O psicólogo do regime

eduardosaO psicólogo Eduardo Sá tem-se especializado, nas suas múltiplas intervenções públicas em jornais, programas de rádio, livros e entrevistas, em intercalar uns quantos soundbytes bombásticos de efeito garantido num discurso que vai oscilando entre o dedo acusatório às escolas, aos tribunais e aos decisores políticos com a converseta sentimental e delicodoce sobre as criancinhas e as suas sacrificadas famílias.

“Uma escola que acha que tem de avaliar, embrulhando os testes e os exames num clima de alarme, é uma escola que diz às crianças que o importante é ter bons resultados e não aprender (…) E uma escola assim é desonesta”, comentou este especialista em psicologia da criança e do adolescente, lembrando que muitos alunos são afastados das escolas onde estão precisamente devido à sede destas em garantirem bons resultados nos exames nacionais.

Para o psicólogo e psicanalista, temos nas escolas de hoje “turmas de primeira e de segunda, disciplinas de primeira e de segunda, alunos de primeira e alunos de segunda”. “São formas estranhas com que temos convivido e que já mereceram aval ministerial. Mas uma escola assim transforma-se numa escola amiga do apartheid e uma escola assim avalia, mas não educa”, criticou.

Eduardo Sá, autor de livros como Queremos Melhores Pais! e Hoje Não Vou à Escola!, não se ficou por aqui. Disse que as escolas e as famílias são também “batoteiras” nas avaliações que fazem das crianças porque não lhes dão “o direito de errar”. “É estranho que não se acarinhe o erro, porque uma criança que não pode livremente errar ganha uma imunodeficiência adquirida ao erro e à dor”. O que tem como consequência, advertiu, “tornarem-se competitivos e presunçosos, quando diante do conhecimento deviam ser rebeldes”. “Crianças assim pensam pior”, acrescentou.

O desbobinar destas parvoeiras, embrulhadas, como é habitual em todos os demagogos, com verdades de senso comum, destina-se a construir um discurso que, para os mais desinformados e desatentos, pode passar por rigoroso e científico mas que, em qualquer caso, garante o interesse da plateia, o que é sempre o objectivo principal de Eduardo Sá.

Não é a  escola portuguesa que é “desonesta” porque alegadamente afasta “muitos alunos” para garantir bons resultados nos exames. É Eduardo Sá que incorre na desonestidade de inventar uma acusação falsa e sem qualquer sentido, pois nenhuma escola pública portuguesa poderia legalmente, mesmo que o quisesse, “afastar” alunos. Se isto se passa com alguns colégios privados, e acredito que possa suceder, então que se identifique com clareza essas situações e não se lance a calúnia sobre todas as escolas.

De resto, o discurso sobre as turmas e as escolas de primeira e segunda, que apropriadamente se adequa à prática do anterior governo, teria sido certamente mais oportuno nos tempos em que Nuno Crato liderava o Ministério da Educação. Duvido é que o IAVE, que patrocinou esta conferência, estivesse na altura interessado em promover estas afirmações, o que demonstra, só por si, o oportunismo do palestrante e de quem o convidou.

Quanto ao “direito de errar” e, mais importante, de aprender pelo erro, não posso estar mais de acordo com o psicólogo. O que estranho é que logo a seguir, e depois de ter caracterizado adequadamente o sistema de ensino baseado em sucessivos exames como aquele em que se “avalia, mas não educa”, acaba a defender a introdução precoce dos exames no sistema educativo. Contradições insanáveis no discurso de quem, mais do que esclarecer, gosta de se fazer ouvir e de se sentir acarinhado pelos muitos que o escutam e se deixam embalar na doce cantiga da psicologia dos afectos.

11 thoughts on “O psicólogo do regime

  1. “o importante é ter bons resultados e não aprender” Não minha ignorância nunca percebi esta frase nem outras no género como, por exemplo, “trabalha-se para ter êxito nos exames e não para aprender”
    O que é que isto quer dizer. Pela minha experiência de estudos, penso que é impossível ter bons resultados sem ter aprendido algo. Mais, se se trabalha para ter êxito em exames tem de se aprender alguma coisa. Que devo fazer para ter bom resultado no exame e, ao mesmo temo, poupar-me ao esforço der estudar, compreender, comparar e memorizar? Tudo sito ultrapassa a minha capacidade de compreensão. Se me ajudar a compreender ficarei eternamente grato.

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    • Bom, eu não sou favorável à introdução precoce dos exames, mas também não subscreveria a frase bombástica de Eduardo Sá que citou.

