Programa do Governo: mais do mesmo na Educação

prog-gov-xxii.PNGCom referências breves e dispersas por vários capítulos, a Educação tem uma presença modesta no programa do Governo que há dias iniciou funções. Percebe-se que há, no essencial, uma continuidade com as políticas da anterior legislatura e, também, uma notória falta de ambição quanto aos investimentos estruturantes de que o sector verdadeiramente necessita.

O Paulo Guinote já fez, com a competência que lhe reconhecemos, uma análise detalhada das medidas enunciadas. Pela minha parte, irei apenas sublinhar, de uma forma quase telegráfica, as principais linhas de rumo que, a partir da leitura do programa do Governo, é possível antecipar.

Ordem para poupar. Este continuará a ser é o primeiro e mais grave constrangimento da política educativa. Apesar de alguns objectivos ambiciosos enunciados, não se antevê qualquer reforço orçamental na área da educação não superior. A ideia continua a ser, como no tempo da troika, fazer mais com menos. Espera-se que, no quadro da municipalização da educação, os recursos técnicos e humanos das autarquias possam dar uma mãozinha em relação às necessidades das escolas, evitando assim a contratação de pessoal especializado. E prevê-se expressamente que o recurso aos financiamentos comunitários continue a assegurar uma parte substancial da despesa no sector.

A incógnita dos concursos de professores. Depois de alguns anos a enfiar a cabeça na areia, há sinais de que os concursos e a contratação de docentes começam a ser vistos como uma área problemática, a exigir urgente intervenção. Mas não parece haver uma ideia clara, um fio condutor, para uma nova política de colocação de professores. Falta, desde logo, a coragem política para acabar com as zonas pedagógicas, estruturas cuja lógica foi, ao longo dos anos, completamente subvertida e que hoje servem apenas para aumentar a complexidade e a falta de transparência dos concursos. Em vez disso, querem apenas reduzir a sua dimensão. Por outro lado, nota-se a vontade de abrir caminho, novamente, à contratação local, usando os TEIP como balão de ensaio. Acena-se com a criação de “incentivos” nas zonas onde é mais difícil colocar professores. Mas esquece-se que, em muitos casos, o único incentivo eficaz é o que resulta da estabilidade profissional: horários completos em vez de horas avulsas, fixação dos docentes em lugares de quadro em vez de anos a fio de colocações precárias.

Revisão da carreira docente. Aqui não há que alimentar ilusões: devemos preparar-nos para o pior. Se o deixarem, este Governo irá acabar com as carreiras especiais da administração pública, atirando-se com especial sanha àquelas que, como é o caso da carreira docente, valorizam a progressão com base no tempo de serviço. É com esse objectivo que Alexandra Leitão foi promovida a ministra. Das entrelinhas do programa extrai-se uma ideia: uma carreira docente a terminar, para a generalidade dos professores, naquilo que são hoje os escalões intermédios, sendo o topo reservado para os directores e, mais abaixo, os coordenadores das estruturas de gestão intermédia.

Sucesso obrigatório. Ainda não foi desta que surgiu a coragem política de abolir, legalmente, as retenções. O que o Governo anuncia é mais um plano para a “não-retenção”, a juntar ao PNPSE e demais burocracia eduquesa, destinado a responsabilizar e a penalizar os professores pelos “chumbos” dos alunos. Que já estão na maioria das escolas em níveis residuais e deverão continuar a descer. Se efectivamente se aprende mais e melhor, isso é outra conversa.

Exames nacionais. Também aqui o programa do Governo é omisso. Percebe-se que sem provas nacionais as escolas poderiam flexibilizar mais à vontade, sem serem confrontadas no final com a ignorância dos alunos e a vacuidade das aprendizagens ditas significativas. Mas não se querem comprometer com a abolição dos exames, e por isso irão avançar apenas se sentirem que o vento sopra de feição. O que prometem é um reforço da eficácia das provas de aferição. Querem que elas se tornem mais úteis para  alunos e professores. Talvez fosse bom, para variar, começarem por ouvir docentes e discentes antes de decidirem o que quer que seja.

Escolas digitais. O Governo quer promover a “digitalização” das escolas e o desenvolvimento de competências computacionais entre alunos e professores. Lê-se o vasto e ambicioso rol de medidas enunciadas nesta área e há uma dúvida que prevalece: com que recursos materiais iremos mergulhar a fundo na onda das novas tecnologias? Uma pergunta que, no programa governamental, fica sem resposta… Recorde-se que a quase totalidade do parque informático instalado nas escolas tem dez ou mais anos de idade. Computadores, projectores, redes e quadros interactivos acusam o peso da idade. E se é verdade que muito material ainda funciona, também é certo que há muito deixou de cumprir com as exigências actualmente colocadas pelo uso intensivo e generalizado das novas tecnologias. Em muitas “salas de TIC”, o próprio conceito de personal computer é desconhecido. Devido à escassez de equipamentos, os alunos são forçados a partilhar, aos pares, o computador que deveria ser de uso pessoal. É assim que querem ensinar a programação e as outras competências digitais avançadas aos alunos “do século XXI”?…

2 thoughts on “Programa do Governo: mais do mesmo na Educação

  1. No meu agrupamento, entre o sétimo e o nono anos reprovaram dois alunos. Dois!

    Bom, pelo menos mantenhamos a ilusão de que é possível reprová-los, de modo a que haja algum receio e seja possível minimizar a indisciplina.

    Gostar

  2. Revisão da carreira docente: será para demolir os únicos alicerces que subsistem. Neste momento, com a existência das quotas para vagas para progressão, a carreira docente já termina nos escalões intermédios (5º a 7º) para todos os profs abaixo dos 55 anos, ficando reservado a uma casta os escalões 8º a 10º.
    Sucesso obrigatório: a única coragem que faltou foi não terem criado um artigo legislativo a dizer explicitamente que a retenção era proibida; no entanto, na prática a retenção está extinta bem como as classificações abaixo do nivel 3 ou do nivel 10. A retenção apenas fica reservada para os casos de falta de assiduidade injustificada prolongada.
    Exames nacionais: são incompativeis com a implementação pura da pafc mas são essenciais como critério de seleção para candidatura à universidade, e só por isto, é que não se atrevem a aboli-los.
    Quanto ao resto será mais do mesmo, continuando-se a denegrir e desvalorizar a profissão, para a proletizar e ficar submissa…

    Gostar

Comentar

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.