A importância de uma tarja

“Estamos a dar a aula mais importante das nossas vidas” é a frase que desde fevereiro pode ser lida numa tarja preta colocada à entrada da sede do agrupamento, na Escola Básica 2/3 Júlio Dinis, e que valeu a Glória Sousa um processo cuja instrução está a ser feita pela Inspeção-Geral da Educação e Ciência, como avançou o JN na quarta-feira.

Solidários com a diretora, professores e educadoras do agrupamento emitiram um comunicado em que revelam “surpresa e perplexidade” pelo procedimento contra a docente e assumem a responsabilidade pela colocação da tarja. “Esta tarja foi concebida, paga e colocada pelos professores do agrupamento que, em fevereiro consideraram que deviam mostrar à comunidade, de forma explícita, que todos os dias se empenham para dar aos seus alunos o melhor de si, a aula mais importante das suas vidas. Numa altura em que a profissão é por tantos desprezada e desrespeitada, consideramos que devíamos deixar claro que esta é uma profissão de gente empenhada, que muitas vezes deixa para trás a sua vida pessoal e a sua família em prol dos seus alunos”, escreve a comunidade Educativa do Agrupamento de Escolas Júlio Dinis.

“A responsabilidade da tarja é dos professores e educadoras do Agrupamento. Foram eles que a conceberam, pagaram e colocaram, tendo a senhora diretora apenas autorizado a sua colocação”, assumem os professores, que lembram que “o artigo 37 da Constituição da República Portuguesa determina que todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações” e que “o exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura”.

Quem diria que um ministério que se afirma promotor da cidadania activa e do pensamento crítico na escola do século XXI anda afinal a patrocinar comportamentos censórios, punindo os directores que não aceitam ser comissários políticos do regime?

A mensagem, pelos vistos, incomoda. E deixa a nu a hipocrisia deste governo: nunca se encheu tanto a boca com a “autonomia das escolas”, e nunca tivemos um ministério tão controlador das mais pequenas coisas que ainda se conseguem decidir localmente.

Os directores escolares são muitas vezes criticados pelos professores, e não me coíbo de o fazer, por aqui, sempre que a crítica se mostra justa e oportuna. Mas também é preciso reconhecer que uma perversidade do actual modelo de gestão reside justamente na facilidade com que um director menos alinhado com o poder político pode ser incomodado e castigado, tornando-se um alvo a abater pelos serviços ministeriais ou pela IGEC, que se comporta cada vez mais como um cão de fila ao serviço do ministro, perdidas as veleidades de isenção e autonomia que em tempos chegou a ter.

Não se iam meter, pois a valentia nunca chega a tanto, com todo o corpo docente da escola, que pagou e afixou a tarja alusiva à luta dos professores. Mas havendo uma directora que autorizou a sua colocação – como sucedeu, note-se, em dezenas, senão centenas, de estabelecimentos escolares de todo o país – e eventualmente contas a ajustar de outros carnavais, ela pode tornar-se facilmente o alvo do excesso de zelo de um qualquer inspector que nem deve saber que vive num país livre, e que a liberdade de expressão é um direito protegido constitucionalmente.

Enquanto uns directores são processados por se mostrarem solidários com os colegas professores, os que se submetem aos caprichos do poder instituído beneficiam de toda a compreensão do ME perante falhas e irregularidades, e de um complacente fechar de olhos para as prepotências e abusos de poder com que muitos destes tiranetes lidam com os seus subordinados. Neste caso, cumpre saudar duplamente os envolvidos: pela coragem da directora e pela inequívoca manifestação de solidariedade e apoio do corpo docente do agrupamento.

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