Boa desculpa

melita.JPGUma família da Tasmânia (Austrália) recusa-se a pagar impostos locais há sete anos e tem um argumento inovador: a terra pertence a Deus.

Os Beerepoot, que moram e trabalham na cidade de Chudlleigh, são proprietários de uma quinta de produção de mel, a Melita Honey Farm, que é também um ponto de interesse turístico.

Ora segundo as autoridades locais devem quase onze mil dólares australianos (7800 euros) de impostos imobiliários. Contudo recusam pagar, argumentando que de facto não são donos do terreno e que se reconhecessem alguém como proprietário estariam a reconhecer “um falso Deus”.

Entre muitas desculpas e estratagemas que já se inventaram para fugir ao pagamento de impostos, esta é de facto original: a terra pertence a Deus. E como Deus não tem por hábito cobrar pelo uso da terra que criou para os Homens, então todo o imposto sobre a propriedade fundiária seria ilegítimo.

O que duvido é que esta família imigrante, quando comprou a quinta onde agora vive e montou o seu negócio, a tenha obtido a custo zero, convencendo os anteriores proprietários com a conversa da propriedade divina da terra que agora usa para tentar enrolar as autoridades municipais.

Seguindo a mesma lógica, deveriam também oferecer, em vez de vender, o mel que produzem, pois na verdade ele é fabricado, não pelos Homens, mas pelas abelhas, doces criaturas de Deus.

E pertencendo a terra a Deus, o que farão se, um destes dias, outros filhos de Deus se quiserem ir instalar na sua quinta, tomando parte da terra para seu uso próprio? Chamam a polícia, ou invocam a comparência de algum exército divino para expulsar os invasores?

É que as polícias e os tribunais só existem porque são pagos com o dinheiro dos impostos – entre eles os impostos dos proprietários, que servem, entre outras coisas, para defender o direito à propriedade.

Sete anos volvidos desde a primeira recusa em pagar o imposto devido, e depois de o município ter tentado de tudo para os convencer – até recorrer a argumentos bíblicos, como o que manda dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus – a câmara local decidiu finalmente pôr ponto final na situação, mandando vender a “propriedade de Deus” para ser ressarcida da dívida acumulada.

Uma “saída limpa”

offshores.JPGFisco deixou sair 10.000 milhões para offshores sem vigiar transferências

Conjunto de transferências realizadas entre 2011 e 2014 comunicadas pelos bancos não foram alvo de controlo pelo fisco e estavam omissas das estatísticas. Inspecção de Finanças averigua o caso.

O Público deu a notícia em primeira mão, mas retorceu-se todo para não deixar clara, logo de início, a responsabilidade política do anterior governo PSD/CDS, nomeadamente do secretário de Estado Paulo Núncio e da então ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque, que nem sequer é mencionada na notícia.

Mas, caramba, são 10 mil milhões de euros de potencial fuga ao fisco que não foram investigados. Não será isto merecedor de uma Comissão Parlamentar de Inquérito?

Talvez não. O país tem mais com que se preocupar. Ainda se fossem 10 mil milhões de SMS…

O logro da competitividade

donkey-cooperation.jpgInterrogado sobre a possibilidade de o Reino Unido se tornar um paraíso fiscal na Europa, [o ministro da Economia Philip] Hammond preveniu que se o seu país “não tiver acesso algum ao mercado europeu”, poderia “mudar o modelo económico” para “ganhar competitividade”.

Em nome da competitividade, a nova ordem neoliberal diz-nos que os países devem reduzir os impostos sobre as empresas para atrair e fixar investimento, que os trabalhadores devem aceitar trabalhar mais e ganhar menos para conseguir e conservar o emprego, que as empresas devem reduzir os encargos com a mão-de-obra, subcontratando serviços e recorrendo às máquinas e aos computadores para realizar todas as tarefas em que estes possam substituir o trabalho humano.

Ser competitivo faz parte da natureza humana, e todas as correntes do liberalismo económico se baseiam na ideia de que é entrando em competição com os outros que melhor desenvolvemos a nossa capacidade de criar a riqueza que nos permitirá melhorar a nossa vida e da qual, indirectamente, a sociedade acabará também por usufruir.

