de comportamentos, bombardeamento de emails, redigir planificações, marcar trabalhos, dar feedback, informar os pais, definir objectivos aos alunos, fazer adaptações curriculares, assistir a reuniões e formações. Sem esquecer a introdução de dados no sistema dentro dos prazos. Se eu pudesse simplesmente ensinar!

[Os políticos] esperam que façamos determinadas coisas… confiam-nos a responsabilidade de as fazer, mas na realidade não têm confiança em nós. Sabemos disso porque as decisões em Educação nunca são tomadas com base no que os professores necessitam ou no que aconselham. As decisões baseiam-se sempre naquilo que um político quer. Ou então são tomadas por alguém no ministério que está a tentar que a sua função pareça importante.

Há um nível geral de stress na profissão. Precisas de ser paciente e amável, trazendo na manga mil segundas oportunidades, independentemente de como foste tratado. Depois tens de passar ao modo do disciplinador firme-mas-justo. A seguir, um conselheiro, consolando os magoados e os corações partidos e sabendo que a maioria das suas dificuldades estão fora do teu controlo. Aliás, quase tudo está fora do teu controlo.

1 thoughts on “Professores que deixam a escola – I

  1. “Será fraco consolo, mas ajuda-nos a compreender a dimensão do problema, saber que não somos caso único.”
    Não, não somos caso único.
    Basta ler e estar mais informado para se chegar a esta conclusão. Os lamentos que se ouvem e que se lêem por cá dão muitas a entender que o problema é único do país.
    Aliás, de há muito, muito tempo para cá, a profissão docente é desconsiderada em quase todo o lado, por mais qualificado que se seja.
    A frase criminosa “quem não sabe fazer mais nada, vai para professor” resume o que pensam as “elites” sobre a nossa profissão.
    Há tempos e tempos lembro-me de ler a opinião de um conservador britânico que escrevia “os professores deviam pagar para exercerem a profissão”.
    Mas, já agora, não são só os professores que trabalham muito para o que recebem, que se sentem stressados, desmotivados e em burnout. Basta ouvir o que outras profissões sentem. E também não é só em Portugal.
    O que fazer?
    Como as coisas estão, e vão estar, só com mais solidariedade e espírito de comunidade (como escrevia um dia destes o Paulo Prudêncio) se poderá alterar a situação.
    E mais uma vez, a comunidade terá de ser mais alargada.

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