Quase 10 mil crianças em risco reportadas pelas escolas em 2023

As escolas denunciaram mais casos de crianças em perigo às comissões de proteção de menores, chegando a quase 10.000 registos em 2023, mas ainda há estabelecimentos com “dificuldade de reporte”, alertou hoje a coordenadora nacional.

“A grande maioria das escolas tem um papel muito ativo e comunica com muita rapidez” às Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), afirmou hoje a presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das crianças e Jovens (CNPDPCJ), Rosário Farmhouse, durante uma audição na comissão parlamentar de Educação e Ciência.

No ano passado, os estabelecimentos de ensino voltaram a ser a segunda entidade que mais casos reportaram, apenas ultrapassados pela PSP, tendo havido “9929 comunicações de perigo vindas diretamente das escolas”, disse Rosário Farmhouse, citando dados do relatório anual que será entregue ainda este mês no parlamento.

As “dificuldades” que algumas escolas têm em reportar situações de crianças em risco têm vindo à baila nos últimos tempos. O tom acusatório com que, há umas semanas, se falava do assunto, deu agora lugar ao reconhecimento de uma evidência: os profissionais de Educação estão atentos aos seus alunos e as escolas são das instituições que mais denunciam casos de maus tratos e violência doméstica.

Ainda assim, convém ter em conta que os professores não estão presentes nas casas dos alunos: poderão ter indícios, mais ou menos evidentes, de que algo não está bem no ambiente familiar. Mas não podemos presumir que as escolas dispõem de um qualquer detector infalível de maus tratos às crianças.

Se é importante incentivar as escolas e os seus profissionais a denunciarem eventuais suspeitas de maus tratos aos seus alunos, talvez fosse mais útil que, em vez de admoestações públicas, fossem dadas garantias concretas de protecção legal aos profissionais, de forma a que ninguém viesse a ser ameaçado, coagido ou processado na sequência de uma qualquer denúncia que se viesse a revelar sem fundamento. Porque esse é também uma das facetas da questão: quando se levantam processos disciplinares a professores por referirem, em documentos internos do próprio agrupamento, que uma criança nepalesa é nepalesa, que garantias terei eu, ou qualquer profissional, de que não serei visado por sugerir que determinada criança possa estar a ser maltratada pela própria família?

Por outro lado, convém não esquecer que, se nestes casos a denúncia é fundamental, pois é ela que se desencadeiam os procedimentos necessários à protecção das crianças em risco, denunciar é apenas um primeiro passo. Focar toda a discussão de um problema tão complexo como a protecção de crianças em risco naquilo que as escolas fazem ou deixam de fazer pode ser a forma de evitar discutir o essencial, que é o funcionamento, tantas vezes ineficaz, das Comissões de Protecção e mesmo dos Tribunais de Família e Menores. Todos os anos temos a lamentar inúmeras infâncias destroçadas e vidas infelizes, vítimas não apenas dos seus agressores, mas também da inacção de quem as deveria proteger.

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