A competição é útil porque induz a fazer melhor do que os concorrentes: sendo mais eficaz, inventando novas técnicas ou processos produtivos, organizando melhor o trabalho. E quando se é bem sucedido os outros tentam replicar o nosso êxito, e fazer ainda melhor. Este processo foi fundamental para o desenvolvimento das forças produtivas, desde os primórdios da industrialização até ao nascimento da sociedade de consumo. Quando a humanidade era menos numerosa, vastas extensões do mundo estavam por povoar e os recursos naturais pareciam inesgotáveis, uma economia assente na livre iniciativa parecia o melhor dos sistemas para promover a prosperidade individual e colectiva.

Mas o mundo em que hoje vivemos é muito diferente. Desde logo porque somos muitos, a população continua a aumentar e os recursos tendem a escassear. Competir, hoje, é cada vez mais lutar com os outros para conseguir uma fatia maior do bolo que, apesar de nunca ter sido tão grande, deixou de chegar para todos. A competição leva-nos a um beco sem saída: quando a maioria dos estados tiverem deixado de tributar as empresas para evitar a sua fuga, os computadores e os robôs deixarem sem trabalho a maior parte da população e a riqueza estiver ainda mais concentrada do que hoje naquele 1% da população mundial cuja fortuna já hoje é equivalente à dos restantes 99%, competimos como, e com quem?

Continuamos a ser intoxicados pelo apelo constante a que todos sejamos competitivos: pessoas, empresas, países. E, no entanto, nunca a humanidade precisou menos de competitividade do que nos tempos que correm. O que precisamos é de ser capazes de cooperar mais e de competir menos.

Sem eliminar a competição, é necessário impor-lhe regras e limites que a tornem justa e socialmente útil. Construir uma política à escala mundial em torno da exploração equilibrada dos recursos naturais e da preservação do ambiente, em vez de se continuar a alimentar uma globalização predadora. E restabelecer o primado da democracia política sobre os mercados e as oligarquias financeiras, controlando os movimentos financeiros e impondo a redistribuição da riqueza em vez de promover a sua concentração.

A Justiça vista pelos juízes

m-pauperio.JPGGostei de ler a entrevista da presidente da Associação Sindical de Juízes ao Público. Algumas passagens são especialmente esclarecedoras, como esta em que explica que os problemas da justiça não residem apenas no sistema judicial. Ou por outras palavras, que não podemos esperar decisões justas dos tribunais em casos económicos quando a injustiça reside no próprio funcionamento da economia.

Segundo uma análise da agência Reuters a reforma da Justiça foi para troika ver, existindo neste momento mais de 800 mil processos pendentes nos tribunais referentes a dívidas e empréstimos por cobrar.
77% dos processos pendentes têm a ver com dívidas, porque o Estado dá condições para tornar efectiva a sua cobrança mas ainda não descobriu a maneira de encontrar dinheiro ou património para os executados poderem solvê-las. E há muita coisa que é claramente incobrável. As pessoas deixaram de ter condições para pagar.

É então a economia que empata os tribunais, e não o contrário?
É isso. Numa economia tão degradada como é o caso é lógico que haja mais dívidas por pagar, mais incumprimentos de contratos, mais endividamentos. Podemos de facto dizer que é o mau desempenho da economia que agrava as condições da Justiça.

Como se resolve isso?
É preciso criar mais riqueza e mais empregos. Pôr a economia a funcionar, no fundo.

Outra afirmação com que concordo inteiramente e que é importante sublinhar, agora que os homens do avental andam de novo nos títulos dos jornais: os juízes não devem pertencer a organizações secretas. Se não podem ser militantes de partidos políticos, que são organizações que têm uma actividade que é publicamente escrutinada, por maioria de razão não devem pertencer a maçonarias e outras organizações que cultivam o secretismo e que pela sua opacidade são permeáveis a fenómenos de corrupção, favorecimento pessoal e tráfico de influências. E isto são coisas que todos os magistrados deveriam perceber por si mesmos, sem necessidade de lhes fazerem um desenho.

Cavacão

Em 1999 declarou às Finanças que pagou 8133 euros por uma vivenda de 620m2, tendo dado à troca uma outra casa de férias, de valor muito inferior, a famosa Vivenda Mariani.

Aldrabou as Finanças, apresentando documentos que não correspondiam ao imóvel que adquiriu, para pagar menos impostos.

Quando finalmente a situação foi corrigida, em 2015, o valor patrimonial atribuído passou de 199.469 para 392.220 euros.

