“A escola do século XX morreu!”

escuela[1]Num post de 2017 que continua a estar entre os mais lidos deste blogue, tentei explicar que as divagações de alguns medíocres “cientistas da educação” da nossa praça sobre a escola do século XIX não passam de tentativa patética de construção de um mito. A caricatura de uma escola que, na verdade, nunca existiu.

Pois bem: ontem, numa prosa inspirada, o Alexandre Henriques encarregou-se de desmontar um outro mito geralmente associado ao primeiro que referi: o de que, atrelados às escolas oitocentistas, teríamos retrógrados professores do século XX, sem pedalada para os desafios da escola e dos alunos do século XXI.

Uma narrativa mentirosa, ao serviço de variados e dissimulados interesses, desde os de políticos e tecnocratas da educação, que querem desmoralizar os professores e desqualificar a profissão docente, até aos negociantes em busca de espaço para os seus lucrativos projectos educacionais, passando pelos idiotas úteis das academias e dos gabinetes do ministério, que precisam de construir currículo e apresentar serviço. Ou ainda se sujeitam a ter de vir para uma escola básica ou secundária aplicar as teorias que apregoam, mas nunca praticaram, nas salas de aula de que fogem a sete pés.

Não vou acrescentar muito mais ao que aqui fica claramente explicado. A escola do século XX, ou a imagem estereotipada que se faz dela, desapareceu há muito tempo. Mas foi preciso o ensino a distância irromper pelas casas portuguesas para que a opinião pública se apercebesse de que a escola dos dias de hoje é significativamente diferente da que, enquanto alunos, conheceram.

Hoje é seguro afirmar que a escola do século XX morreu! Passámos o ponto de não retorno. Poderá existir um ou outro docente que depois destes meses queira regressar ao tempo pré-covid, mas será algo residual. Os professores pós-covid, serão diferentes, serão melhores, não porque dominem melhor os conteúdos, mas porque aprenderam e dominaram áreas que há 2 meses muitos desconheciam. Além disso, mesmo os professores mais velhos conseguem neste momento estabelecer um diálogo tecnológico com os seus alunos, aproximando assim duas gerações que até há bem pouco tempo encontravam-se em polos completamente opostos.

A escola e as suas aulas estiveram fechadas durante décadas, onde o aluno era o único transmissor para o mundo externo, para os pais, mas este, pela sua imaturidade e inexperiência, não tinha capacidade para “avaliar” da forma mais correta ou transmitir da forma mais correta o que se passava dentro daquelas paredes. Hoje já não é assim, as emissões do #EstudoEmCasa e as aulas online que entram dentro de casa dos pais, vão muito mais longe do que o ensino à distância. Mostram a competência dos professores, a sua capacidade de improviso, domínio das tecnologias e capacidade oratória, algo que a população em geral desconhecia, associando o professor ao século XX, alguém antiquado, frio, distante…

Os professores não são assim, são muito próximos dos seus alunos, quantas vezes não são psicólogos, confidentes, conselheiros e até substitutos dos encarregados de educação. A voz do professor pode ser austera, mas também pode ser quente, mas nunca, nunca será uma voz ausente.

9 thoughts on ““A escola do século XX morreu!”

  1. “Mas insistir na ideia de que a escola actual segue o “paradigma” da escola massificada e taylorizada da era industrial pode ser também o reflexo da falta de conhecimento sobre o que era a escola nesse tempo e como, desde então, se transformou.”

    A falta de conhecimento acontece por este pequeno pormenor de tanto comentador televisivo e jornalístico:

    “o liceu” e a “escola primária” e mais o “7º ano”.

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  2. A sério que considera bom esse texto que reproduziu? O de alguém que descobriu em março de 2020 algo que já se começou a fazer há duas décadas?

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    • Não faço essa leitura.

      Não me parece que nenhum professor actualmente em funções ignore que a escola é, há bem mais do que uma década, diferente daquela que existia quando a maioria de nós fomos alunos ou começámos a ensinar.

      O texto do Alexandre centra-se na percepção dominante que os pais e outras pessoas exteriores ao quotidiano escolar tinham acerca das aulas – muito influenciadas quer pela cassete mediática da escola retrógrada, tradicional, aborrecida, quer pelas queixas, tantas vezes interesseiras e manipulatórias dos seus educandos. E foi esta visão distorcida da realidade escolar que as aulas na televisão e através da internet vieram desmistificar.