      A estudar para exames aprende-se sempre, o que se pode questionar é se as aprendizagens são as mais significativas e enriquecedoras, ou se não se aprende mais e melhor noutros contextos e com outras motivações para além da de estudar para o exame.

      E acho que um psicólogo encartado e com uma carreira académica a defender, como é o caso, não deveria embarcar tão facilmente nestes simplismos redutores, como se os processos mentais complexos relacionados com a aprendizagem se pudessem subdividir em compartimentos estanques.

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  2. Sr. Duarte
    Penso que é o senhor que está a ser simplista. E junta palavras que dão expressões sem nexo, absolutamente ininteligíveis. Veja lá se me explica em português corrente o que significam estas suas expressões:
    a) Quais são as “aprendizagens mais significativas”? Quem decide sobre isso? As aprendizagens mais significativas são idênticas para todos os alunos, ou cada aluno tem as suas?
    b) Quais são os processos mentais complexos relacionados com a aprendizagem? E há processos mais simples? Qué deles?
    Você tem uma argumentária de pedagogês. Triste figurinha…

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    • Ora bem, se não gosta de “pedagogês”, também me vou dispensar, julgo que seria aborrecido para ambos, de estar aqui a discorrer longamente sobre teorias pedagógicas em torno das “aprendizagens significativas”. Há muita coisa escrita sobre isso, até na Wikipedia, se não quiser ir mais longe.

      Dir-lhe-ei apenas que há uma diferença óbvia e fundamental entre o que uma criança aprende porque lhe dizem tem de ser, que a seguir tem um teste ou um exame onde tem de mostrar que sabe aquilo tudo, e o que a mesma criança sente, ao aprender, que se relaciona com aquilo que já sabe e que descobrirá, no futuro, que serve de base a outras aprendizagens. Daqui decorre, naturalmente, que as aprendizagens significativas podem ser diferentes de aluno para aluno.

      Quanto aos processos mentais envolvidos na aprendizagem são vários, como é evidente, e com diferentes graus de complexidade. Aprender as letras do alfabeto ou os números inteiros de 1 a 10 não exige as mesmas capacidades mentais do que, por exemplo, compreender os meandros da teoria quântica. Para aprender, o processo mental mais simples de todos, mas também o mais limitado, é a memorização. Todos os outros são mais complexos. A Psicologia explica, a quem quiser aprender.

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  3. “É estranho que não se acarinhe o erro…”
    acarinho, acarinho… :
    – já fiz medalhas de 1.º, 2.º e 3.º lugar para os erros mais bestiais,
    – já estipulei que não precisa de TPC quem der mais erros,
    – já elaborei uma tabela de reforços positivos em função da tipologia do erro,
    – cada vez que um jovem comete um erro, toda a turma ensaia um embevecido e terno sorriso colectivo,… as aulas passarão a ser divertidas e felizes,

    Afinal, vivemos num país que desculpabiliza, perdão, acarinha o erro… e, de pequenino se torce o pepino que por cá estão uns quantos psicólogos para conjecturarem sobre como coisas como ter bons resultados sem aprender…

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    • É como tudo na vida: sem errar não se aprende, mas há-de chegar uma altura em que devemos ser capazes de fazer bem feito, sem andarmos a culpar os outros pelas nossas próprias falhas…

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  4. A razão porque há tanta gente periférica ao ensino a opinar, desde psicólogos -Fernão Capelo Gaivota com ditos delico-pastosos, passando por ex-ministros com frases assassinas e mentirosas, tipo “cultura da retenção” até a presidentes de associações de pais, é que ninguém lhes vai pedir ,nem será possível averiguar responsabilidades sobre o que dizem. Imaginem esta gente a opinar, sobre como é que um médico deve tratar um doente, ou como um juiz deve julgar um processo. Imaginem os controladores aéreos, o pessoal do handling, as meninas do check-in, os comissários de bordo ou os passageiros, a dizer como é que o comandante deve pilotar o avião. Isto é o que se passa na Educação.

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    • Todos foram alunos, portanto todos sabem, ou acham que sabem, do assunto. E que a sua experiência particular de estudantes os habilita a generalizar, assumindo que o ensino é hoje o mesmo que existia quando andavam na escola.
      Basta ver o que sucedeu com a nomeação do actual ministro, que até poderá vir a surpreender pela positiva, mas que seria algo impensável em qualquer outra pasta governativa com a complexidade da educação: a escolha de uma pessoa sem qualquer experiência ou ligação à área.

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