Segundo o Público, o ex-presidente Cavaco Silva terá andado 15 anos a pagar apenas metade do IMI que seria devido pela posse da vivenda de luxo a que pôs o poético nome de Gaivota Azul, situado na mesma urbanização onde parceiros do BPN e de outras negociatas também compraram casa.

Cavaco, igual a si próprio, recusou-se a esclarecer o assunto, mas parece evidente que esta situação não pode dever-se apenas a lapso ou sequer a tratamento de favor por ser para quem é: o homem sério, o que dizia dos seus detractores que teriam de nascer duas vezes para serem tão honestos e impolutos como ele, prestou deliberadamente falsas declarações às finanças para pagar menos impostos.

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Competitividade

Portugal caiu oito posições no ranking mundial da competitividade 2016-2017, ocupando agora o 46º lugar numa lista com 138 países.

No ano passado, o país já tinha descido duas posições no ranking do Fórum Económico Mundial (WEF) – liderado pela Suíça, Singapura e Estados Unidos – o que o colocava entre as economias desenvolvidas menos competitivas.

As taxas e os impostos continuam a ser o fator mais problemático para os negócios e a primeira preocupação dos empresários.

Tive curiosidade de saber que ranking é esse da competitividade mundial, organizado por uma das organizações que mais activamente promove o neoliberalismo à escala global. E que o PSD tanto valoriza, ao ponto de ter agendado para hoje, no Parlamento, uma discussão em torno da alegada perda de competitividade do país.

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A principal conclusão a que cheguei é que aquilo nada tem de científico ou de objectivo. Consiste basicamente num inquérito feito a uma amostra de empresários que avaliam as condições mais ou menos favoráveis, de cada país, para o desenvolvimento dos seus negócios. Estados de alma, portanto. A descida de oito posições de Portugal em relação ao ano passado significa que os empresários inquiridos estão agora menos contentes com as facilidades e oportunidades que Portugal lhes oferece.

E de que se queixam, então, os empreendedores? De que pagam demasiados impostos e taxas. Mas o mais curioso é que esta é uma queixa universal, que surge em primeiro lugar em quase todos os países referenciados, incluindo os que ocupam as posições cimeiras do ranking.

No mundo perfeito que nos é proposto pelo Fórum Económico Mundial, percebe-se então, não haveria pagamentos de impostos, segurança social ou taxas por parte dos empresários criadores de riqueza e de progresso para a humanidade, um favor que nos fazem enquanto engordam as suas contas bancárias.

Penalizam-se então os rendimentos do trabalho, cortam-se pensões e prestações sociais, reduzem-se ao mínimo os apoios e as valências do Estado social. Porque os países que o não fizerem deixam de ser competitivos, deveremos então embarcar todos na inevitabilidade de deixar de taxar os lucros empresariais ou de exigir as necessárias contrapartidas pela utilização ou apropriação de recursos públicos por parte dos investidores privados.

Ora é este dumping fiscal, laboral e social promovido globalmente que agrava as desigualdades sociais e já nem sequer promove, como nos velhos tempos das revoluções industriais, o aumento da riqueza global: pelo contrário, alimenta a especulação financeira e o capitalismo de casino que nunca produziu tantos ricos, mas cada vez cria menos riqueza. E se nos vende bugigangas ao preço da chuva vindas do outro lado do mundo, vai encarecendo os bens alimentares e outros produtos de primeira necessidade, em mercados cada vez mais controlados e manipulados pelas multinacionais e pela grande distribuição.

Mas nada disto interessa aos fóruns internacionais de economia. Muito menos discutir o sentido, que não é nenhum, de tornar mais competitivo um mundo onde a desigualdade e a escassez de recursos obrigam, não à competição entre países, mas à cooperação internacional. Pelo menos se quisermos que um futuro para a humanidade, que conta já perto de 75oo milhões de habitantes à face da Terra, seja ainda possível.

Deus, Pátria, Família

licao-de-salazar.jpgEis a trilogia que, pelo menos desde os tempos do Estado Novo, tem guiado a direita conservadora portuguesa. Não tanto na forma como vive; sobretudo na representação exterior que as classes dominantes tentam dar de si próprias.

Deus, já era. Com a religião convertida num bem-parecer, a alta sociedade que ainda vai à missa é para ver e ser vista com o fato domingueiro. Os outros nem isso, são católicos não-praticantes que entram na igreja apenas para encomendar a Deus os falecidos e baptizar ou casar os filhos com pompa e circunstância.