      O ponto acerca da mudança dos professores será mais discutível, e aí tenho as minhas reservas: acho que o regressar ou não ao pré-covid vai depender muito mais, como já dependia antes, das condições de trabalho que forem proporcionadas a professores e alunos, do que de qualquer súbita e inesperada “mudança de mentalidades”…

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      • Discordo, até porque fui ler a discussão subsequente. A primeira e última perceção é a do autor do texto.
        Outra questão é o ensino pré e pós-COVID.
        Por opção, fartei-me de ouvir formações sobre os novos tempos e concluí que anda toda a gente a descobrir a roda.
        Repare no que uma senhora do Camões apresentou outro dia como exemplo de autonomia dos alunos: o professor passa um vídeo e eles, em grupo, têm de o resumir. Onde? Num tablete. Agora repare o que o pré-COVID faz: dá um.texto escrito aos alunos e pede-lhes que o resumam.

        Meu Deus, o novo paradigma! Entretanto, a miudagem não sabe sequer escrever um texto no Word.

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  3. Desses 3 termos apenas a referência ao antigo 7.o ano é um claro erro.
    Escola primária é a designação comum pelo mundo fora. Tal como educação/ensino primári@, educação/ensino secundári@ e educação/ensino terciari@. Estranhas são designações portuguesas assentes em complexos de interioridade e do passado (no caso da primária) e de uma suposta superioridade (no caso das universidades e politécnicos).

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  4. A experiência revela que os textos mais lidos na blogosfera são diretamente proporcionais à sua falta de interesse. O ridículo, o bizarro e o absurdo são afrodisíacos para os estúpidos.
    Peço perdão pelo atrevimento, mas mais parece que se tinham convencido disso.

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    • Só posso falar por mim, e pela parte que me toca tento que o que escrevo traduza fielmente aquilo que penso e procuro trazer temas e reflexões actuais, oportunos e pertinentes à discussão. Não quero doutrinar ninguém, até porque, como digo desde o primeiro momento nestas vidas, são sempre mais as dúvidas do que as certezas neste mundo difícil da Educação.

      Sobre audiências, a verdade é que os leitores são soberanos, e penso que todos os que escrevem na blogosfera já passaram por isto: às vezes um texto simples e escrito ao correr da pena alcança súbita e enorme popularidade, enquanto outro, mais reflexivo ou que envolveu pesquisa prévia ou um elevado investimento intelectual do autor se queda pelas escassas visualizações.

      Claro que o contrário também sucede, obviamente…

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      • Já em 2017 não deveria, em minha opinião, ter-se dado interesse a um funeral sem corpo. Lembro-me nessas discussões da intromissão abusiva do braço armado do gabinete ministerial, através do anonimato, numa estratégia que nos é bem conhecida. Estamos em 2020 e continuamos a falar do mesmo. Só pode morrer o que foi vivo. A manipulação neste meio consiste em criar cortinas de fumo para que se esqueça e não se discuta o essencial, entre outros, o modelo de gestão, a desvalorização do papel do professor, a gestão ruinosa do currículo, o modelo kafkiano da ADD.
        Não se deixem manipular, peço-vos.

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        • Caro Rui, por aqui vou sendo eu, como desde o primeiro dia de vida deste blogue, a definir a agenda. Espero ter a lucidez de não me deixar manipular – sou por natureza pouco susceptível a elogios, ambições, vaidades e honrarias, o que me ajuda a evitar tentações. Mas se alguma vez me deixar cair nelas, confio que os leitores do blogue não deixarão de me alertar…

          A blogosfera vive muito da actualidade dos temas do momento. No meu caso, tento não me deixar submergir por ela. Já me tem acontecido ignorar deliberadamente assuntos que são lançados para a discussão precisamente para lançar ruído ou condicionar determinadas discussões. Noutras alturas, apercebo-me que a estratégia mais inteligente pode não ser ignorar ou desvalorizar certos temas, mas pegar neles e dar-lhes a volta na direcção certa. Será o que tentei fazer com esta discussão sobre a “escola do século XX”…

          Quanto às questões e aos debates que verdadeiramente interessam e que muito bem refere, eles nunca deixarão de marcar presença neste blogue, como tem sucedido ao longo dos quase cinco anos que já leva de vida.

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