Vendidas as empresas e boa parte do património aos estrangeiros, hipotecada a soberania aos eurocratas de Bruxelas em troca de subsídios, a nossa burguesia internacionalista é bem capaz de vender também a Pátria se ganhar algo com isso, e nem seria, na nossa longa história, a primeira traição perpetrada pelas nossas falsas e interesseiras elites.

Mesmo a Família já não tem a solidez de outrora. As novas gerações aderiram ao controle da natalidade e às modernas formas de conjugalidade. Entre os mais velhos multiplicam-se os casos de primos e irmãos desavindos, sobretudo quando os negócios correm mal e o rendimento, outrora abundante, deixa de correr com o caudal desejado para todos os numerosos ramos da família. E assim se vão esboroando os velhos clãs, dos Champalimaud aos Espírito Santo.

O que sobra então? Os bens materiais, mas não tanto as mobílias carunchosas, as pratas enegrecidas ou a roupa comida pelas traças. Verdadeiro valor têm as moradias na Lapa ou na Foz, as quintas do Douro ou os montes alentejanos, as casas de férias em Vilamoura ou no Estoril.

Perdidos os valores espirituais que, em boa verdade, sempre foram mais para impingir aos outros do que para consumo próprio, é aos bens imóveis que se agarra a direita materialista. Com o egoísmo e a avareza de sempre, toda ela se assanha com a remota perspectiva de ter de pagar mais impostos, pelos bens ao luar, ao Estado de que sempre se habituou a servir-se.

 

Evasão fiscal

Habitação de 500 mil euros da classe média apanhada a fugir para as Bahamas.

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A devassa do segredo bancário

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A propósito da obrigatoriedade, a partir de 2017, de os bancos reportarem às Finanças os saldos de clientes com contas bancárias acima de 50 mil euros, caiu o Carmo e a Trindade entre os habituais especialistas nestas matérias: jornais económicos, advocacia de negócios, economistas do regime: quase todos se opõem de forma veemente ao que acham ser uma intolerável violação do segredo bancário. Então uma pessoa já não pode juntar o seu pé-de-meia no banco, sem que o big brother fiscal logo vá bisbilhotar?

Mas Francisco Louçã, que aborda o tema no seu blogue no Público, desmonta muito bem a estudada indignação dos privilegiados que pretendem continuar a albergar nas suas contas bancárias rendimentos não declarados. E que serão uma pequena minoria entre os cerca de 3,5% de depositantes que têm mais de 50 mil euros no banco.

Começando por recordar que esta regra já existe há muitos anos nos EUA e que entre nós resulta da aplicação, de forma bastante moderada, de uma directiva europeia que pretende dar aos Estados um instrumento eficaz na luta contra o crime, Louçã contesta a ideia de que a defesa da privacidade passe por esconder os rendimentos de cada um, evidenciando duas contradições em que incorre de quem invoca tal argumento:

A primeira é que a lei já organiza a informação sobre escolhas da vida privada. Exemplo: as despesas de saúde. Os recibos de medicamentos e consultas são indicadores da parte que é a mais privada da nossa vida, e não parece que haja quem conteste essa informação automática.

A segunda dificuldade é que não se consegue descortinar o que é que há de privado nos rendimentos que recebemos e como é que esse segredo pode superar a obrigação de declarar os rendimentos pessoais para pagar o imposto devido. Se são salários, são empresas ou entidades públicas que pagam. O que é que é privado? Se são rendimentos de propriedade ou de capital, o que é que é privado e que mereça a protecção para a garantia de que o fisco não consegue conhecer esses valores? Se são rendimentos familiares, porque é que são secretos? Mais, se temos a obrigação, essa sim constitucional, de pagar IRS sobre todos os rendimentos que recebemos, como é que alguém se pode atrever a argumentar que esses rendimentos devem poder ficar ocultos – isto é, para não pagar imposto?

Maior fuga de informação

…revela nomes de todos os otários que ainda pagam impostos em Portugal

A “notícia” é do Inimigo Público, e não poderia ser verdadeira porque os “otários” não costumam fazer boas manchetes jornalísticas.

Os que vendem são os chicos-espertos, os trafulhas, os que usam de todos os truques e expedientes, legais ou ilegais, para retirar vantagens pessoais, em prejuízo do interesse colectivo.

Multicolored plasticine human figures with a stacks of coins